Década perdida na Europa: semelhanças com a da América Latina

Corretamente, após a quebra do banco Lehman Brothers em setembro de 2008, os países desenvolvidos adotaram ações para evitar o colapso do seu sistema financeiro, que teria consequencias econômicas e sociais desastrosas para todo o mundo. Os bancos centrais baixaram os juros para as proximidades do zero e injetaram liquidez abundante nos mercados. Do lado fiscal, o dinheiro público foi usado para resgatar instituições financeiras da falência, ao mesmo tempo que apoiavam gastos públicos para contrabalançar a contração do consumo e do investimento privados. Evitou-se o pior, mas o legado foi um aumento expressivo do endividamento público, que passou de 100% do PIB em países da Europa e se aproximou dessa marca nos Estados Unidos. Nada parecido acontecera desde a Segunda Guerra.

A conta desse processo chegou. Grécia e Irlanda são apenas a face visível de um problema grave. Ambos estão quebrados. Precisam reduzir o endividamento a níveis saudáveis, o que exige cortar gastos, aumentar impostos ou uma combinação dos dois. Cedo ou tarde, situação semelhante emergirá em outros países da região. Os candidatos mais óbvios são Portugal, Espanha e Itália. Por mais que neguem, vão terminar recebendo o socorro financeiro dos europeus mais ricos e do FMI. O ajuste fiscal se impõe em todos. Reduções de verbas para certos programas já foram anunciadas em vários países. Cortes de gastos, incluindo redução de salários de servidores públicos e de aposentados, se tornam lugar comum. A reação da opinião pública e de segmentos mais organizados já está nas ruas. Passeatas, quebra-quebras, protestos de toda ordem.

Já vimos esse filme na América Latina, nos anos 1980. A origem é semelhante. Nos anos 1970, a quase totalidade dos países da região ignorou os efeitos das crises do petróleo e da elevação dos juros americanos. Com acesso a crédito internacional fácil e abundante – resultante da reciclagem dos petrodólares pelos bancos americanos, europeus e japoneses – o Brasil e seus vizinhos mantiveram níveis de consumo insustentáveis, geradores de endividamento interno e externo igualmente insustentáveis. Como sempre acontece nesses casos, geram-se desequilíbrios que desaguam em tragédia. A moratória do México de 1982 revelou o drama que se mantiveram oculto por anos a fio. O pânico tomou conta dos bancos, que interromperam o suprimento de crédito à região. O ajuste à nova situação, que demandou desvalorizações cambiais e ajustes fiscais, trouxe uma recessão profunda e longa. A região voltou a respirar somente no final da primeira metade dos anos 1990. Foi a chamada “década perdida”, caracterizada por longos anos de estagnação ou baixo crescimento.

A situação latino-americana poderia ter sido outra se os bancos credores tivessem concedido o perdão parcial das dívidas. A necessidade de ajuste teria sido menor. A recuperação chegaria mais cedo. Ocorre que isso era quase impossível. Não havia como coordenar ações nesse sentido, nem impor as perdas aos bancos. A via unilateral, como o Brasil aprendeu com a desastrosa moratória da dívida externa de 1987, não era a solução. O país perdia de vez o pouco acesso que ainda tinha aos mercados internacionais de crédito e de capitais e destruía sua credibilidade, o que afetava os negócios em geral e inibia o fluxo de investimento estrangeiro. E mesmo que os bancos fossem forçados a conceder o desconto, a maioria quebraria. O terremoto atingiria todos, inclusive os endividados países da América Latina. A saída da crise exigiu tempo, paciência e muitas negociações. Com o tempo, ajustes foram feitos (a elevados custos políticos e sociais) e os bancos se prepararam para perder parte de seu crédito, via constituição de provisões em seus balanços.

A Europa vive situação parecida. A saída para a Grécia e a Irlanda é os credores participarem do sacrifício para que esses países se livrem do excesso de endividamento. Não há, todavia, como fazer isso agora, pois não existem mecanismos de coordenação que levem o sistema financeiro a aceitar as perdas. Além do mais, os bancos europeus podem quebrar se tiverem que dar o desconto. A situação é percebida por todos e o financiamento da dívida desses países fica cada vez mais caro e escasso. Daí os progrmas bilionários de salvamento, que evitam o pior mas prolongam a agonia. A falta de solução para o problema joga os europeus no caminho da estagnação ou do baixo crescimento. Em algum momento no futuro, haverá uma renegociação para promover o desconto. Não se sabe quando isso acontecerá nem de quanto tempo os bancos precisam para se preparar. Enquanto isso, os pacotes de ajuda dos governos e do FMI vão se suceder. Exatamente como na América Latina dos anos 1980.

Claro, nem tudo ocorre como nos anos 1980. A Europa é democrática. A América Latina da época vivia o autoritarismo, ainda que em seus estertores. Os ajustes são mais difíceis em regimes políticos abertos. Por outro lado, a necessidade de evitar o colapso do euro gera incentivos para ações mais fortes dos europeus e a rápida montagem de robustos pacotes de salvamento. Na América Latina daquela época, o FMI era quase o único provedor de dinheiro novo, ao lado de tímidas contribuições dos bancos. Seja como for, o resultado tende a ser o mesmo: uma década perdida para boa parte dos países europeus. Como foi também o caso do Japão nos anos 1990. Infelizmente.

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