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O PT continua sem entender a política monetária

Vejam a declaração feita hoje (3/6) pelo ministro Fernando Pimentel, do Desenvolvimento: “Como ministro da Indústria, acho que não precisa mais de alta de juros. Mas essa é uma questão do Banco Central”. Incrível, mas comum nos governos do PT.

O PT nunca engoliu a política econômica e tem dificuldade em entender como funciona a ação do Banco Central. Como se recorda, sua plataforma nas eleições de 2002 tinha como título “uma ruptura necessária”. Propunha uma mudança radical da política econômica, tida como “neoliberal”. Cheia de equívocos e movida por visões ideológicas, a plataforma promoveria um desastre de proporções chavistas. A intuição de Lula evitou que as bobagens tivessem curso. Decidiu-se manter a política econômica herdada de FHC, um pouco mais dura, para enfrentar tanto os resquícios de dúvidas quanto à linha do novo governo, quanto a inflação, que havia subido por conta da depreciação cambial e da deterioração das expectativas diante da vitória eleitoral do PT.

Pragmático, Lula manteve a política econômica, mas o PT jamais se conformou em ter visto seu programa ir para o lixo. Um de seus autores, o atual ministro da Fazenda, sempre foi um dos não-conformados. E continua tentando uma guinada na política econômica.

A declaração do ministro do Desenvolvimento é uma externalização dessa realidade. Em um governo pautado pela harmonia de seus componentes e por uma liderança forte, seria demitido. Onde já se viu um ministro externar opinião pessoal sobre a política monetária? Óbvio, o ministro permanecerá no governo. Primeiro, porque os mercados não ligarão para o que disse. Acostumaram-se a ouvir petistas falarem coisas semelhantes e nada acontecer. Segundo, porque os governos do PT toleram dualidades como esta, que em última análise representa uma crítica à presidente Dilma. Afinal, ela declarou várias vezes que o Banco Central é autônomo para conduzir a política monetária. Se o ministro discorda do BC, sua fala confronta a da presidente.

Mudou a política econômica?

No anúncio dos corte de despesas de R$ 50 bilhões nesta segunda-feira, o ministro da Fazenda repetiu mais de uma vez que a política econômica não havia mudado. No dia anterior, em entrevista à Folha de S. Paulo, S.Exa. enfatizou a continuidade que a seu ver caracterizava o atual governo, que denominou incompreensivelmente de “Lula3”, seja lá o que isso signifique. Qual seria o sentido da ênfase à permanência da política econômica?

Não há como discordar do ministro. A política econômica tem sido a mesma desde 1999, quando se introduziu os regimes de câmbio flutuante e de metas para a inflação. A partir de então, firmou-se o chamado tripé da política econômica, caracterizado por câmbio flutuante, política fiscal centrada na geração de superávits primários e metas de inflação fixadas pelo governo e perseguidas de forma autônoma pelo Banco Central. Nesses doze anos, o êxito dessa combinação de políticas públicas é inquestionável. A estabilidade macroeconômica assegurada pelo tripé constituiu o principal fator explicativo da resistência do país aos efeitos da severa crise financeira mundial de 2008.

Quando Guido Mantega foi confirmado no cargo pela presidente Dilma, surgiram especulações de que ele teria condicionado a aceitação do convite à determinação para que o Banco Central se alinhasse às teses da Fazenda e às suas críticas, veladas ou explícitas, à política monetária. Por isso, ele teria exigido a substituição de Henrique Meirelles na presidência do BC. Verdadeiras ou não tais especulações (há quem afirme ter ouvido Mantega confirmando a versão), é certo que segmentos da imprensa compraram a tese. Muitas reportagens passaram a tratar do suposto “alinhamento” do BC à Fazenda.

Analistas críticos da atuação do Banco Central festejaram a “mudança”. Um deles publicou mais de um artigo em cujos títulos incorporava a ideia de que estaria em curso uma nova política econômica, agora na linha da Fazenda. Houve quem, sem razão, enxergasse nas medidas macroprudenciais adotadas no final de 2010, isto é, o aumento dos depósitos compulsórios dos bancos no BC e de mais capital para certas operações de crédito ao consumidor, como uma prova da “mudança”. Em vez de juros, restrições ao crédito. A tese foi desmentida com o início de um novo ciclo de alevação dos juros a partir de janeiro deste ano, mas seus adeptos continuaram a divulgá-la.

Na verdade, a prática veio mostrar que foi a Fazenda que se alinhou e não o contrário. O BC conseguiu, via documentos que publica periodicamente ou por interlucução no governo, mostrar a necessidade do corte de despesas. Antes, a Fazenda justificava a excessiva expansão dos gastos, menosprezava os críticos e sustentava que o forte aumento das despesas não era causa de inflação. Mesmo que se duvide do cumprimento da meta de corte (que muito dependerá da execução orçamentária e da firmeza das autoridades da Fazenda), é fato que o anúncio do programa pelos ministros da Fazenda e do Planejamento representa uma inflexão nos rumos da política fiscal praticada em 2009 e 2010.

