Archive for novembro, 2011

A incrível fraude no Ministerio das Cidades

A fraude no Ministério das Cidades, escancarada pelo Estadão, mostra a que ponto chegou a degradação da administração pública federal. O ilícito é consequência direta do loteamento político dos cargos do governo federal, que permite a pessoas sem a qualificação adequada, moral e técnica, ascender a postos de destaque nos órgãos do governo. Como se viu, um parecer técnico objetou a mudança de projeto associado às obras da Copa do Mundo em Cuiabá (MT). De um corredor para ônibus, o projeto passaria a contemplar uma linha de Veículos Leves sobre Trilhos (VLT), cujo custo passaria de pouco menos de R$ 500 milhões para cerca de 1,2 bilhão, ou R$ 700 milhoes a mais.

O governador do Estado pressionou diferentes áreas do governo federal para obter a aprovação da substituição. Falou com a presidente Dilma, o vice-presidente Temer, a chefe da Casa Civil, ministra Gleisi Hoffmann, e, claro, o ministro da Cidades, Mário Negromente. Até aí, nada de mais. Pressões desse tipo sempre existiram e existirão, aqui e alhures. A decisão política de atender o governador também está conforme práticas de governo, mais aqui do que lá fora, mas nada escandaloso.

Acontece que atender o pedido implicaria rever o parecer técnico constante do respectivo processo. Seria necessário aduzir argumentos capazes de levar o funcionário de carreira a rever a posição externada ou contestá-la. Quem já labutou no governo sabe que esse tipo de procedimento é normal, pois nenhuma opinião pode ser considerada definitiva. A parte interessada, no caso o governo do Mato Grosso, tinha legitimidade para solicitar a revisão. Se, todavia, tais argumentos não existissem, deveria prevalecer a posição inicial, que ademais era respaldada por ponto de vista semelhante, externado pelo Controladoria Geral da União.

De acordo com documentos e gravações a que o jornal teve acesso, dirigentes do Ministério das Cidades tentaram primeiramente forçar o servidor a mudar o parecer, o que em si já seria grave. Diante da recusa, poderiam ter optado por buscar justificativas que viabilizassem a decisão política ou mostrassem a impossibilidade de atendimento do pedido do governador. Em vez disso, fraudaram o processo, substituindo o parecer por outro em conformidade com a decisão política. A responsável pela manobra declarou que o parecer deveria refletir a opinião do governo e não a do funcionário. Inacreditável.

O parecer fraudado serviria também para fazer prova perante o Ministério Público em Cuiabá, um agravante do caso. O ministro das Cidades prometeu uma sindincância interna para apurar a suspeita de fraude . Espera-se que a investigação não seja apenas para constar, nem que, eventualmente comprovada a denúnica, o malfeito fique impune.

O Brasil nada ganha entrando na Opep

O ministro das Minas e Energia, Edson Lobão, anunciou que o governo estuda ingressar na Organização dos Países Exportadores de Petróleo – Opep. Segundo Lobão, o Brasil vem sendo chamado a participar como convidado especial de reunião da entidade. Como noticiou a Agência Estado, o ministro indicou o interesse do governo em tornar o Brasil membro da Opep. “Só o fato de termos sido convidados para integrar os quadros da Opep já nos deixa muito orgulhosos”, disse Lobão.

Ao contrário desse entusiasmo, o Brasil nada teria a ganhar. A Opep, como se sabe, é um cartel de produtores de petróleo. Seus fundadores e membros têm no petróleo a fonte essencial de exportações e de receitas públicas. Em tese, teriam interesse em atuar coordenadamente para controlar a produção e assim influenciar para cima os preços do petróleo. Não é o caso do Brasil, que mesmo quando se tornar exportador relevante de petróleo, após a exploração do pré-sal, não terá na commoditie e fonte básica de exportações e de receitas públicas. Somos uma economia muito diversificada.

Estudos indicam não ser claro se a Opep efetivamente contribui para valorizar os preços do petróleo. Como todo cartel, o grupo está sujeito à ação predatória dos que furam os acordos. Governos em dificuldades políticas e financeiras podem fugir das cotas de produção, furando o acordo. Têm incentivos para aproveitar momentos de maiores altas de preços, que lhes darão maiores receitas, permitindo-lhes equilibrar orçamentos e/ou ampliar gastos sociais que rendem apoio político. Essa não é, definitivamente, a realidade do Brasil.

