Archive for maio, 2011
A Grécia não fugirá do calote
A dívida pública da Grécia se aproxima de 150% do PIB. É uma situação de insolvência. Servir uma dívida dessa magnitude em ambiente de estagnação econômica não é sustentável política, social nem financeiramente. Em algum momento, será preciso perdoar uma parte substancial. O calote é inevitável e virá mais cedo que se imagina.
A Grécia vive uma situação semelhante à da América Latina dos anos 1980. Também naquela época, taxas de juros relativamente baixas e facilidades de financiamento externo permitiram que os países da região embarcassem em amplos programas de investimento (e às vezes de consumo puro e simples), financiando-os com dívida externa. Com a parada brusca dos empréstimos externos em 1982, esses países ficaram insolventes. Precisavam se ajustar, mediante cortes de gastos e outras medidas. Os bancos também tinham que pagar o preço pela ressaca da festa de empréstimos, mas não estavam preparados para o perdão de parte de seus créditos. Era preciso tempo para os dois lados. No caso dos países, para promover dolorosas reformas. No caso dos bancos, para acumular reservas e provisões e assim conceder o desconto sem risco de quebrar. Quem acompanhou a saga das negociações e renegociações dos anos 1980 com os bancos e o FMI se lembrará do quanto foi difícil para todos. Em 1989, veio a solução com o Plano Brady. Os bancos concederam desconto de 35% (alguns tinham perdido muito mais, acima do dobro desse percentual, vendendo seus créditos no mercado secundário).
A crise grega é semelhante com duas fortes diferenças. Primeira, A Grécia é membro de um clube de ricos, que tem interesse em preservar o processo de integração econômica e evitar riscos de colapso da moeda única, o euro. A Grécia não teve, em momento algum, de suspender o pagamento de suas dívidas, como o fizeram os latino-americanos várias vezes. Um pacote de assistência costurado pela União Européia e pelo FMI supriu o país de recursos externos, na expectativa de que em algum momento os mercados voltariam a financiá-lo (o que não aconteceu). A segunda diferença está no campo político. Parece impossível sustentar anos de cortes de gastos e benefícios sociais, como ocorreu na América Latina. A Grécia é democrática, o que permite à sociedade organizada protestar contra as medidas e pressionar por soluções distintas das que vêm sendo adotadas. Na América Latina, praticamente todos os países estavam sob autoritarismo nos anos 1980, o que inibia esses movimentos. Na verdade, a crise acelerou a perda de legitimidade dos regimes militares.
Paolo Manasse mostrou enm artigo recente (www.voxeu.org/index.php?q=node/6553) como é inviável o ajuste prometido pela Grécia. Seria preciso que o país saísse de um déficit fiscal de 5% do PIB para um superávit de 7,5%, ou seja, um ajuste de 12,5% do PIB. Se feito em um ano, seria inviável politicamente. Se feito ao longo de anos, não resolveria o problema de insolvência. Se fosse concedido um desconto de 40% na dívida, a Grécia precisaria de um superávit primário de 4% do PIB, o que em tese seria viável, mas à custa de um monumental corte de gastos. A solução mágica seria a Grécia voltar a crescer. Esta seria, diz Manasse, a opção realista para evitar o calote. Se o crescimento fosse restabelecido, digamos à taxa anual de 1%, o superávit primário necessário cairia para 1,3% do PIB. Ninguém acredita nisso. Assim, a saída inevitável parece ser a do desconto, que se calcula precise ser de pelo menos 50% para a dívida se tornar sustentável e a Grécia renovar esperanças de voltar a crescer.
A taxa de juros dos papéis gregos bateu em 16,8% na semana passada, mais de duas vezes o nível de um ano atrás. Não há saída fora do desconto, mas, como na América Latina, os credores não estariam preparados para registrar as perdas, por não disporem de provisões e reservas em seus balanços. Haveria o risco de quebras. Assim, para obviar o problema, os bancos teriam que ser capitalizados pelos governos de seus respectivos países, que passariam a ser seus sócios. Em vez de desembolsar recursos para rolar as dívidas da Grécia, comprariam ações dessas instituições financeiras. Não vai ser fácil. Aqui e acolá a situação grega, pela qual também passarão Portugal e Irlanda (e talvez, teme-se, a Espanha e a Itália), ainda pode causar muitos sustos e turbulências nos mercados. Cedo ou tarde, contudo, o calote se imporá.
