Archive for julho, 2011
Mantega contribui para a valorização cambial
Existe uma regra de ouro sobre entrevistas de um ministro da Fazenda: não falar em câmbio. O nosso ministro Guido Mantega parece pensar o contrário, ou seja, falar sempre.
Nos anos 1970, a Inglaterra teve que pedir o apoio do FMI. Nessa época, o regime era de câmbio fixo, o que permitia ao governo fixar a respectiva taxa. Na crise, estava o ministro da Fazenda (o Chancellor of the Exchequer) dando uma entrevista quando um repórter o surpreendeu com um pergunta sobre rumores de desvalorização cambial. “Não haverá”, foi a sonora resposta do ministro.
Logo em seguida, veio da desvalorização. Alguém entrou na justiça contra o governo, alegando prejuízos por ter acreditado na palavra do ministro. A Justiça negou provimento à ação. Motivo: não poderia ter sido outra a resposta.
Mantega não hesita em falar sobre câmbio. Desde muitos meses, ele vem dizendo quase cotidianamente que vai tomar medidas para conter a valorização cambial. Diante disso, qual deve ser a atitude de quem está pensando em realizar um investimento no Brasil ou fazer uma aplicação no nosso mercado financeiro? Antecipar a entrada dos recursos para evitar o custo da suposta medida.
Essa é uma das explicações para a mudança brutal no comportamento dos fluxos cambiais. De janeiro a junho, entraram liquidadamente USD 39,8 bilhões, segundo o Banco Central. No mesmo período do ano passado, esse valor havia sido de apenas USD 3,3 bilhões. O fluxo no primeiro semestre superou o de todo o ano passado (USD 24,3 bilhões). Mais dinheiro entrando, mais pressão para valorizar o câmbio.
Ministro da Fazenda fala de câmbio quando tem uma medida concreta a anunciar. E olhe lá. Às vezes é melhor deixar a tarefa a cargo do Banco Central, que tem mais informação e experiência no assunto e pode responder melhor às demandas de informações adicionais dos jornalistas.
O governo opta por mais inflação, embora diga o contrário
Desde o segundo mandato do presidente Lula, o governo tem-se mostrado menos comprometido com uma inflação baixa. Parece concordar com certos economistas brasileiros, para os quais uma inflação entre 5% e 7% é conveniente para o funcionamento da economia, embora a tese esteja por ser provada. Essa visão – ou uma variante dela – se tornou aceita depois da saída do ministro da Fazenda Antonio Palocci, em 2007. A ideia não avançou porque o presidente do Banco Central Henrique Meirelles jamais a aceitou. Como Meirelles tinha reputação, credibilidade e prestígio perante Lula, foi possível resistir às tentativas do novo ministro da Fazenda de impor essa ideia. Mesmo assim, ele conseguiu bloquear propostas para reduzir a meta de 4,5% para a inflação. Versões não desmentidas informam que Guido Mantega tramou – sem sucesso, como se sabe – a demissão de Meirelles e sua substituição pelo economista Luiz Gonzaga Beluzzo, que supostamente mudaria a política monetária.
Agora, a tese ganhou mais robustez. Mantega continuou no posto e Meirelles foi substituído. Fala-se agora em harmonia entre a Fazenda e o BC. A percepção entre os observadores é a de que a nova diretoria do BC é mais condescente com a inflação. Pode não ser isso, mas é a impressão que se generaliza. A presidente Dilma parece ter aderido à tese. Ela tem repetido seu compromisso com a estabilidade, mas suas declarações recentes mostram que não é bem assim. A estabilidade é desejável, na visão da chefe do governo, se não “derrubar” o crescimento. Em entrevista semana passada a cinco jornalistas, Dilma declarou que “não queremos inflação sob controle com crescimento zero da economia”, para em seguida concluir: “”estamos fazendo o chamado pouso suave, com uma taxa de crescimento e de emprego adequadas”. Como se sabe, o certo é trabalhar com o chamado “balanço de riscos”. Se o risco for para a inflação, aumenta-se a taxa de juros. Faz-se o contrário se for para o crescimento.
O “pouso suave” deve ser o objetivo de qualquer governo depois que a economia passa por um nível de crescimento insustentável e isso resulta em subida perigosa da inflação. É o que aconteceu em 2010, quando razões político-eleitorais levaram o governo a patrocinar um aquecimento excessivo da economia, via gastos públicos, crédito oficial e uma interrupção prematura do ciclo de política monetária em setembro. O PIB cresceu 7,5%, acima de seu potencial, e Lula elegeu sua sucessora, mas o efeito inflacionário da festa logo se manifestou. O IPCA de 2010, de 5,9%, ficou muito acima do centro da meta, de 4,5%. Em tais circunstãncias, cabe “esticar” a trajetória de convergência da inflação para a meta. É natural que se faça isso em dois anos e não em um exercício apenas.
