Archive for setembro, 2011
O governo pode interpretar mal sinais tributários europeus
A decisão do governo de aumentar tributos não foi abandonada. Como já comentei aqui, não há como compensar, com o corte de outras despesas, os substanciais aumentos de gastos com a saúde, que decorrerão da aprovação da emenda 29. Será uma paulada de R$ 40 a 50 bilhões. Uma saída, ainda que temporária, seria congelar o projeto no Senado por alguns anos, o que já é sugerido em círculos do governo e do Congresso. A prova de que a elevação da carga tributária se mantém nos planos foi a entrevista da ministra de Relações Institucionais, Idely Salvatti, ao Estadão da última segunda feira, em que defendeu explicitamente a ideia.
A Câmara inviabilizou a criação da Contribuição Social para a Saúde (CSS). Muitos senadores se disseram contra qualquer novo tributo para a finalidade. Enquanto isso, quase todos os governadores continuam fazendo declarações em favor da criação do tributo. O governador da Bahia, Jacques Wagner, defendeu sem peias o renascimento da CPMF. O pior nesse imbróglio é que o novo tributo seria inapelavelmente partilhado com os Estados e municípios. O governo precisa do apoio de governadores e prefeitos para pressionar o Congresso pela aprovação, ainda que depois das eleições municipais de 2012. Nunca mais seria extinto.
Ontem, surgiu um fato que pode dar mais argumentos aos defensores da recriação da CPMF. Trata-se do anúncio oficial, por líderes europeus, de que será proposta a criação de um imposto sobre transações financeiras. Alguns jornais compararam esse imposto à CPMF. Ora, dirão ministros, governadores e prefeitos do Brasil: se os europeus recorrem à sua CPMF é porque o tributo não é tão danoso quanto se fala por aqui. Do contra, arrematariam, são os que não se preocupam com a saúde ou professam ideais neoliberais contra aumentos da carga tributária, particularmente a CPMF.
Acontece que o novo imposto europeu seria muito diferente da CPMF. A alíquota seria de 0,1% (0,38% na CPMF). Incidiria apenas sobre as negociações de títulos de renda fixa, ações e derivativos (neste último caso com uma alíquota de 0,01%). A CPMF incide sobre qualquer débito ou crédito em contas correntes. Seu efeito na economia é muito mais perverso, pois onera transações relacionadas com a compra de matérias primas, partes, peças, componentes, transporte, pessoal e por aí afora. Até no pagamento de tributos o contribuinte arca com a CPMF.
O debate na Europa está apenas começando. Os principais centros financeiros – Londres e Frankfurt – vão resistir, pois podem ver suas transações migrarem para países que não criarem o imposto. Para evitar isso, todos os países relevantes teriam que ir pelo mesmo caminho. Ou seja, além da aprovação nos 27 membros da União Européia, seria preciso fazer o mesmo pelo menos nos países integrantes do G-20. Diz-se que os franceses apresentarão essa ideia na próxima reunião desse grupo, em novembro, prevista para acontecer na França. Sua aprovação nos Estados Unidos é quase impossível. Além da natural resistência da sociedade americana a novos tributos, a Câmara de Representantes é controlada pelo Partido Repúblicano, notoriamente contrário a aumentos de carga tributária, como se tem visto nos embates recentes, incluindo o que envolveu a elevação do teto da dívida pública federal americana. O sistema financeiro americano seria o que mais ganharia com a migração de investidores correndo da tributação europeia, mais uma razão para resistir à criação do tributo.
Em resumo, a não ser que a regulamentação da emenda 29 vá para as calendas, os defensores da criação da CPMF (ou algo parecido) provavelmente vão invocar o exemplo europeu. Será uma má interpretação, mas quem no sistema político brasileiro se preocupa com isso?
Por que o real se deprecia mais do que outras moedas
Nas últimas três semanas, assistiu-se a um movimento global de depreciação de moedas em relação ao dólar norte-americano. A explicação é conhecida: o medo do calote grego e de suas consequências tem levado os investidores a buscar portos mais seguros para seus recursos. O principal deles é o dólar. O franco suiço também foi um refúgio, mas o interesse arrefeceu depois que o Banco da Suiça (o banco central do país) decidiu que gastará o que for suficiente para manter a paridade de 1:1,2 entre o euro e o franco.
O efeito natural dessa “fuga para a qualidade” é a valorização do dólar e, consequentemente, a desvalorização das demais moedas. Mas por que esse processo é mais intenso em relação ao real brasileiro? Explicação: apareceu um componente estrutural para o nosso caso, derivado de incertezas construídas pelo governo. Começou em fins de agosto com a surpreendente decisão do Banco Central, de reduzir a taxa Selic contrariamente ao que indicavam suas informações anteriores e a expectativa dos analistas. Depois, vieram as medidas protecionistas em favor da indústria automobilística, cujo grau de precipitação e improvisão deu a impressão de que o governo não tem serenidade para reagir adequadamente a crises. Aumentou o risco de mudança súbita e irracional das regras do jogo.
