Archive for dezembro, 2011
Dilma e Mantega dão o tom: meta de crescimento e comando do BC
Duas declarações de hoje mostram a estratégia do governo, que põe em risco o regime de metas para a inflação adotado, com sucesso, desde 1999 e mantido nos oito anos do período Lula. Agora, a meta é de crescimento e não de inflação. A presidente anunciou a meta para 2012: 5% do PIB, em encontro com jornalistas em Brasília. Claro, Dilma não enxergou risco de descontrole inflacionário, mas dificilmente o país crescerá tanto quanto ela quer, a não ser que adote medidas de expansão da demanda incompatíveis com o cumprimento da meta de inflação, que é de 4,5%, podendo elevar-se até 6,5%.
Enquanto isso, em São Paulo, o ministro Guido Mantega disse que o “governo” vai perseguir uma redução da taxa de juros real em 2012. Para o ministro, portanto, o Banco Central deixou de ser um órgão de Estado e passou a funcionar segundo os designios do governo. Pode não ser assim. Pode ser que Mantega, em ato falho, tenha revelado mais seus desejos do que os compromissos do governo em preservar a autonomia operacional do BC, que foram assegurados pelo seu presidente, Alexandre Tombini, em entrevista recente à revista Veja.
Em países estáveis, que dispõem de instituições sólidas, o Banco Central é um órgão do Estado, isto é, não está subordinado aos interesses políticos do governo de turno. Sua missão fundamental é assegurar a estabilidade da moeda e do sistema financeiro. Para tanto, deve ter a capacidade de tomar decisões para cumprir sua missão, independentemente de pressões políticas e de interesses eleitorais. Se o BC não tem autonomia, pode receber ordens do governo para conduzir uma política monetária que atenda objetivos de curto prazo. A experiência mostra, todavia, que isso gera crescimento insustentável, que desagua em alta inflação.
Felizmente, mesmo que Dilma e Mantega se mantenham firmes em seus propósitos, o BC tenderá a reagir se a inflação começar a fugir do controle. Estará em jogo a reputação do BC e de seus diretores. Se por acaso o BC for impedido de agir, com substituição de seus diretores por outros submissos aos objetivos do governo, a inflação – que se tornou muito impopular no Brasil – minará a popularidade da presidente e de seu governo. Neste caso, a presdiente e o ministro seriam obrigados a apoiar ações para por a estabilidade nos trilhos, ainda que a muito custo para a sociedade. Rezemos para que nunhum nem outro estejam falando a sério.
Dilma subverte a hierarquia
A presidente Dilma criou fama de “gerentona”, isto é, de executiva que distribui tarefas, cobra responsabilidades e não tolera a ineficiência. O jornal “O Globo” de hoje traz uma matéria que realça esse comportamento. Segundo a reportagem, Dilma despacha diretamente com subordinados de ministros. Seria uma forma de contornar o inconveniente de não ter podido escolher o ministério dos seus sonhos, “por pressões dos partidos aliados e do ex-presidente Lula”. O jornal informa que Dilma teria criado uma “República dos vice-ministros”. Assim, “com perfil técnico e estilo centralizador, Dilma despacha diretamente com secretários-executivos de várias pastas, tomando decisões à revelia dos ministros. Em pelo menos meia dúzia de ministérios, a relação mais constante da presidente é com os subs”. O secretário-executivo mais requisitado seria o da Fazenda, Nelson Barbosa, que segundo O Globo era o preferido dela para assumir a pasta, não fosse a pressão de Lula para manter o ministro Mantega.
Muitos valorizam esse estilo de Dilma, que a diferenciaria do antecessor e lhe daria melhores condições de administrar o país. Não penso assim. Suas qualidades são elogiáveis, mas são outros os requisitos para bem exercer a chefia do governo. Para enfrentar os enormes desafios do cargo, o fundamental é a liderança e não o pendor para cuidar de detalhes, assenhorar-se do andamento de projetos ou controlar pessoalmente a execução de encargos. Dilma precisa ser a regente de uma orquestra e não a afinadora dos instrumentos. Precisa fazer-se respeitar por sua capacidade de estabelecer estratégias e liderar a adoção de medidas de grande envergadura. Ela se impõe aos subordinados ao administrar o dia a dia e ser implacável nas cobranças. Acontece que ao se envolver com controles e o acompanhamento de tudo Dilma desperdiça tempo que deveria se melhor utilizado na articulação política e na interlocução com líderes do Congresso e da sociedade.
Administrar mediante o relacionamento direto com subordinados de ministros é subverter a hierarquia, que é essencial para o bom funcionamento de qualquer organização. Observar a hierarquia é mais importante no governo do que nas organização privadas, pois no setor público é maior o potencial de conflitos, decorrente das disputas por posições e poder. No Brasil, esse aspecto adquire maior relevância, haja vista que a formação do governo costuma exigir coalizões amplas, não raramente constituídas de partidos antagônicos.
A subversão da hierarquia contribui para criar insatisfações, gerar desencontros de orientação e despertar ciúmes, que são prejudiciais ao bom andamento dos serviços e ao cumprimento de deveres e responsabilidades do cargo de presidente da República. A subversão da hierarquia distorce lealdades e constitui mau exemplo para toda a cadeia de comando dos ministérios e demais órgãos e entidades da administração pública. Os “eleitos” podem sentir-se seguros para tomar iniciativas que não lhes são próprias, emitir ordens sem deter a correspondente autoridade e até mesmo usar esse “status” para invadir a competência de outras áreas do governo. O resultado é a ampliação dos conflitos e a redução da efidiência que se espera da administração.
Em resumo, ao administrar o governo por canais informais, a presidente Dilma pode criar desconfianças, promover atritos e gerar desperdícios que podem prejudicar sua ação como chefe do governo.