Archive for março, 2011
É bom ou ruim uma diretoria puro sangue no Banco Central?
Entre as visões que comemoram um suposto alinhamento do Banco Central com as teses “desenvolvimentistas” da Fazenda, surgiu uma novidade. Conhecido comentarista escreveu artigo em que enxergou uma mudança positiva no BC, qual seja a ausência de pessoas oriundas do mercado financeiro em sua diretoria. O comentarista celebrou o novo BC. Será?
Há de fato sinais de que temos um novo BC, mais preocupado em preservar um nível mínimo de crescimento e da taxa de câmbio do que em enfrentar o ritmo da inflação. Muitos analistas, inclusive este escriba, temem que o BC esteja assumindo riscos excessivos. Reduziu a consideração do papel das expectativas para formar juízo sobre a ação da política monetária. Deu a entender que vai usar mais as chamadas “medidas macroprudenciais” em lugar de lançar mão da arma mais eficaz à sua disposição, isto é, a taxa de juros. Restrições macroprudenciais ao crédito têm pouca ou nenhuma influência na inflação de serviços, que está rodando a 8,5%. Seja como for, o BC tem o direito legítimo de tentar caminhos diferentes para cumprir a meta para a inflação. O futuro dirá se está certo. Ou então ele emite novos sinais que desmentem temores.
Independentemente do que vier a acontecer, soa ridícula a tese de que é melhor um BC “puro-sangue”, isto é, com uma diretoria composta exclusivamente por funcionários. Em primeiro lugar, lança uma desconfiança grave sobre as pessoas que saem do mercado financeiro para servir como diretores do BC. É como se fossem lá para defender interesses dos bancos para os quais trabalhavam ou voltarão a trabalhar. A rigor, a estúpida tese merecia ser levada à barra dos tribunais, pelas suspeitas levianas que levanta. É comum, nos países desenvolvidos, a participação desses especialistas na diretoria dos bancos centrais. Eles levam visões distintas da realidade e assim contribuem para o debate. A divergência não é um mal. Ao contrário. O Banco da Inglaterra tem um programa pelo qual seus funcionários estagiam em bancos, os quais mandam seus funcionários para ficar um período no banco central. Tudo transparente, sem suspeitas maliciosas. Todos ganham.
Ao contrário da visão do comentarista, não é bom para o BC que sua diretoria seja composta exclusivamente de funcionários. Quem conhece os membros da atual diretoria do BC sabe que se trata de pessoal altamente qualificado, experiente, grande parte com pós-graduação no exterior, inclusive a nível de Phd. Isso não se discute. A questão é outra. O BC tem uma cultura, em parte herdada do Banco do Brasil, de reverenciamento dos superiores. O sentimento de hierarquia é acentuado pela característica hiperpresidencialista da organização. Em nome da carreira e da lealdade à instituição, dificilmente se discorda frontalmente dos chefes. Não chega a ser subserviência, mas está longe de dar lugar a divergências, que são mais comuns quando pessoas fora da hierarquia do BC integram sua diretoria. Não por acaso, desde que restou apenas Henrique Meirelles como forasteiro na diretoria (e ele era o presidente, como se sabe), as decisões do Copom passaram a ser tomadas sistematicamente por unanimidade. A unanimidade continua com substituição por um funcionário, Alexandre Tombini. A unanimidade de votos nas decisões de política monetária não é uma situação comum em bancos centrais e provavelmente se explica por aqui por conta dessa cultura.
Há um mistério no ar. A imprensa noticiou que pessoas do mercado financeiro haviam sido convidadas para a diretoria do BC. A presidente Dilma Rousseff, em sua entrevista ao jornal Valor, disse que não haveria problema em ter pessoas do mercado financeiro na diretoria do BC. Mesmo assim, só se encaminha para o Senado nomes de funcionários do BC. As teorias conspiratórias começam a circular, incluindo a de que estaria havendo resistências à nomeação dessas pessoas, baseadas exclusivamente em sua origem, isto é, o mercado financeiro. Mais uma preocupação, que espero possa ser em breve desmentida por fatos.