O problema é que o governo não se tem mostrado suficientemente vigoroso no sentido de trazer de volta a inflação para 4,5% em 2012. O superávit primário tem estado acima da meta, mas isso deve mais a um amento de arrecadação do que à redução de gastos. As receitas federais cresceram mais de 20% no primeiro semestre. As despesas continuam aumentando em ritmo superior ao da expansão da economia: cerca de 11% nos seis primeiros meses deste ano. São pouquíssimos os analistas que acreditam nas afirmações do BC, de que a inflação do próximo ano convergirá para os 4,5%. Nós da Tendências achamos que pode bater nos 6,6% em 2011, superando o limite superior da meta (6,5%). Para 2012, projetamos IPCA de 5,2%, com viés de alta.
A presidente e o ministro da Fazenda juram que não aceitarão inflação mais alta. Suas crenças, ações e declarações vão, todavia, em sentido contrário. Recentemente, vimos a manutenção, pelo nono ano consecutivo, da meta de 4,5% para 2013. O Brasil é um dos poucos países em desenvolvimento que adota esse nível. O mais comum é 3%. No Peru é 2%, semelhante à meta dos países desenvolvidos. A justificativa por aqui tem sido a de que uma meta mais baixa requer juros mais altos. A experiência mostra que os agentes econômicos adaptam suas expectativas à meta. Mantê-la em 4,5% pode requerer juros mais altos ao longo do tempo e não o contrário.
Em resumo, o governo assume o risco de produzir inflação mais alta do que pensa. O Banco Central pode minar a reputação que construiu duramente nas duas últimas décadas. Tudo indica que o BC, formado por gente racional e cioso de sua missão de manter uma inflação baixa e estável, agirá se seus prognósticos não se confirmarem. A dúvida é como reagirá a presidente e o ministro da Fazenda. Aceitarão que o Comitê de Política Monetária seja mais duro? Afinal, gente do governo acredita numa tolice, a de que o mercado financeiro superestima suas estimativas de inflação para forçar o BC a aumentar os juros. Isso foi dito claramente por um funcionário graduado do Ipea semana passada. Levantamento recente mostrou que ocorre o contrário, isto é, os bancos têm subestimado o comportamento da inflação. Além disso, para eles, ao contrário do senso comum, é melhor que juros sejam mais baixos. Como ganham o spread (diferença entre o que cobram dos tomadores de crédito e o que pagam aos investidores), seus lucros aumentam quando as taxas de juros baixam, pois emprestam mais com menores riscos de atraso e calote no pagamento dos empréstimos.
Felizmente, estamos longe do risco de perda de controle da inflação, mas poderemos pagar um preço mais alto por não atacarmos o mal como deveríamos. Se o governo estiver errado, será preciso elevar mais os juros, malgrado as resistências internas. A economia crescerá menos.
O Peru pode vencer a barreira do populismo
Ollanta Humala, o novo presidente do Peru, atemorizava os mercados em eleições passadas. Com um discurso populista e socialista à la Hugo Chávez, da Venezuela, Ollanta flertava com o desastre econômico, social e político. Os avanços das duas últimas décadas, principalmente a conquista da estabilidade macroeconômica, que fizeram do Peru uma das economias de maior crescimento da América Latina, podiam ser perdidos. O país retornaria aos tempos de instabilidade política e econômica.
Ollanta podia ganhar as eleições presidenciais se a centro-direita peruano se dividisse. Dado que ainda são altos os níveis de pobreza e as desiguldades de renda, um discurso populista poderia arrebanhar votos dos segmentos menos favorecidos e menos informados da sociedade, permitindo que Ollanta ganhasse as eleições ou disputasse o segundo turno com chances de vitória. E foi o que aconteceu este ano. Três candidatos da centro-direita dividiram seus votos. O segundo turno se deu entre dois políticos tidos como problemáticos: Ollanta e Keiko Fugimori, a filha do ex-presidente Alberto Fujimori, condenado por corrupção e violação de direitos humanos. Na declaração pessimista do escritor peruano Vargas Llosa, os peruanos iriam escolher entre a aids e o câncer. Vargas Llosa terminou apoiando Ollanta, inclusive porque este se comprometeu com ideias como a de proteção aos direitos de propriedade e aos contratos, fundamentais para o desenvolvimento capitalista.
Ao sentir que eram crescentes suas chances de vitória, Ollanta adotou atitudes semelhantes às de Lula em 2002. Fez até uma “carta ao povo peruano”, inspirada em documento semelhante que Lula lançou em junho de 2002. Ao se eleger, reiterou juras à responsabilidade na gestão macroeconômica. Declarou que manteria a autonomia operacional do Banco Central. Sua primeira viagem internacional teve o Brasil como primeira parada, onde ele repetiu os compromissos com a normalidade econômica.
