Archive for junho, 2011

Impressões de visita à Russia

Eu e minha família acabamos de retornar de uma vista de uma semana a Moscou e São Petersburgo. É muito pouco para fazer reflexões profundas baseadas apenas na observação desses dias, nas informações dos guias turísticos e nos fragmentos de história russa que aprendemos nas escolas e nas leituras posteriores. Mesmo assim, vou ousar.

As duas cidades surpreendem pela riqueza de seus palácios, museus, teatros, universidades, centros de pesquisa tecnológica e assim por diante. É uma mostra inequívoca de seu passado. Contamos com três guias russos com excelente português e todos professores universitários. Eles nos ajudaram a entender mais da história russa. A União Soviética preparou pessoas para servir à KGB, o serviço secreto, como tradutores. Viraram guias. Não sabemos se era o caso dos nossos.

O Império Russo anterior ao regime soviético era industrializado, rico, opulento, esplendoroso. As visitas ao incrível museu Ermitage, em São Petersburgo, ou ao museu de jóias da Coroa, no Kremlin, em Moscou, constituem prova irrefutável. Moscou possuía mais de mil belas igrejas ortodoxas. O regime comunista destruiu 400, mas as que ficaram refletem a capacidade econômica e financeira do país ao longo de sua evolução, particularmente a partir dos séculos XVI e XVII.

Nos seculos XVIII e XIX, a Rússia rivalizava, em poderio econômico e militar, com as potências mais relevantes da Europa, particularmente a França e o Império Austro-Húngaro. A Inglaterra emergia por força da Revolução Industrial. Segundo os guias, a riqueza das obras de arte do Ermitage perde apenas para a do Louvre, de Paris. Existem apenas doze quadros de Leonardo da Vinci, dois deles no Ermitage, cujas obras dos impressionistas são superadas, em quantidade, apenas pelos existentes no respectivo museu parisiense.

A Rússia era também um país brutalmente desigual. Com um estado forte, mas sem um adequado Estado de Direito e accountability (prestação de contas à sociedade), o Império dependia dos czares e dos êxitos nas guerras de defesa ou de conquista, que eram as características da época. O último dos Romanovs, o Czar Nicolau II, parece ter sido um desastre. O país perdeu sucessivas guerras em seu período e se engajou na I Guerra Mundial. O rápido empobrecimento agravou as condições sociais. O país experimentou uma situação de fome coletiva. A situação política se tornou insustentável.

Nicolau II foi forçado a abdicar do trono em fevereiro de 1917, após revoltas em várias partes do país e por pressão da burguesia. Kerenski assumiu o poder. Negociava-se uma constituição republicana que poderia ter levado a Rússia a restaurar o desenvolvimento e rivalizar com as potências européias atuais e até mesmo com os Estados Unidos. Infelizmente, em outubro do mesmo ano os comunistas derrubaram o governo e assumiram o poder. A guerra civil que se sucedeu os confirmou no domínio do país e lhes permitiu implantar o regime comunista.

Nossa impressão foi a de que o comunismo interrompeu a ascenção da Rússia. Ao contrário do que diz a propaganda, os feitos da União Soviética se nutriram do passado russo, inclusive de sua avançada educação. A Universidade de Moscou é de 1755 e já havia instituições de pesquisa avançada. O comunismmo desviou essa herança (que não foi maldita) para o campo bélico e mais tarde para a corrida espacial. Sem os incentivos à inovação, típicos do sistema capitalista, a União Soviética caminhou para a estagnação dos anos 1970 em diante, que selou a sorte do regime comunista, dada a perda de legitimidade perante seus cidadãos. A repressão se acentou como forma de manter obediiência e lealdade ao regime. Excluídos os aspectos autoritários, lembrei-me de um certo presidente brasileiro, para quem a história teria começado com ele e “nunca antes” se teria feito algo em proveito do país.

A Rússia está em plena transição. O colapso do comunismo vai completar apenas 20 anos. Parece um milagre ver o país funcionando, os shopping centers, os restaurantes, a vida noturna, os modernos aeroportos, os monumentos reconstruídos, as estradas das regiões que visitamos. Passou a integrar o grupo dos países mais ricos, o G7 que virou G-8. Isso aconteceu mais para prestigiar o país e evitar seu colapso e o retorno ao comunismo, e não por sua pujança econômica. Há muita corrupção. A economia depende fundamentalmente do petróleo e do gás, principalmente para as exportações. As instituições econômicas ainda estão em formação. O poder discricionário do Estado é brutal. Direitos de propriedade não são plenos. Há problemas étnicos graves, motivadores de movimentos separatistas. Enfim, muitas incertezas e enormes desafios.

Nada garante que a transição se complete de forma bem sucedida, permitindo à Rússia recuperar o terreno perdido com o regime comunista. Pelo que vi, ainda que superficialmente, o país tem tudo para se tornar uma nação plenamente desenvolvida. O futuro dirá, obviamente.

O PT continua sem entender a política monetária

Vejam a declaração feita hoje (3/6) pelo ministro Fernando Pimentel, do Desenvolvimento: “Como ministro da Indústria, acho que não precisa mais de alta de juros. Mas essa é uma questão do Banco Central”. Incrível, mas comum nos governos do PT.

O PT nunca engoliu a política econômica e tem dificuldade em entender como funciona a ação do Banco Central. Como se recorda, sua plataforma nas eleições de 2002 tinha como título “uma ruptura necessária”. Propunha uma mudança radical da política econômica, tida como “neoliberal”. Cheia de equívocos e movida por visões ideológicas, a plataforma promoveria um desastre de proporções chavistas. A intuição de Lula evitou que as bobagens tivessem curso. Decidiu-se manter a política econômica herdada de FHC, um pouco mais dura, para enfrentar tanto os resquícios de dúvidas quanto à linha do novo governo, quanto a inflação, que havia subido por conta da depreciação cambial e da deterioração das expectativas diante da vitória eleitoral do PT.

Pragmático, Lula manteve a política econômica, mas o PT jamais se conformou em ter visto seu programa ir para o lixo. Um de seus autores, o atual ministro da Fazenda, sempre foi um dos não-conformados. E continua tentando uma guinada na política econômica.

A declaração do ministro do Desenvolvimento é uma externalização dessa realidade. Em um governo pautado pela harmonia de seus componentes e por uma liderança forte, seria demitido. Onde já se viu um ministro externar opinião pessoal sobre a política monetária? Óbvio, o ministro permanecerá no governo. Primeiro, porque os mercados não ligarão para o que disse. Acostumaram-se a ouvir petistas falarem coisas semelhantes e nada acontecer. Segundo, porque os governos do PT toleram dualidades como esta, que em última análise representa uma crítica à presidente Dilma. Afinal, ela declarou várias vezes que o Banco Central é autônomo para conduzir a política monetária. Se o ministro discorda do BC, sua fala confronta a da presidente.