Dilma promete piorar o Imposto de Renda
Em reunião com sindicalistas na última sexta-feira, a presidente Dilma Rousseff prometeu adicionar três faixas na tabela do Imposto de Renda da pessoa física, o que ampliaria seu número de 5 para 8. No governo Lula, ao que que tudo indica por proposta do ministro Guida Mantega, elas aumentaram de 2 para 5. A presidente parece estar convencida, talvez pelo mesmo ministro, de que a medida beneficia os trabalhadores. O mais provável é que haja apenas aumento da burocracia e fiquem mais complicados as normas e o trabalho dos contribuintes.
Até 1988, o Brasil tinha onze faixas do Imposto de Renda da pessoa física. A alíquota máxima era de 45%. Inspirado em experiências bem sucedidas de reestruturação do tributo em países desenvolvidos, particularmente nos Estados Unidos, o governo Sarney reduziu o número de faixas a duas, de 10% e 25%. A expectativa era que a simplificação e a redução das alíquotas máximas contribuiriam para desestimular a sonegação, particularmente por parte dos profissionais liberais. Isso foi confirmado plenamente, pois a arrecadação do tributo aumentou mais de 20% acima da inflação em 1989, primeiro ano de aplicação das novas regras.
No governo Collor, a alíquota de 10% foi aumentada para 15%. Tentou-se criar a alíquota de 35%, mas houve um recuo por conta da percepção de que contribuíria para estimular a sonegação. No governo FHC, diante da crise de 1998 (efeitos da crise Russa entre nós) e da necessidade de reforçar o ajuste fiscal pelo lado da receita, as alíquotas foram ampliadas em 10% de seu valor, para 16,5% e 27,5%.
Será uma pena se a presidente der mais um passo para piorar as regras do Imposto de Renda, na linha do que já fizera sem antecessor. Nessa pisada, em breve voltaremos À selva pré 1988.
O PIB de Lula e a tola comparação com o de FHC
A divulgação do crescimento do PIB de 2010, de 7,5%, foi comemorada por membros do governo, caso do ministro da Fazenda, como uma realização sem par. De fato, é a maior taxa de expansão da economia desde 1986. Trata-se de um excelente resultado. Acontece que as comemorações desconsideram duas circunstâncias que podem deslustrar um pouco tal desempenho. Primeiro, a comparação é feita com uma base deprimida. Em 2009, o PIB caiu 0,6%. Uma parte do crescimento representa, pois, mera recuperação. Não seria incorreto atribuir pelo menos metade do crescimento do PIB ao ano de 2009.
Em segundo lugar, grande parte da expansão reflete a política fiscal imoderada dos dois anos do governo Lula, particularmente no ano de 2009. Os efeitos da crise financeira de 2008 já haviam desaparecido no Brasil, mas o Ministério da Fazenda continuou pisando no acelerador dos gastos e na concessão de vultosos recursos do Tesouro para o BNDES aplicar em crédito subsidiado. Maiores gastos e mais crédito do BNDES impulsionaram a atividade econômica, resultando em um crescimento do PIB acima do seu potencial, que anda em torno de 4,5% a 5% ao ano. Daí os graves desequilíbrios que Dilma Rousseff herdou de seu antecessor: deterioração fiscal, aceleração excessiva das importações e, pior, inflação. A conta chegou e agora é preciso cortar gastos e aumentar juros para evitar que a inflação fuja do controle. Resultado, uma forte desaceleração da economia, que este ano deve crescer, segundo estimativas da Tendências Consultoria, apenas 3,9%.
É compreensível que políticos aliados e membros do governo tenham feito loas ao crescimento do PIB, incluindo ufanistas projeções de ganhos de posição do Brasil na comparação com outros países. O que não faz o menor sentido é comparar o PIB da era Lula com a do PIB dos tempos de FHC, como fez uma consultoria de São Paulo, que se sabe integrada por economistas com capacidade de fazer analises sóbrias e bem fundamentadas. Pelos cálculos da consultoria, a média de crescimento anual do PIB de Lula foi de 4% enquanto a do PIB de FHC ficou em somente 2,3%. Ocorre que se comparou laranja com banana. São duas situações distintas, que ocorreram sob ambientes internacionais radicalmente diferentes. A era FHC foi a de plantio. A de Lula, a de colheita. Sob Lula, amadureceram os efeitos das reformas do período FHC, caracterizado por muitas crises, a maioria oriunda do exterior. No governo Lula, viveu-se a “great moderation”, como se classifica um dos períodos de maior crescimento da economia mundial. A comparação não passa, pois, de uma tolice.