Grandes exportadores como Rússia e Noruega, ou grande produtores, como os Estados, o Reino Unido e a Holanda não fazem parte da Opep. Não teriam proveito em participar do cartel nem de se submeter às suas regras, que prevêem auto-limitação da produção em certos momentos.

Por que o Brasil faria parte do grupo? Não há qualquer justificativa, a não ser um inconsequente desejo do governo de se tornar protagonista em acordos internacionais para controlar -ainda que sem garantia de êxito – os preços do petróleo. É melhor conter o entusiasmo sem sentido do ministro Lobão.

A DRU e a liberdade de gastar: uma interpretação equivocada

Está prestes a ser aprovada a emenda constitucional que prorroga a vigência da DRU – Desvinculação de Receitas da União – para o período 2012-2015. A oposição demanda apenas que se reduza o prazo da prorrogação, de quatro para dois anos, o que dificilmente acontecerá. A emenda, como se recorda, libera 20% de certas vinculações de receitas a despesas. Os recursos poderão ser utilizados em diferentes dotações orçamentárias.

Na mídia, repete-se que a medida permitirá ao governo “gastar livremente os recursos”. A interpretação, equivocada, mostra o quanto nós brasileiros ignoramos o processo orçamentário. Na verdade, o governo não gasta livremente em nenhum caso. Toda e qualquer dotação orçamentária requer aprovação legislativa. Mesmo nos regimes autoritários, de Vargas e dos militares, o Executivo sempre dependeu da aprovação do Orçamento pelo Congresso, ainda que meramente formal.

A supremacia do Parlamento em questões orçamentárias nasceu com a Revolução Gloriosa inglesa (1688) e depois se espalhou mundo afora. A aprovação anual do Orçamento se tornou um dos principais atos do Parlamento e contribuiu decisivamente para o fim do absolutismo inglês. A relevância do Orçamento está no fato de por ele passarem todas as políticas públicas que requeiram a aplicação de recursos do contribuinte. É nele que se definem as prioridades do país. A partir de sua instituição, os monarcas ingleses perderam o poder de declarar guerra a seu bel prazer.

O Orçamento é a principal lei votada anualmente pelo Parlamento, que só entra em recesso depois da respectiva decisão. Esta é a razão pela qual o exercício fiscal inglês (e de resto todo o Hemisfério Norte) começa nas proximidades do verão. Os parlamentares só podem entrar em recesso e sair de férias com a família depois de aprová-lo. O exercício fiscal no Hemisfério Sul coincide com o ano calendário porque o verão começa no fim de dezembro.

Em Portugal, o absolutismo sobreviveu até o início do século XX. Lá, prevalecia o patrimonialismo, pelo qual as posses do rei se confundiam com o Orçamento, o qual tinha pouca ou nenhuma importância. O rei gastava como queria, para si e para o reino. Aí está, talvez, a pouca importância que damos ao Orçamento. Na Inglaterra, até hoje, existe um ritual para a apresentação do Orçamento. O Chancellor of the Exchequer (o ministro da Fazenda) caminha a pé de sua residência oficial na Downing Street, a poucas quadras do Parlamento, para apresentar a proposta. É seguido por um batalhão de jornalistas. O tema domina o noticiário e os debates por alguns dias. Aqui, o Orçamento é enviado pelo mesmo mensageiro que leva outros documentos ao Congresso. Às vezes ganha uma primeira página. Não é incomum que a aprovação passe em brancas nuvens.

A aprovação da DRU libera recursos, mas quem aprova sua destinação é o Congresso, ainda que este não preste atenção, a não ser que os parlamentares enxerguem na medida uma chance de aprovar emendas orçamentárias de propósito paroquial. Afinal, raros são os nossos congressistas que entendem o valor do Orçamento, menos ainda suas raízes históricas.

No governo, participei de esforços para mudar esse quadro. Com as reformas introduzidas entre 1986 e 1987, incluindo o fim da “conta de movimento” do Banco do Brasil, todas as receitas e despesas públicas devem ser autorizadas pelo Congresso. Antes, o Conselho Monetário tinha o poder de determinar gastos. Menos mal. Quem sabe um dia a gente valoriza o Orçamento e aprende que o Executivo não gasta como lhe aprouver?