Antes disso, havia ocorrido uma intervenção brutal e mundialmente inédita do governo nos mercados de derivativos, via imposição do IOF. Seus efeitos somente apareceram mais nitidamente na semana passada, quando a piora dos humores dos mercados em todo o mundo e a maior valorização do dólar levaram as empresas a buscar a proteção contra os efeitos da depreciação do real. É que nos últimos anos aumentou muito o endividamento externo das empresas e a participação de partes, peças e componentes importados nos bens que elas produzem. Em outras palavras, elevou-se a exposição dessas empresas em obrigações em moeda estrangeira.
Assim, subiu a demanda por derivativos cambiais nos mercados futuros. Acontece que os vendedores praticamente desapareceram, devido às incertezas e aos custos elevados do IOF nos derivativos. O dólar começou naturalmente a dar pulos diários. Foi preciso o Banco Central fazer as vezes dos naturais especuladores, aqueles que poderiam oferecer a contrapartida de quem quer comprar. A intervenção do BC, vendendo contratos de swaps de derivativos cambiais, acalmou o respectivo mercado, mas o risco de novos saltos continua.
Uma depreciação forte e duradoura, como parece ser o caso, vai criar novas pressões inflacionárias, elevando o risco de o BC perder a meta de inflação em 2011. A Tendências projeta IPCA de 6,6% este ano (acima do limite superior da meta, de 6,5%), mas se a depreciação continuar isso se tornará uma certeza. Para 2012, será muito difícil que o BC cumpra sua promessa de fazer convergir a inflação para a meta de 4,5%. Isso somente seria conseguido em 2013. E olhe lá. A não ser que a economia mundial desabe e o governo cumpra a quase impossível promessa de gerar superávit primário de 3,1% do PIB no próximo ano.
Para reduzir a maior parte do componente estrutural mencionado, o certo seria revogar o IOF nos derivativos ou no mínimo zerar a alíquota atual de 1%. Isso seria uma medida sensata. Pode até ser que ela venha, mas eu temo que falará mais alto a visão deste governo, de que a intervenção foi feita para enfrentar “especuladores” que conspiram contra o Brasil. Para quem pensa assim, questões técnicas não pouco relevantes. Vamos ver.
Renasce a era Geisel. Herança ficará para os próximos governos
O aumento do IPI, direcionado para reduzir a importação de automóveis e “proteger” a indústria nacional, é uma volta ao passado, como assinalei em minha nota de ontem. Depois de ouvir os ministros explicando o decreto, me convenci de que estamos com as mesmas atitudes e as mesmas medidas da era Geisel. Depois dos automóveis, virão os eletrodomésticos e outros. O discurso da presidente Dilma em Belo Horizonte, hoje de manhã, não pode deixar margem a dúvida. Para ela, a forma de enfrentar a crise é investir e fazer o Brasil crescer. Vieram-me à mente o presidente Geisel e seus ministros, afirmando, em 1974, que o Brasil enfrentaria a crise do petróleo expandindo a economia. Deu um monte de problemas, como se sabe, incluindo o começo da disparada inflacionária que nos levaria ao processo hiperinflacionário da segunda metade dos anos 1980.
A estratégia Geisel bateu de frente em dois momentos. Em 1979, com a segunda crise do petróleo. Em 1982, quando irrompeu a crise da dívida externa, logo após a moratória mexicana de agosto de 1982. A paralisia do crédito afetou o programa de investimento das estatais e do próprio governo. Já no período do presidente Figueiredo, o Brasil se viu em meio a duas crises, uma de crescimento, outra de inflação. Uma das causas dessas crises foi a estratégia Geisel.
O renascimento das visões do mundo da era Geisel pode agora ter vida mais longa. Diferentemente daquela época, não somos mais grandes importadores de petróleo e não temos problema de balanço de pagamentos. A estratégia Dilma, que inclui menor compromisso com o combate à inflação, pode demorar a produzir seus efeitos deletérios. O Brasil pode conviver por alguns anos com crescimento do PIB de 3% a 4% e inflação de 6% a 7%, que é o cenário provável para o atual período de governo.
Assim, a menos que uma crise externa interrompa a estratégia e produza efeitos negativos mais rapidamente, a colheita dos maus ventos ficará para os sucessores de Dilma, Mantega, Pimentel e Mercadante.
IPI sobre carros importados: desespero ou improvisação?
O governo acaba de anunciar um adicional de IPI de 30% sobre veículos importados (os nacionais podem ficar livres). Puro desespero. Ou será improvisão e impulsividade? A legislação não permite discriminar produto importado de nacional para incidência de tributos como IPI e ICMS. Os importadores provavelmente irão à Justiça.
A medida vigora a partir de amanhã. Como farão as empresas que já venderam os automóveis e estes estão em pleno mar? Dificilmente terão sido consultadas, como deveriam.
O certo, tecnicamente, seria aumentar o Imposto de Importação (a tarifa aduaneira). Teria sido mais honesto, mostraria f ace protecionista do governo, mas iria contra as regras do comércio internacional que o Brasil se comprometeu a seguir, as do OMC. E provavelmente complicaria no próprio e complicado Mercosul.