Embora a política econômica não tenha mudado desde 1999, sua qualidade piorou muito nos dois últimos anos. Isso incluiu grave perda da credibilidade da política fiscal, por conta do uso de subterfúgios e de contabilidade criativa para esconder o descumprimenmto da meta de superávit primário.

Repetindo, o ministro da Fazenda tem razão quando diz que a política econômica não mudou, mas ao curvar-se à necessidade dos cortes (e promovê-los efetivamente) S.Exa. pode estar contribuindo para restaurar a credibilidade da política fiscal e para melhorar a qualidade da política econômica.

Mantega deveria preocupar-se com a inflação e não com o pessimismo sobre a inflação

O ministro da Fazenda reagiu de forma estranha diante da inflação de janeiro, medida pelo IPCA e divulgada ontem pelo IBGE. Os preços avançaram 0,83%, o pior resultado desde abril 2005. Mantega se disse preocupado com o pessimismo que daí poderia se instalar. Na verdade, o ministro deveria ser preocupar com a inflação e não com o pessimismo dela decorrente. Em vez de tentar acalmar o distinto público com exortações ao bom comportamento, S.Exa. deveria afirmar que o ritmo de subida de preços o preocupa e por isso adotará medidas para evitar que a inflação fuja do controle.

Mantega continua a afirmar que os fatores determinantes da inflação são passageiros. Primeiro falou na alta de alimentos. Agora menciona transportes. Tudo isso é verdade, mas duas coisas deveriam chamar a atenção do ministro. Primeira, a alta de alimentos, que tudo indica vai perdurar por razões fora do controle do Brasil, pode contaminar outros preços. Segundo, há sinais inequívocos de inflação de demanda pelo lado dos serviços, que subiram 7,88% em doze meses, segundo a mesma divulgação do IBGE.

É correto buscar influenciar expectativas, mas não com declarações como as do ministro. Uma forma adequada de proceder, no seu caso, seria anunciar medidas críveis, que tornem inequívoca a reversão da deterioração fiscal dos últimos dois anos do governo Lula, quando Mantega estava no mesmo cargo. Assim, a política fiscal reforçaria o arsenal da política monetária. A taxa de juros poderia subir menos.

O governo promete divulgar cortes ainda hoje. Vamos dar o benefício da dúvida e esperar.

Dilma no Congresso: três promessas, três dificuldades

Em mais um bom exemplo, Dilma compareceu hoje ao Congresso para transmitir pessoalmente a mensagem anual do presidente. Ao que me lembro, é a primeira vez que isso ocorre. É uma demonstração inequívoca de apreço e certamente fará escola. As intenções manifestadas no discurso foram muito boas, malgrado o cacoete de atribuir ao governo Lula a exclusividade pelos avanços sociais do Brasil.

A fala presidencial incluiu três promessas que merecerão aplausos, mas dificilmente se realizarão. A primeira é a de promover uma reforma política, que ganhou palmas entusiasmadas dos parlamentares. A tarefa é gigantesca. A experiência mostra que reformas políticas acontecem quando os parlamentares se sentem melhor no futuro do que no atual regime politico-eleitoral. Qualquer proposta de reforma digna desse nome implicará o desaparecimento da maioria dos partidos. Restarão uns cinco efetivamente relevantes. A reforma estará inevitalmente concentrada em mudar a forma de eleger deputados e vereadores. Dificilmente se construirá o consenso necessário. Veremos.

A segunda promessa foi a da reforma tributária. Pode ser que haja um avanço aqui e outro acolá, mas não uma reforma efetiva, que mude a estrutura dos tributos, elimine o caos atual e nos legue um sistema racional. Qualquer reforma para valer implicará a reformulação ampla do ICMS, de preferência a junção de todas as incidências sobre o consumo em um IVA nacional, cobrado pelo governo federal e distribuído automaticamente com os Estados e municípios. Isso é impossível sem a concordância dos governadores e eles serão contra qualquer mudança que elimine seu poder de alterar o ICMS, subir e baixar alíquotas, criar regimes tributários, conceder incentivos fiscais, aumentar o campo da substituição tributária e assim por diante. Nem mesmo a desoneração dos investimentos, aparentemente uma parte fácil do processo, poderá ocorrer sem a concordância deles. O principal tributo sobre os investimentos é o ICMS.

A terceira promessa é investir em infraestrutura, particularmente nos aeroportos. Essa é viável, pois há recursos privados disponíveis e apetite para investir na área. Ocorre que sua concretização exigirá o abandono de visões ideológicas sobre privatização, particularmente sobre a concessão de serviços públicos de transporte e energia. É preciso criar marcos regulatórios geradores de confiança para os investidores. Será preciso abandonar o modelo de “modicidade tarifária”, que exige pesados subsídios via empréstimos do BNDES ou inibem a realização de investimentos pelos concessionários da área de transporte.

