Expectativas sobre governo Dilma podem ser problema futuro
Os brasileiros estão otimistas em relação ao governo Dilma. Segundo o Datafolha, 83% esperam que ela faça um governo igual ou melhor do que o de Lula. O futuro período será ótimo ou bom para 73%, nível superior a todos os observados no início de outros governos, exceto o que começou em 2003 (76% acreditavam que Lula faria um bom governo).
Dilma precisa encontrar formas de desinflar essas expectativas, pois dificilmente elas serão correspondidas. Seu governo não contará com o ambiente externo favorável que prevaleceu entre 2003 e 2008, o qual beneficiou tremendamente o Brasil. A demanda de commodities por parte da China nos deu inéditos ganhos nos termos de troca no comércio mundial. Lula se beneficiou dos efeitos retardados das reformas de FHC. Dilma, ao contrário, viverá anos influenciados pela ausência de reformas de Lula e pelas prováveis ineficiências derivadas do aparelhamento do Estado por militantes petistas e por afilhados políticos de outros partidos. Isso leva tempo para produzir más consequências.
É verdade que Dilma se beneficiará do ciclo de investimentos em curso e daqueles associados à Copa do Mundo e às Olimpíadas. Mas isso não lhe dará as condições de igualar ou superar os anos Lula. Corre, além disso, o risco de aventuras macroeconômicas, a julgar pelos rumores de que a política monetária será executada em sintonia com o Ministério da Fazenda, o que apontaria para um desastre. Pode não ser verdade. Palocci na Casa Civil pode bloquear o experimentalismo inconsequente. Mesmo assim, na melhor das hipóteses fica como está. E o que está não é bom, particularmente na área fiscal.
O velho Brasil desafia Dilma
O Brasil velho não esperou a nova presidente assumir. Atacou com sua velha arma: a vetusta aliança entre sindicatos poderosos e organizações empresariais mal acostumadas com o intervencionismo estatal. Sob a liderança da Força Sindical, sindicatos que representam trabalhadores do Estado de São Paulo querem que o novo governo adote medidas protecionistas para reverter o ritmo de importações. A proposta teria sido secundada pela Fiesp. Isso depois de negociações que garantiram ganhos reais de salários de 6% este ano.
Essa aliança funcionou nos tempos dos programas de substituição de importações do passado. Como se recorda, esses programas contribuíram para a industrialização do Brasil, mas de forma muito ineficiente. Criamos uma indústria pouco competitiva e oligopolizada. O controle de preços permitia o repasse de todos os seus custos, inclusive os salariais. Por isso, muitas empresas podiam conceder reajustes reais superiores aos ganhos de produtividade, os quais eram considerados nas planilhas de custos submetidas aos órgãos controladores de preços, que os aprovavam. Ganhavam as empresas e seus trabalhadores. Perdiam os consumidores e os trabalhadores de outros setores. Ao lado do descaso pela educação, esse esquema contribuiu substancialmente para os níveis de concentração de renda que ainda envergonham o Brasil.
A aliança pede também uma desvalorização cambial, como em outras épocas. Para fazê-la como solicitado, o governo teria que intervir no Banco Central, emitindo uma ordem para a baixa voluntarista da taxa de juros. Aliás, há empresários pedindo explicitamente essa medida. O resultado seria uma crise de confiança que teria graves efeitos inflacionários. Esse passado, do qual pensávamos estar livres, também voltaria.
Espera-se que a futura presidente possa receber conselhos melhores, que a habilitem a se fazer de surda diante do novo ataque do Brasil atrasado.
