Archive for abril, 2012
Dilma fala de novo de juros. E politiza o tema
A presidente não pára de falar no tema dos juros. Por onde ela vai, os jornalistas a enchem de perguntas. É a pauta mais quente destes dias. A rigor, esse não é assunto para o chefe do governo, mas Dilma sabe que a opinião pública adora que falem mal dos bancos. E vem sendo recompensada, pois seus ganhos recentes de popularidade têm a ver com sua cruzada pela queda do spread bancário.
Ontem, ela disse não haver justificativa técnica para a nível da taxa de juros no Brasil, dada a sua situação macroeconômica. Acontece que a gestão macroeconômica responsável pode contribuir para melhorar a confiança, mas no caso brasileiro pouco pode fazer para trazer os juros para níveis internacionais, como querem a presidente, empresários e alguns formadores de opinião.
Há razões técnica de sobra para que os juros brasileiros sejam o que são. Quem tiver estudado o mínimo do assunto sabe disso. Os melhores estudos são do próprio governo. Basta ir ao site do Banco Central e procurar pelos estudos sobre spread bancário. Os juros são altos por causa da baixa taxa de poupança e porque um terço da oferta de crédito está imune aos movimentos da taxa Selic (particularmente os empréstimos do BNDES). Como a taxa afeta apenas dois terços, ela precisa ser mais alta do que seria necessário se influenciasse o todo. Há outras razões, mas essas são as principais.
Ao dizer que não há justificativa técnica para o nível da taxa de juros, Dilma sugere que seus antecessores, inclusive Lula, estavam errados. Os juros são muitos elevados há muitos anos. Em segundo lugar, sinaliza estar disposta a uma ação política para fazer baixar os juros na marra. Até pode fazer isso dando ordens ao Banco Central para continuar baixando os juros (tornando claro o que já se suspeita), reforçando o comando para o Banco do Brasil e a Caixa Econômica continuarem a baixar seus juros. E dar mais dinheiro do Tesouro para o BNDES ampliar os subsídios creditícios.
Já se viu esse filme em outras ocasiões, aqui e em outras experiências populistas da América Latina. No final, o resultado será uma expansão irresponsável do crédito, a ampliação insustentável da demanda, a inflação e enormes prejuízos para os bancos estatais. A conta será paga pelos consumidores e pelos contribuintes, que na verdade são as mesmas pessoas. Adicionalmente, o potencial de crescimento diminuirá.
Por que a taxa de juros não converge para níveis internacionais
Semana passada, a presidente Dilma disse não haver razão técnica para o tamanho do spread bancário no Brasil. E foi mais longe. Sob aplausos, declarou em evento na Confederação Nacional da Indústria que a taxa de juros deveria convergir para níveis internacionais. Fala-se que isso seria o “Plano Real” de Dilma. A visão da presidente é apoiada por empresários e por conhecidos economistas brasileiros.
A declaração da presidente é parte da ofensiva dela e de seu ministro da Fazenda para reduzir o spread. Começou com a recomendação aos bancos públicos para baixar as taxas de juros, os quais, à falta de maior lógica, disseram que o movimento tem bases técnicas e objetiva ganhar mercado. Se for para valer e der certo, será a glória para o governo. Se der errado, como parece, o custo cairá sobre os contribuintes e sobre a imagem dessas instituições, particularmente a do Banco do Brasil, que vinha construindo uma reputação de gestão profissional, infensa a pressões políticas.
Os juros do Brasil não podem cair na marra, como quer o governo, nem atingir padrões internacionais no curto e médio prazos. Para igualar-se aos países que praticam taxas de juros muito menores, em especial as nações ricas, seria preciso também gerar iguais condições ambientais. Infelizmente, não é a realidade. O Brasil é o único país que tributa pesadamente as transações financeiras e os empréstimos. A tributação representa mais de 20% do spread. Aplicamos o maior nível de recolhimentos compulsórios dos bancos, cujo custo responde por 5% do spread. A baixa qualidade das garantias, as visões anticredor de juízes e a lentidão do processo judiciário acarretam inadimplência que gera um terço do spread. O custo administrativo representa 12% e a margem de lucro dos bancos pouco mais de 30%.