Palocci deve sobreviver à notícia da Folha sobre aumento de seu patrimônio
É pouco provável que o ministro Palocci perca o cargo por conta da reportagem da Folha de S. Paulo deste domingo, segundo a qual seu patrimônio aumentou 20 vezes entre 2006 e 2010, quando era deputado federal. Mais parece coisa de briga interna no PT do que um escândalo político fundamentado.
A matéria tem por base o contrato social e respectivas alterações da empresa de consultoria que ele fundou e da qual detém 99,9% do capital. Essa empresa registra dois imóveis em São Paulo, avaliados no total em mais de R$ 7 milhões. Palocci havia declarado, em 2006, patrimônio inferior a R$ 400 mil.
Acontece que Palocci fez tudo às claras. Registrou os imóveis na empresa, declarou seu patrimônio ao Imposto de Renda e informou os órgãos do governo, antes de assumir, que possuía a empresa. Às vésperas de assumir a Casa Civil, mudou o objeto social da consultoria, que passou a ser o da administração de seus dois imóveis. Evitava, assim, o conflito de interesse entre a atividade de consultoria econômica e o exercício do cargo.
Palocci é um sujeito experiente. Dificilmente cairia na bobeira de deixar tudo tão transparente se não tivesse seguro de que poderia provar a origem de seus ganhos. O noticiário destaca que ele se recusou a citar as empresas que seriam seus clientes. Embora isso possa ser visto com desconfiança, é assim que funciona. As empresas de consultoria não divulgam a lista de seus clientes, a menos que por eles autorizadas.
Em resumo, a menos que apareça algo realmente cabeludo, Palocci deve sobreviver à notícia. Fora o constrangimento natural em casos como esse, nada do que foi até agora divulgado é capaz de atingi-lo politicamente. Vale repetir, mas parece coisa de briga interna. Não é de hoje que facções internas do PT lutam para comer o fígado de seus adversários. E Palocci não é benquisto por algumas dessas facções.
Inflação: a volta dos velhos e imprestáveis remédios
Nos tempos da inflação crônica e fora de controle, o governo lançava mão do que podia. O objetivo não era vencer o mal, mas evitar que piorasse. A partir da segunda metade dos anos 1970, os preços subiam sempre, cada vez mais, por uma combinação de inflação crônica e indexação ampla de preços, salários e contratos. Era a chamada inércia inflacionária, que foi enfrentada sem sucesso com cinco congelamentos de preços e salárinos, e somente seria resolvida com a engenhosidade do Plano Real e da formação de condições internas e externas inexistentes nos planos anteriores.
Nessa época, a necessidade de agir sobre as expectativas levava o governo a usar exortações nas conversas com empresários. Adicionalmente, controlava com mão de ferro os preços dos bens e serviços produzidos pelas empresas estatais: gasolina, diesel, energia, telecomunicações, produtos siderúrgicos, água, esgotos, correios e por aí afora. Pedia-se que os empresários não repassassem custos aos preços ou que segurassem reajustes. A eficácia do apelo era praticamente nulo, por razões óbvias, mas se ganhava destaque no noticiário.
Pois o atual governo começa a lançar mão desses mecanismos em um contexto radicalmente distinto. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, em reunião com empresários de São Paulo, pediu para que eles não repassassem custos aos preços. Os empresários devem ter ouvido, ficado surpresos e esqueceram do pedido. O ministro de Minas e Energia agora ameaça reduzir preços da BR, a subsidiária da Petrobrás que tem uma de postos de gasolina e diesel. Pode?
O controle de preços das estatais gerou sérias consequencias no passado. Já os apelos ao patriotismo dos empresários, mesmo que ineficazes, faziam sentido em outra situação. Impressiona, assim, ver a amnésia dominar mentes em Brasília. O sinal é péssimo. Ou o governo tem dúvida de sua ação antiinflacionária – considerada insuficiente por muitos analistas, inclusive este escriba – ou se curva a instintos intervencionistas, movido pelo medo de que seus críticos estejam certos.