Archive for janeiro, 2012

O que está por trás da demissão do diretor-geral do Dnocs

A saída de Elias Fernandes do cargo de diretor-geral do Dnocs foi uma decisão tomada pela presidente Dilma depois que o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves, disse que ela não ousaria dispensá-lo e assim desgostar o grande partido de sua base parlamentar. Se Dilma aceitasse o ultimato de Alves teria renunciado à sua autoridade e se tornaria refém do partido. É incrível que um parlamentar tão experiente tenha cometido semelhante infantilidade.

O diretor-geral do Dnocs teria sido demitido por dois outros motivos: suspeitas de corrupção em obras e favorecimento ao seu estado natal, o Rio Grande do Norte, na destinação de verbas geridas pelo órgão. Esqueçamos a corrupção, que Fernandes nega e se tornou corriqueira na gestão petista, em número e gravidade superiores aos de governos passados. Vejamos o segundo motivo.

O diretor-geral do Dnocs não é primeiro, nem será o último dos administradores públicos brasileiros a privilegiar sua região no manejo de verbas orçamentárias. Tal atitude é inerente a uma cultura que vê como natural esse tipo de manipulação. Se alguém galga um posto que comanda verbas, seu papel não é administrar em favor do bem comum, mas de seu torrão natal. Lembre-se que o ministro da Integração Nacional gastou em seu Estado, Pernambuco, 90% das verbas destinadas a emergências. Recebeu apoio de políticos pernambucanos, que o elogiaram pela atitude. Esse tipo de ação acontece em outros países, inclusive os desenvolvidos, mas dificilmente na extensão que se observa por aqui.

Privilegiar a terra natal é muito mais fácil no Brasil, onde vigora a interpretação estapafúrdia de que o Orçamento é autorizativo. Isso não tem justificativa histórica nem constitucional, mas é aceito por parlamentares, pela imprensa e por bons comentaristas. Ora, se é autorizativo, o administrador público pode agir como quiser. Ele pode não executar a dotação orçamentária objeto de contigenciamentos e liberar a de seu interesse. O favorecimento gera apoio eleitoral para o partido e para os políticos locais. E não raro “otras cositas más”.

Em um sistema orçamentário decente, a dotação orçamentária é discutida publicamente, aprovada pelo Parlamento e rigorosamente cumprida. Aqui, acontece somente a aprovação do Congresso, o que nada significa, pois o Poder Executivo cummpre o que lhe der na telha.

Cultura de favorecimento com o uso de verbas públicas e atraso institucional no Orçamento explicam a atitude do diretor-geral do Dnocs e do líder do PMDB. Sua saída, infelizmente, se deu por outros motivos.

Cade: o preconceito contra o setor privado

No governo desde 2003, o PT perdeu muito de suas visões anticapitalistas, de seus institutos intervencionistas e de seus preconceitos contra o setor privado. Lula manteve a política econômica que condenava, não reverteu as privatizações que abominava e preservou muito da cultura de austeridade , incluindo a Lei de Responsabilidade Fiscal, que o PT rejeitou em peso no Congresso e questionou no Judiciário.

Aqui e acolá, entretanto, o antigo DNA prevalece. É o caso recente de medidas protecionistas e das invectivas contra a taxa de juros. O preconceito contra o setor privado está presente na indicações para a diretoria do Banco Central, em que houve veto a pelo menos um nome de pessoa oriunda de um banco privado. Pela primeira vez em sua história, o BC não tem um nome sequer com origem no sistema financeiro.

Esse mesmo preconceito vai prevalecer nas indicações para o órgão de defesa da concorrência, o Cade. Segundo notícia de hoje no Estadão, a presidente Dilma não vai indicar profissionais que tenham trabalhado no setor privado. Segundo o jornal, “o objetivo é cortar o elo entre governo e mercado”. Advogados de escritórios privados, prossegue a notícia, seriam vistos pelo governo como pessoas que “já fizeram uma opção profissional ao escolherem o lado de lá do balcão e que é complicada a transição para o governo com a possibilidade de um retorno ao setor privado”.

A ideologia atuará contra a eficiência do governo e a melhoria do processo decisório. É típico de país subdesenvolvido. Países como os Estados Unidos e o Reino Unido estimulam a atração de pessoas do setor privado a participar temporariamente do governo. O Banco da Inglaterra tem um programa de troca de profissionais dos dois setores. Nos Estados Unidos, existem regras sobre o trânsito de profissionais do setor privado por órgãos públicos, a chamada política de “revolving door” (porta rotativa). A expectativa é que essas pessoas entrem e saiam do governo mais de uma vez. O importante é fixar regras para evitar tráfico de influência, conflitos de interesse e a captura de reguladores pelos setores regulados, incluindo normas estabelecendo prazo para o retorno às atividades privadas (quarentena).

