Archive for junho, 2012

Paraguai: o verdadeiro golpe e o destino do Mercosul

Na semana passada, a Argentina, a Venezuela, o Equador e a Bolívia tacharam de golpe o impeachment do presidente paraguaio Fernando Lugo. O Brasil foi atrás e fez coro com os bolivarianos da velha esquerda populista latino-americana. O Itamaraty perdeu mais um pouco de seu glorioso brilho diplomático ao dar seu referendo técnico à proposta de suspensão do país como membro do Mercosul.

Nos meus comentários neste blog sustentei que não havia fundamento para a ideia de golpe no Paraguai, apesar da rapidez com que o impeachment foi votado. O Judiciário confirmou a decisão, as instituições do país (mesmo imperfeitas) continuam funcionando. Não há instabilidade política, protestos populares de monta ou tanques na rua.

Para mim, não fazia sentido os rumores de que haveria uma jogada maior da trinca Brasil-Argentina-Uruguai, que era a de incluir a Venezuela no Mercosul. É o que afirmei na minha última nota. Dizia-se que os três países aproveitariam a injusta suspensão do Paraguai para passar por cima do Congresso do país, que ainda não aprovara a adesão do país de Chávez. Ledo engano. Em poucos minutos, a Venezuela se transformou no novo membro do bloco. Embora ainda não tenha sido confirmada a notícia, falou-se que a decisão se baseou em parecer da Advocacia Geral da União, do Brasil. Que triste.

Não houve golpe no Paraguai, continuo afirmando. Mas a jogada que resultou na admissão definitiva da Venezuela no Mercosul é o verdadeiro golpe destes dias. Ouvi um professor da Faculdade Cândido Mendes carioca dizer, em entrevista de ontem na CBN, que a troca do Paraguai pela Venezuela era vantajosa, pois se trata de uma economia maior. Que bobagem. Na verdade, o ingresso da Venezuela pode ser o prego que faltava no caixão do Mercosul. Seria apenas uma questão de tempo.

Suspender o Paraguai do Mercosul é mais um erro da diplomacia petista

Os presidentes dos países membros do Mercosul devem confirmar, na reunião de hoje em Mendoza (Argentina), a proposta dos respectivos chanceleres, de suspender o Paraguai do bloco até as eleições presidenciais de 2013. Trata-se de um erro crasso, consequência de uma ação impulsiva, ao calor de emoções infantis e impróprias para uma diplomacia madura como era a brasileira antes de 2003.

A motivação para a equivocada decisão é a suposta ruptura política no Paraguai (“golpe”, na visão de argentinos, venezuelanos e quejandos), que violaria cláusula democrática do Mercosul. Como já comentei neste espaço, pode-se questionar a rapidez com que o presidente Lugo foi destituído, sem tempo razoável para defender-se no processo de seu impeachment, mas não a decisão em si. Esta foi adotada segundo as regras em vigor, gostemos ou não delas. Como muitos analisas têm enfatizado, dados o elevado desgaste de Lugo e sua evidente perda de apoio político, dificilmente o resultado teria sido outro caso lhe fosse dado mais tempo para defender-se.

Fala-se que a suspensão seria uma forma de permitir a entrada da Venezuela no Mercosul, que não foi aprovada pelo Congresso do Paraguai. Isso contentaria os amigos de Hugo Chávez no Brasil e na Argentina, países que viabilizaram politicamente a entrada dos venezuelanos no bloco. O mais lógico, todavia, é que aumente a resistência da classe política paraguaia. Sentimentos nacionalistas tenderão a se exacerbar com a suspensão do Mercosul, enquanto a posição contra a Venezuela pode aumentar. Lembre-se que Chávez determinou a suspensão das exportações de petróleo para o Paraguai e foi o primeiro a convocar o embaixador em Assunção. Dificilmente o Congresso do Paraguai vai agora decidir a favor da Venezuela.

A decisão a ser tomada hoje pelos presidentes dos países do Mercosul não terá efeitos econômicos práticos (teria sido rejeitada a adoção de sanções comerciais e financeiras contra o Paraguai), mas deixará negativos resquícios políticos, que dificultarão futuras negociações. O Mercosul pode ter iniciado seu declínio definitivo. É uma pena ver a diplomacia brasileira a reboque de visões populistas.