Agora, Ollanta acaba de divulgar seu ministério. Salomon Lerner Ghitis, empresário que coordenou sua campanha, será o primeiro ministro. Luís Miguel Castilla será o ministro da Fazenda. Castilla, de 42 anos, é um economista ortodoxo, que exerceu o cargo de vice-ministro das Finanças no governo anterior, de Alan Garcia. Obteve o doutorado em Economia na Universidade Johns Hopkins em 2001. Estudou na Universidade Harvard e na Universidade McGill.
Os sinais de amadurecimento de Ollanta são claros. Seus compromissos com a uma política econômica responsável estão sendo comprovados. O novo presidente peruano dificilmente promoverá a ruptura que se temia. Seu país, rico de recursos minerais e de pesca, pode continuar sua trajetória de prosperidade, deixando para trás, talvez para sempre, o populsimo desastroso do passado.
Chávez já não é o mentor político de Ollanta, que se livrou dos assessores de esquerda, inclusive os que o ajudaram na campanha eleitoral. O Peru pode ser mais um país latino-americano a se livrar do populismo inconsequente e desastroso.
A desoneração da folha pode piorar a situação
Essa história de desonerar a folha de salários parece coisa mal estudada, ainda que faça sentido para muita gente. Uma coisa é reduzir os exageros das contribuições sobre a folha de salários, cujo nível dificilmente tem paralelo no mundo. Penduraram na folha, ao longo de décadas, um monte de encargos que pouco ou nada têm a ver com o mundo da Previdência. Outra coisa, bem difrerente, é conseguir isso sem criar problemas colaterais mais graves. Vejamos nove dos muitos argumentos contrários à medida.
Primeiro, não é possível simplesmente eliminar a contribuição patronal ou outras cobradas na folha sem criar algo em seu lugar. Se a Previdência perder a respectiva arrecadação, o déficit do sistema, já grave, vai piorar. As contas públicas se deteriorariam mais. Não há saída pelo corte de despesas, dada a rigidez orçamentária brasileira. O governo está felizmente de acordo com este argumento.
Segundo, a ideia que circula no governo é ruim, isto é, substituir as contribuições por um novo imposto sobre o consumo, principalmente se a nova incidência for em cascata ou penalizar umas atividades mais do que outras. Os bancos seriam um dos alvos. Cobrar mais de bancos é simpático para a opinião pública, mas aumentará a taxa de juros para os tomadores finais. Ao contrário do que muitos pensam, os bancos repassam esses custos para frente, como qualquer empresa que paga tributos, particularmente os que incidem sobre o consumo.
Terceiro, a mudança penalizará proporcionalmente mais as empresas intensivas em tecnologia e beneficiará as intensivas em mão-de-obra. Pode criar sérios desequilíbrios econômicos e retirar a competitividade precisamente dos segmentos que adotam tecnologia mais avançada. Pior para o país.
Quarto, corre-se o risco de o governo cobrar mais do que o necessário para compensar a perda. De propósito ou por medo de errar, o pessoal da Receita tende a colocar uma robusta margem de segurança. Isso aconteceu com a Cofins, quando esta contribuição passou a ser cobrada pelo método do valor agregado. A arrecadação disparou, aumentando a carga tributária.
Quinto, essa ideia de substituir contribuições sobre a folha por um imposto sobre o consumo vem sendo discutida, em distintos períodos de governo, desde os anos 1970. Alguém arrisca dizer por que nunca avançou? Acertou quem disse que são muitos os riscos de uma piora geral, ainda que beneficie alguns segmentos.
Sexto, todos os países cobram a contribuição previdenciária sobre a folha de salários e não via impostos sobre vendas. Na folha, o potencial de sonegação é infinitamente menor do que no consumo. A única alternativa de sonegar na folha é manter os trabalhadores na informalidade, o que é cada vez mais difícil.
Sétimo, não dá para desonerar apenas um setor, a indústria, como parece ser a ideia do governo. Os demais entrarão na Justiça e provavelmente conseguirão a isonomia de tratamento. A margem de segurança calculada pela Receita iria para o brejo. Teria que haver um aumento da alíquota, o que agravaria os problemas da substituição.
Oitavo, até aqui não vi um estudo abalizado do governo mostrando os prós e os contras da proposta. Tudo que vazou até agora parece ter vindo de muitos lados, menos o da Receita Federal. Provavelmente os técnicos da Receita vão levantar argumentos para fulminar a ideia. O risco é o governo passar por cima de tudo e ir avante de forma voluntarista e irresponsável.
