Política econômica: a dualidade do governo Lula tende a continuar

A dualidade na área econômica foi a característica do governo Lula após a saída de Antonio Palocci e sua substituição por Guido Mantega. De um lado, o Banco Central conduzia uma política monetária responsável, que garantia a estabilidade da moeda e granjeava credibilidade aqui e lá fora. Do outro, um Ministério da Fazenda “desenvolvimentista”, que executava uma política fiscal expansiva, piorada nos dois últimos anos com a aceleração dos gastos correntes e a adoção de mágicas orçamentárias e contabilidade criativa para esconder a incapacidade de cumprir metas de superávit primário. A Fazenda se tornou um centro de vazamento de críticas à política monetária. Essa situação esquizofrênica não redundou em desastre pela capacidade de articulação política de Henrique Meirelles, presidente do BC, e pelo apoio que sempre teve de Lula. A percepção de que a volta da inflação seria mortal para sua popularidade estimulou o presidente a preservar a autonomia operacional do BC. Os mercados perceberam a dualidade, mas se convenceram de que o BC estaria blindado contra as investidas da Fazenda. Os vazamentos e as declarações explícitas do ministro e de auxiliares nunca foram levadas a sério.

No governo Dilma, a manutenção de Mantega indica que é alta a cchnace de preservação da dualidade. É verdade que ele tem dito que agora vai ser diferente, que haverá ajuste nas despesas correntes, que as metas de superávit primário vão ser cumpridas sem artifícios. Mesmo que se dê o benefício da dúvida e se acredite que a nova presidente vai fazer valer seus compromissos com o tripé da política econômica e a autonomia do BC, fatos recentes permitem supor que o ambiente hostil ao BC tende a continuar. Na última sexta-feira, a Agência Estado noticiou, com base em informações da Fazenda, que a elevação dos compulsórios dos bancos e outras exigências tinham sido determinadas por Dilma. Ela não concordaria com aumentos de juros, preferindo outras ações para lidar com ameaças inflacionárias. É pouco provável que tenha sido assim, mas as “fontes” da Fazenda certamente são as mesmas que plantaram informações desfavoráveis à política monetária durante o governo Lula. E tendem a fazer o mesmo no próximo governo.

Hoje, o diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea se saiu com uma novidade. Os juros são altos no Brasil e provocam a valorização cambial porque existe um problema cultural, tanto no BC quanto nos tomadores de crédito, estes porque não fazem conta dos juros. Além de ser uma afirmação grave, que se correta deveria justificar a substituição da diretoria do BC por pessoas de outra “cultura”, o homem do Ipea parece ignorar que não fazer conta de juros nada tem de cultural. O comportamento é melhor explicado pelas deficiências de educação, que fabricam uma maioria de analfabetos financeiros. Ao mesmo tempo, o senador Aluísio Mercadante, tido como futuro ministro da Ciência e Tecnologia, declarou que o problema das exportações é o câmbio. Embora não tenha enveredado pelos delírios do diretor do Ipea, Mercadante não deixou de dar a entender que é preciso fazer alguma coisa no câmbio.

Não precisaria muito mais para perceber que o ambiente hostil ao BC vai continuar e pode desaguar em coisa mais séria, a menos que Tombini construa com Dilma o prestígio que Meirelles obteve de Lula e Dilma se invista do pragmatismo do seu antecessor. Tombini faria bem se começasse a pensar em montar seus canais de comunicação interna para resistir aos muito prováveis ataques da Fazenda e de segmentos do governo que pensam do mesmo modo. A sala de Palocci na Casa Civil pode ser a melhor fonte de proteção.

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