A não ser por um acidente, a Grécia deve permanecer no euro

Muitos analistas têm sugerido que o abandono do euro pela Grécia seria a saída para seus graves problemas. Permitiria a recuperação econômica, pois ao retornar à dracma os gregos poderiam desvalorizar sua moeda, o que expandiria as exportações e desestimularia importações. O efeito líquido seria uma elevação da demanda por bens e serviços gregos, o que geraria mais renda, produto e emprego. Dá-se como exemplo o caso da Argentina, que se recuperou depois que abandonou a conversibilidade em 2001, a que se seguiu um monumental calote na dívida. Será?

O caso grego não é tão simples assim. Para sair do euro, seria preciso mudar tratados, o que exige o voto dos outros 26 membros da União Europeia. Não há provisão institucional para o abandono da moeda. Portugal votaria contra, pois ficaria claro que seria o primeiro da fila no correspondente contágio, o que o levaria à insolvência. A Alemanha votaria contra, pois ela é a maior beneficiária do euro. Ganhou mais competitividade com a desvalorização da moeda e se livrou de desvalorizações competitivas de seus vizinhos. Cerca de 75% do superávit comercial alemão vêm da Zona do Euro.

A Grécia poderia sair unilateralmente, pois ainda retém soberania para tanto. Perderia, todavia, o acesso aos recursos da União Europeia, o uso de uma moeda igual à dos alemães e a liberdade de trabalho de seus cidadãos em qualquer país da região. Pesquisas mostram que a grande maioria dos gregos considera sua entrada no euro uma conquista e preza muito os respectivos status e benefícios. A saída unilateral teria efeitos desastrosos. A desvalorização da dracma, que também ocorreria na saída negociada, geraria enormes prejuízos para as empresas endividadas em euro. Os bancos poderiam quebrar. Além da inadimplência dos devedores, haveria um efeito pior: os depositantes, antecipando o caos, correriam para retirar suas poupanças para transformá-las em euros.

A saída desordenada da zona do euro poderia acarretar a quebra de grandes bancos europeus expostos à dívida grega, tanto do governo, quanto de bancos e empresas. Se a crise se alastrasse para outros países, como é provável, poderia ser uma catástrofe. A dívida dos cinco países ameaçados (além da Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália) alcança 3,3 trilhões de euros, mais do que o PIB da Alemanha. A moeda única poderia entrar em colapso, a menos que o Banco Central Europeu garantisse toda essa dívida. Os alemães são contrários a essa ação. Qualquer líder europeu sabe desses riscos. Por isso, tudo se fará para evitar a catástrofe.

O euro é mais do que uma moeda única. Sua instituição foi um passo no caminho da integração europeia, cujas origens remontam aos dias imediatamente posteriores ao fim da Segunda Guerra. Nessa época, entendeu-se que a integração seria o meio para evitar a repetição dos horrores do conflito. E funcionou. Os europeus não guerreiam entre si há 66 anos, o maior período em muitos séculos. Ninguém poria em risco a conquista dessa paz.

Há muitas disfuncionalidades no euro, incluindo a ausência de uma união fiscal de transferências e de uma supervisão supranacional do sistema financeiro regional. A Grécia vai levar muitos anos, talvez uma década, para aumentar sua competitividade e voltar a crescer. Os custos sociais dessa década perdida são muito altos e podem causar problemas sociais e políticos complexos. Mesmo assim, o que está em jogo em última análise é a viabilidade do euro e a preservação do ambiente de paz.

A Grécia precisa permanecer no euro. Isso é essencial para dispor do apoio e dos incentivos à realização de duras reformas estruturais, incluindo o enfrentamento de injustificáveis privilégios. Não será fácil, mas isso poderá render-lhe ganhos de eficiência e produtividade que a manterão conectada no trem europeu. A saída do euro poderia desgarrar o país desse conjunto e tornar mais difícil a realização das reformas. A Grécia poderia ficar definitivamente para trás.

Há escolhas difíceis a fazer, existe risco de um acontecimento inesperado que torne a saída do euro inevitável e até mesmo contribua para o fim do sonho da moeda única. Mas é difícil acreditar que o desligamento da Grécia se daria de forma voluntária.