Mudou a política econômica?
No anúncio dos corte de despesas de R$ 50 bilhões nesta segunda-feira, o ministro da Fazenda repetiu mais de uma vez que a política econômica não havia mudado. No dia anterior, em entrevista à Folha de S. Paulo, S.Exa. enfatizou a continuidade que a seu ver caracterizava o atual governo, que denominou incompreensivelmente de “Lula3”, seja lá o que isso signifique. Qual seria o sentido da ênfase à permanência da política econômica?
Não há como discordar do ministro. A política econômica tem sido a mesma desde 1999, quando se introduziu os regimes de câmbio flutuante e de metas para a inflação. A partir de então, firmou-se o chamado tripé da política econômica, caracterizado por câmbio flutuante, política fiscal centrada na geração de superávits primários e metas de inflação fixadas pelo governo e perseguidas de forma autônoma pelo Banco Central. Nesses doze anos, o êxito dessa combinação de políticas públicas é inquestionável. A estabilidade macroeconômica assegurada pelo tripé constituiu o principal fator explicativo da resistência do país aos efeitos da severa crise financeira mundial de 2008.
Quando Guido Mantega foi confirmado no cargo pela presidente Dilma, surgiram especulações de que ele teria condicionado a aceitação do convite à determinação para que o Banco Central se alinhasse às teses da Fazenda e às suas críticas, veladas ou explícitas, à política monetária. Por isso, ele teria exigido a substituição de Henrique Meirelles na presidência do BC. Verdadeiras ou não tais especulações (há quem afirme ter ouvido Mantega confirmando a versão), é certo que segmentos da imprensa compraram a tese. Muitas reportagens passaram a tratar do suposto “alinhamento” do BC à Fazenda.
Analistas críticos da atuação do Banco Central festejaram a “mudança”. Um deles publicou mais de um artigo em cujos títulos incorporava a ideia de que estaria em curso uma nova política econômica, agora na linha da Fazenda. Houve quem, sem razão, enxergasse nas medidas macroprudenciais adotadas no final de 2010, isto é, o aumento dos depósitos compulsórios dos bancos no BC e de mais capital para certas operações de crédito ao consumidor, como uma prova da “mudança”. Em vez de juros, restrições ao crédito. A tese foi desmentida com o início de um novo ciclo de alevação dos juros a partir de janeiro deste ano, mas seus adeptos continuaram a divulgá-la.
Na verdade, a prática veio mostrar que foi a Fazenda que se alinhou e não o contrário. O BC conseguiu, via documentos que publica periodicamente ou por interlucução no governo, mostrar a necessidade do corte de despesas. Antes, a Fazenda justificava a excessiva expansão dos gastos, menosprezava os críticos e sustentava que o forte aumento das despesas não era causa de inflação. Mesmo que se duvide do cumprimento da meta de corte (que muito dependerá da execução orçamentária e da firmeza das autoridades da Fazenda), é fato que o anúncio do programa pelos ministros da Fazenda e do Planejamento representa uma inflexão nos rumos da política fiscal praticada em 2009 e 2010.
Embora a política econômica não tenha mudado desde 1999, sua qualidade piorou muito nos dois últimos anos. Isso incluiu grave perda da credibilidade da política fiscal, por conta do uso de subterfúgios e de contabilidade criativa para esconder o descumprimenmto da meta de superávit primário.
Repetindo, o ministro da Fazenda tem razão quando diz que a política econômica não mudou, mas ao curvar-se à necessidade dos cortes (e promovê-los efetivamente) S.Exa. pode estar contribuindo para restaurar a credibilidade da política fiscal e para melhorar a qualidade da política econômica.