Com a extensão, para o Cade, do veto a pessoas do setor privado que já vigora no Banco Central, o governo perde a oportunidade de aproveitar a experiência desses profissionais. Cria feudos para funcionários públicos, que terminam envolvidos por essa cultura estúpida e evitam contatos com outros profissionais. O preconceito termina transitando para as decisões, o que prejudica o funcionamento das agências reguladoras e da economia. Unanimidades inconvenientes passam a ser a tônica do processo decisório. Por exemplo, as decisões do Copom da época Dilma são tomadas por unanimidade em praticamente todas as reuniões, uma prova da inexistência de divergências, que são salutares em qualquer processo decisório. É difícil encontrar tal situação em bancos centrais de países avançados.

O governo e o Brasil nada ganham com esse tipo de preconceito.

A reforma ministerial de Dilma tende a decepcionar

O governo criou uma expectativa exagerada sobre uma possível reforma ministerial, que aconteceria no começo deste ano. Gerou-se a percepção de que Dilma constituiria um ministério mais do seu jeito do que do de Lula, que teve indisfarçável influência na escolha de ministros e na manutenção de outros em seus postos. Os mais otimistas chegaram a pensar que haveria um enxugamento do número de pastas, hoje beirando aos exagerados 40 ministérios.

Acontece que reformas ministeriais costumam ser tarefa complexa no Brasil. É preciso conciliar distintas demandas, duas das quais estão sempre presentes, quais sejam a federativa e a política. A primeira implica levar em conta a origem estadual dos ministros, para evitar o desequilíbrios regionais (seria impensável um ministério sem paulistas, cariocas, mineiros, gaúchos, nordestinos…). A segunda requer o atendimento de pressões dos partidos políticos por cargos. Nos governos do PT, esta última demanda se acentuou, seja por parte de sindicalistas ávidos por postos no governo, seja por líderes que enxergam o cargo ministerial como meio para nomear afilhados e para gerar recursos (nem sempre lícitos) para seus partidos.

Dilma tem três dificuldades adicionais para reformar o ministério; (1) não parecer que sua “nova” equipe é diferente da de Lula, seu padrinho político; (2) evitar descontentamentos na gorda base de apoio no Congresso, que compreende nada menos do que 14 partidos políticos. Cabe lembrar a declaração do senador Valdir Raupp, de que o PMDB está “subavaliado” no ministério, e o apoio ostensivo do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, do PSB, para segurar no cargo o ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra, acusado de beneficiar excessivamente o seu Estado com verbas da pasta (90% do total); (3) não perder apoio de segmentos do empresariado que se sentem atendidos em suas demandas particulares de ser representados no ministério (uma característica adicional de nosso sistema político). Empresários já protestaram oficialmente contra a suposta extinção da Secretaria dos Portos, que tem status de ministério.

Como se vê, não vai dar para soltar foguetão quando a reforma ministerial for anunciada (se é que vai). Tudo indica que o ministério de Dilma não será distinto do atual, seja em tamanho, seja em qualidade.

Meta para a inflação de 2011: o relevante não é se o BC a cumpriu

Nesta sexta-feira, o IBGE anunciará o IPCA de dezembro. A Tendências projeta alta de 0,55%, o que elevará a inflação do ano para 6,56%. O anúncio será seguido de discussões sobre se o BC cumpriu ou não a meta para a inflação, que é de 4,5% com tolerância de dois pontos percentuais para mais ou para menos. O ministro Mantega disse que a meta será considerada cumprida se o IPCA for de até 6,5%, dado o critério aceito de arrendondamento, pelo qual a inflação teria sido de 6,5%.

Na minha opinião, o critério de arredondamento não se aplica nesse caso. Qualquer número acima de 6,5% significará que a meta não terá sido cumprida. O problema é que o BC teria que enviar uma carta ao ministro, fornecendo suas justificativas. Nada de mais. Acontece que o governo resolveu levar o assunto mais a sério do que deveria. Garantiu, juntamente com o BC, que eram amplas as chances de cumprimento da meta. O mundo não cairia se ela não fosse cumprida, mas a Fazenda fez o que pôde manipulando o índice de inflação. Adiou, para 2012, a entrada em vigor do aumento do IPI sobre cigarros, baixou a CIDE sobre a gasolina para evitar o aumento dos seus preços e deixou para o próximo ano o reajuste de tarifas de telefones.

Na verdade, saber se cumpriu ou não a meta por conta de alguns décimos a mais não é o mais relevante. O importante é saber que temos uma inflação muito alta para os padrões que têm prevalecido no mundo dos anos 1990 para cá. A meta de 4,5% é uma das mais altas. Nos mercados emergentes, o mais comum é 3%. Os governos do PT mantiveram essa meta por nove anos consecutivos. E tudo indica que a inflação ficará descolada do centro da meta durante todo o governo Dilma. A justificativa para essa tolerância com inflação, totalmente furada, é a de que isso permitiria trabalhar com uma taxa de juros mais baixa.

No fundo, temos um governo mais tolerante à inflação, que elegeu o crescimento como meta. Há quem diga que isso é certo, que uma taxa de inflação de 6% a 7% é funcional, que é preciso crescer e criar empregos, e por aí afora. Esse filme é conhecido e seu desfecho costuma ser desastroso. O país ainda vai pagar um preço alto por essa tolerância.