A carga tributária não vai cair. Pode subir
Quem tem esperança de ver o novo governo reduzir a carga tributária pode tirar o cavalo da chuva. O contrário pode acontecer. Basta ver as declarações da nova presidente, favoráveis à reinstituição da CPMF, e o discurso de hoje de Lula, para quem o novo ministro da Saúde deve lutar pela criação de um novo tributo para financiar a saúde. Além disso, mesmo que não haja redução das alíquotas dos tributos, a tendência é de aumento da carta tributária, por dois motivos. Primeiro, o crescimento da renda, que gera novos contribuintes do Imposto de Renda, ao mesmo tempo em que muitos mudam de faixa, isto é, passam a pagar mais. Segundo, a redução da informalidade, que reduz a evasão fiscal. Essa redução da informalidade virá do aumento da complexidade da economia e da abertura do capital das empresas, em ambos os casos dificultando a permanência na economia subterrânea.
O tamanho da carga tributária é a consequência óbvia do aumento de gastos, que dobraram como proporção do PIB desde a Constituição de 1988, basicamente por causa dos generosos benefícios que instituiu para servidores públicos, aposentados e pensionistas (ainda que estes reclamam que ganham pouco). A situação piorou com os aumentos sistemáticos do salário mínimo nos dois mandatos de Fernando Henrique e Lula. O salário mínimo reajusta dois de cada três benefícios previdenciários.
Além dessa irresponsabilidade fiscal, o gasto público tende a crescer nos termos da Lei de Wagner, proposta pelo economista alemão Adolph Wagner (1835-1917). Ele observou que o crescimento econômico era naturalmente acompanhado de uma elevação dos gastos públicos e, assim, da carga tributária. Segundo Wagner, o estado de bem-estar social, origem maior da elevação de gastos, evolui no sistema capitalista em virtude de demandas do eleitorado.
A tese foi refinada pelo economista americano Richard Musgrave (1910-2007), autor de um dos mais reputados livros-texto sobre finanças públicas. Segundo Musgrave, o aumento dos gastos públicos no processo de desenvolvimento decorre de três razões; (1) das atividades sociais do Estado, tais como o provimento de aposentadorias, de educação e de saúde; (2) de ações administrativas e de proteção, como segurança, políticas de meio-ambiente e intervenção do Estado na economia; e (3) da ampliação do estado de bem-estar social.
Por tudo isso, a tendência dos próximos anos está mais para elevação do que para queda da carga tributária.
Tombini no Senado: discurso bom, interpretações nem tanto
O discurso de Alexandre Tombini ontem no Senado foi pautado pela serenidade, competência e abrangência. Em poucas palavras, ele sintetizou os objetivos de um moderno banco central, que vêm sendo perseguido com sucesso pelo nosso BC: (1) controle da inflação; (2) regulação prudencial e supervisão para assegurar a qualidade das instituições financeiras; (3) busca de um sistema financeiro competitivo e inclusivo (mais pessoas tendo acesso aos seus serviços, particularmente os menos favorecidos). Sua análise da atuação do BC deixa claro o papel que a organização teve para assegurar a previsibilidade do ambiente econômico e para enfrentar os efeitos da severa crise financeira internacional de 2008. Tombini foi parte desse sucesso: foi diretor do BC desde 2005.
Nos debates, Tombini disse que um país não pode assistir impassível aos efeitos, na taxa de câmbio, de políticas públicas de outros. Tradução: as autoridades precisam agir para evitar que distorções de mercado prejudiquem a economia nacional. Até aí, nenhuma novidade. Só mesmo os que acreditam fervorosamente na chamada “eficiência dos mercados” podem admitir como naturais os fluxos financeiros externos induzidos por desequilíbrios econômicos mundiais e por ações que criam ondas de capitais especulativos em busca de melhor remuneração. Em situações excepcionais como a que vivemos, cabem medidas excepcionais, ainda que não ataquem as distorções em todos os seus flancos. Daí a compra de reservas internacionais pelo BC e a adoção do IOF em certos fluxos de recursos vindos do exterior. O risco é o exagero que provoque efeitos colaterais piores, como seria o controle de capitais, mas não parece ser o caso na atualidade.