A medida terá impacto inflacionário. Reduzirá a concorrência no mercado interno, elevando a ineficiência da eocnomia. Terá péssima repercussão inteernacional. Haverá risco de retaliação. O Brasil provavelmente será acionado perante a OMC. Tudo indica que foi mal estudada.
Celebremos a volta da era Geisel. O discurso de “defesa do mercado interno” e contra os produtos importados é uma volta ao passado. Este será o tema de meu artigo na Veja que circula no próximo sábado.
Salve o retorno aos anos 1970!
Gastos com saúde: prepare-se para pagar mais impostos
A presidente Dilma disse que é contra a CPMF em sua entrevista ao Fantástico de ontem. Ótimo. É bom, todavia, ficar preparado para a recriação da própria pelo Congresso (embora mais difícil) ou de algo semelhante nos próximos meses. Isso porque parece cada vez mais certa a aprovação de um aumento da carga tributária para financiar gastos adicionais com a saúde. Isso será feito mediante a elevação de alíquotas dos atuais tributos ou pela instituição de uma nova incidência parecida com a CPMF. A ideia já existe no Congresso: a Contribuição Social para a Saúde – CSS, sigla que permite entendê-la como o acrônimo de Contribuição Sem Sentido.
A regulamentação da emenda 29, que criou obrigação de gastos com saúde nas três esferas de governo, pode custar entre R$ 40 e 50 bilhões aos cofres públicos. Como já se disse, o Brasil constitucionalizou uma utopia: “a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado”. A sentença é bonita. É politicamente incorreto ser contra dar mais dinheiro para a saúde em um país no qual a sociedade espera tudo do governo. Acontece que gastar mais depende das possibilidades da economia e de saber se estamos gastando bem o que já se desembolsa em favor da saúde. Nenhuma coisa nem outra parece verdadeira.
A mesma presidente que disse ser contra a CPMF afirmou na mesma entrevista que a Argentina gasta mais de 40% a mais em saúde do que o Brasil. Não se sabe de onde ela tirou esse número, mas a afirmação indica que ela é a favor da aprovação da emenda 29. Como não dá para ampliar os respectivos gastos cortando o mesmo valor de outras dotações, a conclusão é simples. Ou se reduz o superávit primário – o que teria impactos serios na confiança de analistas e investidores – ou se aumenta a receita, que tem sido o caminho preferido dos governos desde 1988.
Os governadores estão a favor de aumentar a carga tributária para financiar suas novas responsabilidades com a regulamentação da emenda 29. É mais um sinalizador de que a tungada será uma questão de tempo.
Logo….
Imprudência do Banco Central mina sua credibilidade
A surpreendente redução da taxa de juros pelo Banco Central danificou, de uma tacada, a credibilidade duramente conquistada em quase vinte anos de paciente construção da imagem da instituição. Seu comunicado encheu duas páginas. Bancos Centrais, como era o nosso até aqui, costumam informar suas decisões em apenas um dois parágrafos. Para que tanto verbo? Resposta: para justificar o injustificável, isto é, a decisão teve motivação política e resultou de pressões da presidente da República, do ministro da Fazenda e de outros membros do governo.
Tecnicamente, o cenário justificaria aumento da Selic: mercado de trabalho aquecido, acordos salariais acima da inflação e da produtividade, comércio vendendo bem, crédito ainda em expansão, câmbio ligeiramente depreciado, inflação de serviços em 12 meses na casa de 9%. Dado, contudo, a crise internacional, justificava-se uma pausa para uma avaliação na próxima reunião do Copom. Se a crise se agravasse e se instalasse uma tendência desinflacionária na economia mundial, o BC baixaria os juros. Acontece que o cenário não é o de repetição da crise de 2008, mas o de um longo período de baixo crescimento. Neste caso, não se instalaria a tendência desinflacionária esperada pelo BC.
Ao decidir contra a corrente unânime dos analistas, o BC criou enormes incertezas. Perdeu a capacidade de coordenar expectativas, um dos aspectos mais relevantes do regime de metas de inflação. Ninguém sabe agora para onde ele vai, se ainda existe meta de inflação ou se agora o governo prioriza o crescimento, em detrimento do controle inflacionário. O que se percebe claramente é a perda de sua autonomia e a transferência das decisões de política monetária para o Ministério da Fazenda ou para o Palácio do Planalto.
O BC confrontou uma unanimidade, mas criou outra. Todos os analistas consultados pela Agência Estado, no serviço Broadcast, afirmaram que o Copom errou e por isso minou sua credibilidade e autonomia.
Já se diz que a meta de inflação foi substituída pelo nível de incômodo do governo com o comportamento dos preços. Sua meta agora é o crescimento. O difícil será advinhar qual será o nível de desconforto 7%, 8% ou um pouco mais?
É muito difícil que a inflação fuja do controle, pois isso seria fatal para a popularidade da presidente. O problema será saber em que nível de inflação e a que custo será revertida a imprudência do BC e do governo.