O Paraguai e a arrogância brasileira

Por qualquer padrão, não há como falar em golpe de Estado no Paraguai. Pode-se questionar a rapidez com que se concluiu o processo de impeachment do presidente Lugo, que teve pouco mais de 30 para se defender. Pode-se afirmar que as instituições democráticas paraguaias são imperfeitas, o que não seria de estranhar na América Latina. A rigor, a decisão do Congresso paraguaio foi adotada sob estrita observância das regras do jogo, ainda que delas não gostemos.

É impossível, por tudo isso, afirma que houve ruptura democrática no país vizinho. Está equivocada, assim, a decisão do governo brasileiro de seguir a Argentina, a Venezuela, o Equador e a Bolívia, os mais estridentes na condenação do “golpe” paraguaio. Em vez de exercer sua liderança para por o mínimo de racionalidade na discussão do assunto, nossos governantes puseram lenha na fogueira e se alinharam a governos ditos de esquerda, que querem aproveitar o episódio para ganhar popularidade interna.

O que houve no Paraguai foi algo semelhante ao processo pelo qual governos parlamentaristas são submetidos a um voto de confiança. Isso ocorre quando o governo está impopular. O voto de confiança pode ser submetido e votado a qualquer momento e sem justificativa. A diferença, em relação ao Paraguai, é que a derrota do governo é imediatamente seguida de eleições gerais, o que não acontecerá por lá.

Aqui, temos visto comentaristas elogiando a decisão de condenar a queda de Lugo. É uma análise, pois, em tudo igual à do governo. Ambos esses lados agem com arrogância. Que direito temos de dizer como os paraguaios devem decidir, principalmente se sua Corte Suprema validou o processo? Alguns aproveitaram para criticar também o Judiciário paraguaio. Gozado, aqui se critica o governo americano quando ele age de forma semelhante.

A prova de que não houve ruptura democrática é a ausência de interferência militar na decisão, a continuidade do funcionamento dos poderes e a tranquilidade nas ruas. Espera-se que a arrogância e a precipitação do Brasil e de seus sócios nas organizações multilateriais regionais não acarretam consequências negativas para a democracia paraguaia nem para as relações econômicas com o país.

O PIB de 2012 e a piada de Mantega

O ministro da Fazenda se aborreceu com a estimativa dos economistas do Credit Suisse para o crescimento do PIB em 2012: 1,5%. Instado por jornalistas, o ministro reagiu com descortesia. “É uma piada. Vai ser muito mais”. Mantega começou o ano estimando crescimento de 4,5%. Depois falou em 4%. Agora diz que será maior do que o de 2011, isto é, os raquíticos 2,7%.

A descortesia do ministro é reflexo da cultura stalinista de segmentos do PT. Stalin não admitia ser contrariado. Em vez de argumentos, desmoralizava quem o contestasse (não raramente o infeliz sumia, literalmente). Stalinismo é, pois, desqualificar o interlocutor, em lugar de contrapor argumentos contrários.

Mantega poderia ter dito que discordava da projeção do Credit Suisse. Algo assim: “O Credit Suisse tem o direito de fazer exercícios econômicos, mas o governo discorda de sua projeção de crescimento do PIB para 2012. Nossos cálculos apontam um desempenho melhor do que 1,5%”.

Acontece que a projeção do Credit Suisse pode se confirmar. Nós da Tendências Consultoria estimamos 1,9% para este ano. As projeções têm sido revistas por muitos, continuadamente. Os mais otimistas falam em 2,5%, mas a maioria projeta um número em torno de 2%.

A economia tem perdido dinamismo. O potencial de crescimento está diminuindo. Dificilmente será possível crescer mais do que 4% em futuro próximo. É a consequência dos anos sem reforma , neste ano, dos efeitos da crise mundial. A produtividade, chave para o crescimento, vem caindo.

Suponha que o resultado final do PIB ser aproxime da previsão do Credit Suisse. Quem seria uma piada?