O discurso de Tombini e suas manifestações nos debates foram interpretados como alinhados a teses do Ministério da Fazenda. Os conflitos entre a pasta e o Banco Central, típicos da dualidade instalada depois da saída de Palocci, não aconteceria no novo governo. Não acredito um pingo na tese. Começa com o próprio discurso no Senado, quando Tombini refutou, com argumentos irrespondíveis, a ideia de Mantega de criar um novo índice de preços, expurgado das variações nos alimentos. Uma tolice. Primeiro, esse índice já existe (os núcleos do IPCA calculados pelo BC e acompanhado por mais de uma centeza de instituições financeiras e consultorias). Segundo, somente a Tailândia tem seu regime de metas de inflação atrelado a um núcleo. Tombini enterrou a proposta. Mais, defendeu uma redução da meta para as proximidades dos 3% adotados por praticamente todos os países emergentes. Mantega foi o responsável pela preservação da atual meta por oito anos, como se 4,5% não fosse um nível elevado de inflação, que contribui para preservar a extensa indexação ainda presente na economia brasileira.
Ao contrário, pois, dessas interpretações, o cenário mais provável é a manutenção da dualidade, incluindo os conflitos entre um Ministério da Fazenda “desenvolvimentista” e um Banco Central comprometido com a estabilidade da moeda, peça fundamental para o crescimento da economia brasileira. É preciso esperar para ver, mas a situação está mais para o confronto e a continuidade do ambiente hostil ao Banco Central do que para a convivência pacífica.
Política econômica: a dualidade do governo Lula tende a continuar
A dualidade na área econômica foi a característica do governo Lula após a saída de Antonio Palocci e sua substituição por Guido Mantega. De um lado, o Banco Central conduzia uma política monetária responsável, que garantia a estabilidade da moeda e granjeava credibilidade aqui e lá fora. Do outro, um Ministério da Fazenda “desenvolvimentista”, que executava uma política fiscal expansiva, piorada nos dois últimos anos com a aceleração dos gastos correntes e a adoção de mágicas orçamentárias e contabilidade criativa para esconder a incapacidade de cumprir metas de superávit primário. A Fazenda se tornou um centro de vazamento de críticas à política monetária. Essa situação esquizofrênica não redundou em desastre pela capacidade de articulação política de Henrique Meirelles, presidente do BC, e pelo apoio que sempre teve de Lula. A percepção de que a volta da inflação seria mortal para sua popularidade estimulou o presidente a preservar a autonomia operacional do BC. Os mercados perceberam a dualidade, mas se convenceram de que o BC estaria blindado contra as investidas da Fazenda. Os vazamentos e as declarações explícitas do ministro e de auxiliares nunca foram levadas a sério.
No governo Dilma, a manutenção de Mantega indica que é alta a cchnace de preservação da dualidade. É verdade que ele tem dito que agora vai ser diferente, que haverá ajuste nas despesas correntes, que as metas de superávit primário vão ser cumpridas sem artifícios. Mesmo que se dê o benefício da dúvida e se acredite que a nova presidente vai fazer valer seus compromissos com o tripé da política econômica e a autonomia do BC, fatos recentes permitem supor que o ambiente hostil ao BC tende a continuar. Na última sexta-feira, a Agência Estado noticiou, com base em informações da Fazenda, que a elevação dos compulsórios dos bancos e outras exigências tinham sido determinadas por Dilma. Ela não concordaria com aumentos de juros, preferindo outras ações para lidar com ameaças inflacionárias. É pouco provável que tenha sido assim, mas as “fontes” da Fazenda certamente são as mesmas que plantaram informações desfavoráveis à política monetária durante o governo Lula. E tendem a fazer o mesmo no próximo governo.