Nono, o governo faria melhor se examinasse a eliminação dos penduricalhos que pesam sobre a folha, deixando lá apenas o que faz sentido, isto é, a contribuição dos trabalhadores e empregadores, destinada a financiar a Previdência.
Se estes argumentos forem procedentes, como parece, basta o governo considerar alguns deles para desistir logo da sua idéia.
Faz falta um orçamento impositivo
A recente confusão em torno da liberação de recursos para as emendas parlamentares foi mais uma demonstração de atraso político e institucional em área crucial para o funcionamento do governo e da democracia. Mostrou também a capacidade do ministro da Fazenda de se meter em trapalhadas. Como se recorda, a presidente decidiu prorrogar a utilização de certos “restos a pagar” que incluíam emendas, cuja utilização vencia em 30 de junho passado. Acontece que o loquaz ministro (palavras de editorial do Estadão da semana passada) avisou que novas liberações ficariam bloqueadas por 90 dias, o que revoltou deputados e senadores. O ministro foi desmentido e a base se acalmou.
Isso acontece por causa de duas disfunções do sistema orçamentário e político do Brasil. A primeira é a aceitação da ideia de que o orçamento é “autorizativo”, isto é, o governo pode decidir não gastar o que não for obrigatório por lei, tais como despesas de pessoal, pagamento de pensões e aposentadorias, transferências constitucionais a Estados e municípios e outros semelhantes. A segunda é a utilização de emendas parlamentares como instrumento de barganha política entre o Executivo e o Legislativo.
Embora seja comum entre jornalistas, analistas e observadores, falar em orçamento “autorizativo” é uma aberração que não tem base histórica nem institucional. A aprovação do orçamento público pelo Parlamento é uma conquista construída ao longo de séculos de resistência ao absolutismo dos reis. Foi a forma de impor controles sobre os monarcas e retirar-lhe o poder de gastar a seu talante (normalmente para conduzir guerras). Sua contrapartida natural é a limitação do poder do rei para criar e impor tributos à sociedade. O orçamento é, pois, uma lei. Ao Poder Executivo não assiste o direito de decidir o que cumprir.
O artigo 165, § 8º, da Constituição diz que “a lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa”. A despesa é, pois, “fixa”. O que se “estima” é a receita. O legislador usou dois verbos exatamente para diferenciar os dois atos, o de gastar (obrigatório) e o de arrecadar (estimativo). O orçamento é, assim, impositivo, como acontece nas democracias modernas, particularmente dos países desenvolvidos. Dar ao Executivo o poder de comandar a despesa é voltar aos tempos medievais, como temos feito desde priscas eras. Infelizmente, a desinformação e a ignorância da História leva os próprios parlamentares a declarar que o orçamento é “autorizativo”. O conceito equivocado se firmou.
É verdade que poderia ser um desastre cumprir a lei orçamentária. O Congresso costuma superestimar a receita para abrigar emendas parlamentares. Desse modo, haveria uma expansão irresponsável dos gastos se o orçamento fosse cumprido. Há, felizmente, formas de obviar esse problema, já testadas em outros países. Na Alemanha, a estimativa do orçamento é feita por consultorias independentes. Nos Estados Unidos, o Congresso tem um órgão independente, o Congressional Budget Office, que faz sérias, responsáveis e acuradas estimativas da receita. No Brasil, poder-se-ia deixar a tarefa a uma comissão mista de técnicos do Executivo e do Congresso (que tem gente muito qualificada nessa área).
O orçamento impositivo poderia gerar outro problema. E se a receita não se comportasse conforme o previsto? Nesse caso, a Lei de Responsabilidade Fiscal já estabelece regras para ajustar a despesa à receita. Talvez fosse preciso mudar essa lei para estabelecer que a mudança deveria ser previamente aprovada pelo Congresso, sob rito sumário.
Com o orçamento impositivo, as emendas parlamentares seriam liberadas automaticamente, obedecendo apenas a um cronograma que levasse em conta o comportamento da receita e a necessidade de distribuir as liberações ao longo do exercício fiscal. As emendas perderiam a perversa de servir como instrumento de barganha. Hoje, os deputados chantageiam o Executivo caso os respectivos recursos não sejam liberados, ameaçando não votar projetos de interesse do governo ou votar a favor de projetos irresponsáveis (caso atual da emenda que equipara os salários das polícias e dos bombeiros de todo país aos dos seus congêneres de Brasília).
A qualidade da gestão pública e da democracia melhorariam substancialmente se a lei orçamentária fosse cumprida, com os cuidados aqui mencionados. As emendas parlamentares, que são comuns em todos os parlamentos, poderiam ser mais bem valorizadas.