Archive for abril, 2011

BC continua assumindo riscos excessivos (ao contrário do que pensei)

Como muitos, impressionei-me com o discurso feito em Washington pelo presidente do BC, no último dia 15. Ele reiterou o compromisso com a estabilidade monetária e disse que ainda estávamos no meio do ciclo de política monetária. O discurso foi capa de todos os grandes jornais no dia seguiinte. Eu embarquei na onda e incluí um novo comentário neste blog, assinalando que havia uma reserva de racionalidade no BC. Puro engano. Já na segunda-feira, uma “fonte” do governo na mesma cidade americana informava que todos tinham feito uma leitura errada do discurso de Alexandre Tombini. Mandou que se lesse novamente o Relatório de Inflação, no qual as autoridades monetárias se mostravam pouco preocupadas com o ritmo da inflação e se diziam convencidas de já terem adotado as medidas necessárias (afirmação da qual discorda a maioria dos analistas, inclusive este escriba)

A decisão do Comitê de Política Monetária da última quarta-feira veio mostrar que a “fonte” estava correta. O BC continua firme nas suas crenças. Ao contrário do que esperavam todas as consultorias e muitos bancos – uma elevação de 50 pontos na taxa Selic – o Copom subiu apenas 25 pontos. Em vez de reagir com rigor à evidente aceleração da inflação, reduziu o ritmo de ajuste da Selic. Alegou incertezas do cenário internacional e sobre o ritmo da atividade econômica doméstica. Nem ligou para a inequívoca deterioração das expectativas. Parece dar razão a analistas e gente do governo, para os quais essa deterioração esconderia um estratagema do mercado financeiro para forçar a subida dos juros. Isso é pura bobagem, como assinalou Affonso Pastore no seu excelente artigo de hoje no Estadão, mas é aceita por muitos, inclusive alguns acadêmicos, como se existisse um ser celeste que coordenasse as ações desse suposto cartel.

Seja como for, é surpreendente a ação do BC. Dá a impressão de que perdeu a autonomia construída a duras penas nos últimos 20 anos e se atrelou às visões “desenvolvimentistas” da Fazenda. Sinaliza que prefere mirar uma taxa mínima de crescimento do PIB, mesmo sob o risco de não cumprir a meta para a inflação deste ano, de 4.5%. A propósito, se confirmada a projeção da Tendências para o IPCA em 2001, a meta foi para o brejo. A estimativa foi revista recentemente para 6,6% (o limite superior da meta é 6,5%). O risco é o de ampliação do grau de indexação, tornando a inflação rígida para baixo. O próprio governo contribui para isso, pois já fixou o nível de reajuste do salário mínimo do próximo ano, que deverá ficar em 14%. O custo de recuperar a credibilidade do BC e fazer a inflação convergir de novo para a meta seria enorme. Pode resultar em baixo crescimento em 2011 e 2012. E se o governo, particularmente o Ministério da Fazenda, reagir mal a essa realidade, como tem feito ultimamente, um novo risco pode surgir, agora para o governo: o de perda das eleições presidenciais de 2014, que para Lula não existe. Segundo ele, Dilma vai ser reeleita e o PT ficará pelo menos 20 anos no poder.

Na ata da reunião do Copom, a ser divulgada na próxima quinta-feira, o BC deve dizer por que age assim. Pode confirmar a percepção de que trilha um caminho temerário. Ou convencer a maioria dos analistas de que o erro é deles. Torçamos para que o BC esteja correto.

Tombini mostra que a racionalidade ainda habita o Banco Central

No seu discurso de ontem em Washington, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, disse que o ciclo de política monetária está no meio, reafirmando o compromisso de fazer a inflação convergir para a meta de 4,5% em 2012. A declaração vai reverter o sentimento de que o BC estaria assumindo, perigosamente, riscos inflacionários, o que começava a afetar sua credibilidade. Imaginava-se que Tombini estaria alinhado (ou até submetido) às visões “desenvolvimentistas” da Fazenda. A “nova política monetária” era festejada por economistas de esquerda. A ênfase, aparentemente excessiva, nas chamadas “medidas macroprudenciais” mereceu as boas vindas de respeitados analistas. Conhecidos economistas do mercado financeiro apoiavam a “nova postura” do BC. A maioria estava, todavia, do outro lado, temendo a destruição das conquistas institucionais dos últimos vinte anos, incluindo um sério abalo na imagem de responsabilidade e competência angariada pelo BC.