Hoje, o diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea se saiu com uma novidade. Os juros são altos no Brasil e provocam a valorização cambial porque existe um problema cultural, tanto no BC quanto nos tomadores de crédito, estes porque não fazem conta dos juros. Além de ser uma afirmação grave, que se correta deveria justificar a substituição da diretoria do BC por pessoas de outra “cultura”, o homem do Ipea parece ignorar que não fazer conta de juros nada tem de cultural. O comportamento é melhor explicado pelas deficiências de educação, que fabricam uma maioria de analfabetos financeiros. Ao mesmo tempo, o senador Aluísio Mercadante, tido como futuro ministro da Ciência e Tecnologia, declarou que o problema das exportações é o câmbio. Embora não tenha enveredado pelos delírios do diretor do Ipea, Mercadante não deixou de dar a entender que é preciso fazer alguma coisa no câmbio.
Não precisaria muito mais para perceber que o ambiente hostil ao BC vai continuar e pode desaguar em coisa mais séria, a menos que Tombini construa com Dilma o prestígio que Meirelles obteve de Lula e Dilma se invista do pragmatismo do seu antecessor. Tombini faria bem se começasse a pensar em montar seus canais de comunicação interna para resistir aos muito prováveis ataques da Fazenda e de segmentos do governo que pensam do mesmo modo. A sala de Palocci na Casa Civil pode ser a melhor fonte de proteção.
Pré-sal: dois desastres simultâneos
A Cãmara completou, na madrugada de hoje, a aprovação de dois desastres na exploração do petróleo do pré-sal. A primeira, praticamente já em vigor, é a mudança do regime, de concessão para partilha. O regime de concessão, vigora em países institucionalmente avançados, como os Estados Unidos, o Reino Unido, a Holanda e a Noruega. Os investidores têm segurança quanto a direitos de propriedade, respeito aos contratos e previsibilidade das regras do jogo. As mudanças institucionais dos últimos anos colocava o Brasil nesse grupo. O modelo de partilha, agora adotado pelo país, é típico de ambientes institucionais caracterizados pela incerteza, casos da Nigéria e do Iraque. No regime de concessão, funcionam as regras de mercado, sob regulação do Estado. No de partilha, as empresas preferem receber em óleo, menos sujeito a manipulações governamentais. Além dessa desastrosa mudança, a nova legislação dá à Petrobrás o direito de participar de todos os campos, com pelo menos 30%. É, na prática, a reinstituição do monopólio do petróleo. E se criou uma nova empresa estatal, a Petrosal (o nome final pouco importa) para gerenciar os interesses da União, inclusive a comercialização da parte do petróoleo que lhe cabe. Afora o potencial de ineficiências característico da ação empresarial do Estado, a Petrosal terá o poder de veto nos consórcios, o que significa um tremento potencial de corrupção.
O segundo desastre estará na distribuição dos royalties do petróleo. A regra aprovada distribui os respectivos recursos entre os 27 Estados e os quase 6 mil municípios, segundo as regras dos Fundos de Participação. É desperdício na certa, decorrente tanto da pulverização de recursos que seriam valiosos para atacar as muitas deficiências do setor público, quando da quase certa utilização de grande parte deles para gastos de pessoal e outros determinados por razões eleitorais. Os Estados produtores serão tremendamentes prejudicados, pois arcarão com o ônus dos investimentos e dos gastos correntes nas regiões de extração do petróleo. A solução encontrada pelo Congresso piora a situação, pois obriga a União a indenizá-los pelos respectivos dispêndios. De onde o governo federal extrairá essa bolada?
O presidente Lula merece ser apontado como o grande culpado pelos dois desastres. Primeiro, por ter cedido às pressões à esquerda de seu partido e de bolsões corporativistas da Petrobrás. Segundo, por não ter sido capaz de observar lições da história no encaminhamento dos projetos de lei ao Congresso. Estados e municípios são insaciáveis. Os parlamentares aproveitam qualquer brecha para posar de heróis e desviarem recursos federais para seus redutos eleitorais. A Constituição de 1988 e atos posteriores constituem fonte inesgotável dessas lições. Lula preferiu ignorá-las e agora paga pelo menos uma parte do preço político de suas ações equivocadas. Se aprovar a irresponsabilidade, pode deixar uma péssima herança para os seus sucessores e o país. Se vetar, compra uma briga com praticamente todos os Estados e municípios, cujos governadores e prefeitos já esfregam as mãos esperando o dinheiro chegar aos seus cofres. A ação de menor dano seria o veto.