Se os bancos decidissem transferir aos clientes todos os seus lucros, mesmo assim o Brasil continuaria campeão do spread, caso suas causas estruturais permanecessem (o que é muito provável). Sempre se pode atacar essas causas, mas para isso se exige tempo e complexas ações. Não é possível, pois, resolver o problema no grito.
Além disso, neste momento a taxa de juros nos países ricos atingiu níveis baixos inéditos, próximos de zero. Isso decorre de medidas para evitar uma depressão econômica, preservar o sistema financeiro de uma nova e grave crise, e evitar o colapso do euro. Não há como reproduzir essas condições por aqui.
Em resumo, baixar o spread é desejável, mas fazê-lo com medidas de cunho voluntarista, sem a consideração adequada dos fatores que explicam a elevada taxa de juros no Brasil, pode dar errado. E custar muito ao país.
Dilma vai aos Estados Unidos. E erra
Dois equívocos foram cometidos pela presidente Dilma em sua recente viagem oficial aos Estados Unidos. O primeiro foi repetir o que ela já vinha dizendo no Brasil, isto é, que a expansão de liquidez (que ela chama de “tsunami monetário”) tem o objetivo de desvalorizar moedas dos países desenvolvidos e assim prejudicar a economia dos países emergentes, reduzindo sua competitividade. O segundo foi levar sua queixa ao presidente Obama.
A expansão de liquidez, adotada pelos bancos centrais dos EUA, do Reino Unido, da Zona do Euro e do Japão visou a evitar duas catástrofes. No caso particularmente dos Estados Unidos, o objetivo foi prevenir a repetição da Grande Depressão. O presidente do Fed, Ben Bernanke, um dos grandes estudiosos do fenômeno, sabe que uma de suas causas foi a contração de liquidez promovida pelo banco central americano. Sua ação nos últimos meses, denominada “quantitative easing”, foi a forma de evitar a “armadilha da liquidez”, que é a situação em que o Banco Central não tem mais como reduzir a taxa de juros. Na Europa, o objetivo foi evitar que a crise de endividamento desaguasse numa crise financeira, com quebras de bancos, que poderiam acarretar o colapso do euro.
Até agora, os objetivos foram alcançados. O mundo está melhor do que estaria sem as medidas, ainda que elas tenham efeitos colaterais, como o de provocar a valorização de moedas de outros países. A presidente Dilma e seu ministro da Fazenda, que vivem falando contra tais medidas, parecem sugerir que o melhor seria deixar os países ricos quebrarem. O Brasil ficaria em pior estado. Assim, a rigor, Dilma deveria apoiar as medidas e dela extrair legitimidade para agir no sentido de contrabalançar seus efeitos colaterais sobre a economia brasileira.
Pior mesmo foi levar a queixa a Obama. Ele nada tem a ver com isso. Primeiro, porque o Fed é independente. Não recebe ordens da presidência. Segundo, porque nem ele nem o Fed têm condições de forçar outros bancos centrais a atender os apelos da Dilma, mesmo que eles tivessem procedência. Talvez a presidente tenha sido traída por sua visão pessoal do processo. Fala-se que ela tem dado ordens ao Banco Central para reduzir a taxa de juros.
Há uma explicação para esses equívocos. O propósito da reclamação dela seria a busca de um inimigo externo, para por a culpa pelos problemas internos, que nós próprios criamos. A técnica é conhecida. Os argentinos a usaram na guerra das Malvinas. Líderes populistas latino-americanos a adotaram em diferentes circunstâncias, quase sempre utilizando os Estados Unidos como vilão.
Não fossem apenas esses equívocos, a presidente resolveu falar de juros e spread bancário em sua estada nos EUA. Isso agrada empresários e certos formadores de opinião, mas não é compatível com a majestade do cargo. Presidentes e ministros da Fazenda não falam de juros. Isso é no máximo tarefa do presidente do Banco Central. Fazer o que? A presidente e o ministro adoram falar do tema.