O sentimento negativo por parte dessa maioria se acentuou após a divulgação do último Relatório de Inflação, no qual o BC parecia adotar premissas polêmicas. Dizia que o choque de commodities seria passageiro, que a atividade econômica dava sinais de arrefecimento e que já havia adotado as medidas necessárias. Seria apenas uma questão de tempo e paciência. Este escriba e a maior parte dos analistas tinham visões opostas. O choque de commodities tende a durar, movido pela demanda da China; ainda não há sinais claros de desaceleração da atividade econômica; e seria preciso prosseguir o ciclo de política monetária.

O BC começou a perder a batalha das expectativas, fruto da dificuldade de leitura de seus sinais por muitos analistas. A impressão era a de que o comando das ações havia passado para a Fazenda. As confusas e diárias entrevistas do ministro Guido Mantega contribuíam para agravar a sensação de que a situação poderia desandar. A meta de inflação poderia ser perdida em 2011. Nesse ambiente, as projeções dos principais indicadores macroeconômicos, particularmente inflação e juros, começaram a exibir grande dispersão. A interpretação era a de que o BC interromperia prematuramente o ciclo de política monetária. Poderia no máximo aumentar a taxa de juros (Selic) mais uma vez, em 50 pontos base, na reunião do Comitê de Política Monetária da próxima semana.

Não precisava ser economista para constatar que a inflação se tornava uma ameaça. O assunto havia saído dos recintos especializados para a boca do povo. Óbvio, se o pior acontecesse, haveria uma reserva de racionalidade no BC e no governo, que os obrigaria a reagir, mas a um custo alto. A taxa de juros teria que subir muito. O governo Dilma poderia ter jogado fora seu capital inicial de credibilidade e terminar seu período enfrentando queda de popularidade e dificuldades políticas. Aumentariam as chances de a oposição se refazer de seu marasmo e buscar vencer as eleições de 2014.

As declarações de Tombini vão na direção contrária ao sentimento que se espalhava. Nesta segunda-feira, os mercados futuros devem sinalizar juros mais altos, enquanto os analistas tenderão a rever suas projeções de elevação da Selic. A meu ver, passarão a dizer é que a Selic vai aumentar 50 pontos na próxima semana e pelo menos mais 50 pontos na reunião seguinte. Tombini trouxe um alívio e pode começar a desfazer as impressões que já circulavam, de que não teria liderança para se contrapor às visões da Fazenda, como fizera Meirelles com o apoio de Lula. Melhor assim.

A estúpida ideia de tributar as exportações da Vale

A proposta de tributação das exportações de minério da Vale foi negada pelo ministro da Fazenda, mas, como lembrou Celso Ming, do Estadão, a notícia não foi inventada por jornalistas. A ideia nasceu dentro do governo, não importa o escalão. Ela é estúpida, independentemente de quem a tenha gerado. Seu pressuposto é inacreditável, qual seja o de que forçaria a Vale a investir na produção doméstica de aço, em um país que tem capacidade ociosa no produto.

Por trás da proposta tresloucada estão duas ideias que fizeram sentido em outra época do Brasil, ainda que discutíveis. A primeira é a que atribui a burocratas iluminados a capacidade de escolher o que é melhor para o desenvolvimento do país. Foi nos tempos do modelo de substituição de importações, que contribuiu para a industrialização à custa de muita ineficiência e concentração de renda. A isso se acrescenta uma obsessão de certos “desenvolvimentistas”, de que devemos privilegiar a exportação de produtos de “elevado valor agregado”. Embora desejável, esse objetivo não pode ser alcançado à custa de novas distorções. E se ignora que as commodities brasileiras – minério de ferro e produtos do agronegócio – agregam altos níveis de tecnologia e, portanto, de valor. Como disse o Estadão em editorial de hoje, se forçar a Vale a produzir aço fosse uma ideia válida, seria o caso de tributar as exportações de aço para levar as empresas a produzir automóveis.

A segunda ideia do além é tributar exportações com objetivos de comércio exterior. Foi assim nos tempos do “confisco” do café, numa época em que a escassez aguda de divisas e o monopólio das operações de câmbio, no Banco do Brasil e depois no Banco Central, levavam o governo a tentar evitar que a alta competitividade da lavoura cafeeira resultasse em subfaturamento das exportações, transferindo divisas para contas ilegais no exterior. Foi assim também nos tempos de controle de preços, quando o governo tributava as exportações de produtos agrícolas ou limitava suas vendas externas para forçar os produtores a desviar os produtos para o consumo doméstico, provocando baixas de preços. Os produtores perdiam dos dois lados, nas exportações e nas vendas internas. Foi assim nos momentos de maxidesvalorizações, quando se criava uma situação de competitividade de produtos agrícolas semelhante à do café. Nada disso se justifica hoje, a não ser em mentes que não aprenderam a nova realidade brasileira e mundial.

Haveria uma terceira razão, a de tributar as exportações de minério para arrecadar mais. Aí seria uma proposta ainda mais estúpida.