Década perdida na Europa: semelhanças com a da América Latina
Corretamente, após a quebra do banco Lehman Brothers em setembro de 2008, os países desenvolvidos adotaram ações para evitar o colapso do seu sistema financeiro, que teria consequencias econômicas e sociais desastrosas para todo o mundo. Os bancos centrais baixaram os juros para as proximidades do zero e injetaram liquidez abundante nos mercados. Do lado fiscal, o dinheiro público foi usado para resgatar instituições financeiras da falência, ao mesmo tempo que apoiavam gastos públicos para contrabalançar a contração do consumo e do investimento privados. Evitou-se o pior, mas o legado foi um aumento expressivo do endividamento público, que passou de 100% do PIB em países da Europa e se aproximou dessa marca nos Estados Unidos. Nada parecido acontecera desde a Segunda Guerra.
A conta desse processo chegou. Grécia e Irlanda são apenas a face visível de um problema grave. Ambos estão quebrados. Precisam reduzir o endividamento a níveis saudáveis, o que exige cortar gastos, aumentar impostos ou uma combinação dos dois. Cedo ou tarde, situação semelhante emergirá em outros países da região. Os candidatos mais óbvios são Portugal, Espanha e Itália. Por mais que neguem, vão terminar recebendo o socorro financeiro dos europeus mais ricos e do FMI. O ajuste fiscal se impõe em todos. Reduções de verbas para certos programas já foram anunciadas em vários países. Cortes de gastos, incluindo redução de salários de servidores públicos e de aposentados, se tornam lugar comum. A reação da opinião pública e de segmentos mais organizados já está nas ruas. Passeatas, quebra-quebras, protestos de toda ordem.
Já vimos esse filme na América Latina, nos anos 1980. A origem é semelhante. Nos anos 1970, a quase totalidade dos países da região ignorou os efeitos das crises do petróleo e da elevação dos juros americanos. Com acesso a crédito internacional fácil e abundante – resultante da reciclagem dos petrodólares pelos bancos americanos, europeus e japoneses – o Brasil e seus vizinhos mantiveram níveis de consumo insustentáveis, geradores de endividamento interno e externo igualmente insustentáveis. Como sempre acontece nesses casos, geram-se desequilíbrios que desaguam em tragédia. A moratória do México de 1982 revelou o drama que se mantiveram oculto por anos a fio. O pânico tomou conta dos bancos, que interromperam o suprimento de crédito à região. O ajuste à nova situação, que demandou desvalorizações cambiais e ajustes fiscais, trouxe uma recessão profunda e longa. A região voltou a respirar somente no final da primeira metade dos anos 1990. Foi a chamada “década perdida”, caracterizada por longos anos de estagnação ou baixo crescimento.
A situação latino-americana poderia ter sido outra se os bancos credores tivessem concedido o perdão parcial das dívidas. A necessidade de ajuste teria sido menor. A recuperação chegaria mais cedo. Ocorre que isso era quase impossível. Não havia como coordenar ações nesse sentido, nem impor as perdas aos bancos. A via unilateral, como o Brasil aprendeu com a desastrosa moratória da dívida externa de 1987, não era a solução. O país perdia de vez o pouco acesso que ainda tinha aos mercados internacionais de crédito e de capitais e destruía sua credibilidade, o que afetava os negócios em geral e inibia o fluxo de investimento estrangeiro. E mesmo que os bancos fossem forçados a conceder o desconto, a maioria quebraria. O terremoto atingiria todos, inclusive os endividados países da América Latina. A saída da crise exigiu tempo, paciência e muitas negociações. Com o tempo, ajustes foram feitos (a elevados custos políticos e sociais) e os bancos se prepararam para perder parte de seu crédito, via constituição de provisões em seus balanços.
A Europa vive situação parecida. A saída para a Grécia e a Irlanda é os credores participarem do sacrifício para que esses países se livrem do excesso de endividamento. Não há, todavia, como fazer isso agora, pois não existem mecanismos de coordenação que levem o sistema financeiro a aceitar as perdas. Além do mais, os bancos europeus podem quebrar se tiverem que dar o desconto. A situação é percebida por todos e o financiamento da dívida desses países fica cada vez mais caro e escasso. Daí os progrmas bilionários de salvamento, que evitam o pior mas prolongam a agonia. A falta de solução para o problema joga os europeus no caminho da estagnação ou do baixo crescimento. Em algum momento no futuro, haverá uma renegociação para promover o desconto. Não se sabe quando isso acontecerá nem de quanto tempo os bancos precisam para se preparar. Enquanto isso, os pacotes de ajuda dos governos e do FMI vão se suceder. Exatamente como na América Latina dos anos 1980.
Claro, nem tudo ocorre como nos anos 1980. A Europa é democrática. A América Latina da época vivia o autoritarismo, ainda que em seus estertores. Os ajustes são mais difíceis em regimes políticos abertos. Por outro lado, a necessidade de evitar o colapso do euro gera incentivos para ações mais fortes dos europeus e a rápida montagem de robustos pacotes de salvamento. Na América Latina daquela época, o FMI era quase o único provedor de dinheiro novo, ao lado de tímidas contribuições dos bancos. Seja como for, o resultado tende a ser o mesmo: uma década perdida para boa parte dos países europeus. Como foi também o caso do Japão nos anos 1990. Infelizmente.
Por que Palocci será peça chave no governo Dilma
A escolha de Antonio Palocci para ministro-chefe da Casa Civil é uma boa notícia. Mesmo que se diga o contrário, ele será o mais poderoso ministro do governo Dilma. O poder de quem ocupa a posição deriva de duas circunstâncias. Primeira, passam pela Casa Civil todos os atos que requeiram a aprovação do presidente da República. Mesmo que um ministro obtenha a assinatura presidencial em ato de governo, seu encaminhamento ao Diário Oficla depende da Casa Civil. Assim, o titular da pasta é um filtro natural, que o guinda normalmente à condição de coordenador das ações institucionais mais importantes. Em segundo lugar, o chefe da Casa Civil estará a apenas um andar de distância da presidente. Terá mais de uma reunião diária com ela. A capacidade de influência, para o bem ou para o mal, é inequívoca. Dependerá apenas do ministro o grau de sua exposição à mídia. Mesmo que não o faça, será percebido como poderoso.
Palocci é um dos mais sensatos petistas e o que mais conhece economia. Poderá ter papel importante na neutralização das pressões que virão do Ministério da Fazenda contra a ação do Banco Central. Foi ele quem conseguiu, no inicio do primeiro mandato de Lula, submergir as críticas do diretório nacional do PT, sempre que este aprovava moções contra a política monetária. Poderá influenciar positivamente o governo na questão das reformas, particularmente das chamadas “reformas microeconômicas”.
Não acredite nessa história de “desidratar” a Casa Civil para diminuir seu status. O errado foi dar funções executivas à pasta, como a coordenação do PAC. A Casa Civil não tem estrutura para exercer funções executivas, nem jamais foi o seu papel. Isso aconteceu como parte da estratégia de Lula de dar visibilidade a Dilma. A eliminação dessas funções, se acontecer, liberará Palocci para atuar como deve, inclusive nas articulações intragoverno, com o Congresso e com o empresariado, no qual tem trânsito e credibilidade.
Lula e o caos aéreo: a inversão da lógica
Ninguém pode ter dúvida. O presidente Lula tem uma capacidade inacreditável de transformar o passado em fracasso e seu próprio fracasso em sucesso. Ao responder a uma pergunta sobre o mau funcionamento dos aeroportos, ele comemorou a confusão nos terminais em vez de desculpar-se ou prometer solução. Para ele, é melhor que os aeroportos estejam congestionados, sem atender bem os seus usuários do que quando estavam vazios e os aviões também partiam vazios. À parte o exagero, só faltou dizer que a culpa é dos governos anteriores, principalmente o de FHC.
Lula inverte a lógica para dar a entender que o caos deve ser festejado, pois decorreria do crescimento da economia, que ele produziu (o Brasil teria ficado parado desde Pedro Álvares Cabral!). Na verdade, a situação dos aeroportos seria outra caso nos seus oito anos de governo ele tivesse recorrido a ações ousadas. Sequer precisaria privatizar, como fazem com sucesso outros países, já que o PT abomina a palavra, mas tão-somente dotar a Infraero de dirigentes qualificados e gastar menos em despesas correntes (o que abriria espaço no Orçamento para novos investimentos, inclusive na infraestrutura aeroportuária).
A China tem crescido mais do que o Brasil. Nos anos Lula, o tráfico de passageiros cresceu a um ritmo muito superior ao do Brasil. E mesmo assim não se vê caos aéreo por lá. Quem visitou Beijing e Xangai, mesmo antes das Olimpíadas, encontrou amplos, bonitos e confortáveis aeroportos, com serviços impecáveis. Aeroportos congestinados não são para celebrar, mas para lamentar. A incompetência e o viés ideológico do governo é que explicam o problema. O crescimento deve ser comemorado, mas não servir de álibi para a inépcia. É por isso que o presidente da IATA, a Associação Internacional de Transporte Aéreo , Giovanni Bisignani, disse que “a infraestrutura de transporte aéreo (do Brasil) é um desastre de proporções crescentes”. E quando vier a Copa? E as Olimpíadas?
Política econômica: sobre o “cavalo de pau” de Dilma
Fontes ligadas à presidente eleita disseram que ela não dará um “cavalo de pau” na economia. A declaração veio a propósito de dúvidas que começam a surgir sobre a condução da política econômica, dadas a confirmação de Guido Mantega para a Fazenda (o responsável pela deterioração fiscal recente e por minar princípios sadios adotados nas finanças federais) e pela saída, a esta altura praticamente certa, de Meirelles da presidência do Banco Central. Para a fonte, o BC vai manter sua autonomia operacional, exatamente como no governo Lula.
A declaração é ótima, mas o problema não está nesse compromisso, que é óbvio quando se sabe que Dilma tem perfeita noção dos custos políticos da volta da inflação. A alta dos preços, percebida como permanente, destroi a popularidade do governo e do presidente. O problema é de outra ordem, qual seja a designação de alguém com visões de mundo distintas das de Meirelles, que é seguramente o integrante mais bem sucedido da administração de Lula, se julgado pelos resultados da política monetária. Se a nova diretoria do BC for liderada por um “desenvolvimentista” que desacredita do mercado, adora a intervenção estatal na economia e crê que os juros estão altos para agradar banqueiros, o risco é o do experimentalismo. Não será uma guinada, mas uma ação sistemática rumo ao desastre, com as melhores intenções.
Na verdade, estaria na hora de aumentar a Selic. Os dados da inflação corrente desmentem cada vez mais a tese do Copom, de que a taxa de juros neutra (real) já teria chegado aos 5%. Este ano, a inflação está caminhando para ficar longe da meta de 4,5% (talvez mais próxima de 5,5%). A deterioração das expectativas inflacionárias é crescente e inequívoca. A nova diretoria do BC aumentaria a Selic na partida? Ou vai manter a Selic? Vai reduzi-la, contra todas as indicações em contrário? Pode estar aí o grande teste. Não seria a derrogação da autonomia do BC, mas uma ação voluntarista e grave dos novos dirigentes do BC.
Esperemos que o bom senso prevaleça. Para valer, o Copom deveria aumentar a Selic em sua última reunião sob o comando de Meirelles. Seria a prova de que a responsabilidade monetária vai continuar.