Em resumo, é preciso ver para crer.

As promessas econômicas para 2011 não fecham

Agora é internacional. O Brasil ganhou destaque pela má condução fiscal. O FMI divulgou ontem o seu periódico relatório sobre a situação fiscal no mundo, no qual alertou para a “brusca” piora do quadro fiscal brasileiro, em especial nos dois últimos anos do governo Lula. Em Davos, um concorrido seminário sobre a América Latina louvou a nova e auspiciosa realidade da região, onde 90% aprenderam os valores da gestão macroeconômica responsável. A preocupação residiu na trajetoria fiscal brasileira.

À exceção de alguns renitentes, incluindo gente do Ministério da Fazenda, é consensual a percepção de que vivemos uma perigosa trajetória inflacionária. Quem é capaz de enxergar os sinais de risco está de acordo que é preciso um esforço fiscal para repor o superávit primário em nível responsável e complementar o Banco Central em sua missão de fazer a inflação convergir para a meta de 4,5% (está em 6% neste momento).

Acontece que até agora o governo não disse como vai fazer o ajuste. Os mais céticos começam a desacreditar, fundados numa incômoda realidade. Afinal, será possível que o mesmo ministro da Fazenda que permitiu a farra fiscal fará exatamente o contrário? É preciso dar ao ministro o benefício da dúvida. O problema é que não será fácil atingir a meta anunciada de 3,1% do PIB sem cortar investimentos do PAC ou recorrer a lamentáveis mágicas contábeis. Em favor dos céticos está a ausência de um plano coerente, transparente e crível sobre as medidas para viabilizar o cumprimento da meta de superávit primário.

Ontem, a presidente prometeu que a inflação vai continuar sob controle e que os investimeentos do PAC não serão desbastados. Antes de sair de férias, o ministro da Fazenda anunciou que o PIB vai crescer 5,5% em 2011. Não há como fechar essa conta. As promessas são incoerentes entre si. Uma ou mais delas vão ter que ser esquecidas.

Mais gente desafinando no governo, agora na Previdência

Notas desafinadas na orquestra do governo são comuns em seu início. Muita gente chega sem tarimba de falar à imprensa, outros não dominam bem os assuntos de que vai cuidar e alguns tendem a externar suas próprias visões do mundo, sem levar em conta que agora fazem parte de um conjunto. Assim, devemos relevar os escorregões de ministros e outras autoridades neste começo. Já comentamos aqui as declarações do novo ministro do Desenvolvimento, que deitou falação sobre câmbio e juros, atribuindo equivocamente ao ministro da Fazenda a exclusividade para falar desses assuntos.

Agora foi a vez do novo ministro da Previdência, Garibaldi Alves. Como disse O Globo de hoje, ele anunciou estudo para substituir o fator previdenciário pela aposentadoria por idade mínima. O ministro ter-se-ia inspirado nas reclamações que recebeu, como parlamentar, contra o fator previdenciário, criado no governo FHC. A matéria acrescenta que gente do governo e especialistas dizem que o fator não cumpre mais seu objetivo inicial de retardar aposentadorias e pune quem começou a trabalhar mais cedo.

O fator previdenciário, como ensinam Fabio Giambiagi e Paulo Tafner em recente livro (Demografia: a ameaça invisível, Ed. Campus), “nada mais é do que o número resultante de uma fórmula que combina idade de aposentadoria, tempo de contribuição e a expectativa de sobrevida apontada pelo IBGE em função das tábuas de mortalidade atualizadas todos os anos”. Os cálculos atuariais da Previdência deveriam considerar o tempo de contribuição e a expectativa de vida pós aposentadoria, isto é, por quantos anos o índivíduo receberá o benefício. Se ele passar a viver mais do que o previsto, os cálculos ficam furados. Vai faltar dinheiro.

Como não é possível deixar de pagar a aposentadoria, existem quatro saídas para o problema. A primeira e mais racional seria aumentar o prazo de aposentadoria; a segunda, elevar as contribuições; a terceira (adotada no Brasil nos últimos anos), deixar o déficit aparecer e financiá-lo com dívida ou mais carga tributária incidente sobre todos e não apenas os aposentados; a quarta e mais desastrosa (adotada no Brasil por certo tempo) é conviver com a inflação, que corroi a valor das aposentadorias.

O fator previdenciário é um razoável substituto para a ampliação do prazo de aposentadoria. Foi inventado pelos suecos. Tem prestado enorme serviço ao Brasil, um dos pouquíssimos países onde sequer existe idade mínima para aposentadoria. O critério aqui é o de tempo de contribuição. O fator ajusta o valor das aposentadorias de acordo com a expectativa de vida pós aposentadoria, calculado com base nos estudos do IBGE. Essa expectativa tem aumentado muito nos últimos anos, o que é uma boa notícia para quem vive (um sinal de que o país melhora) e péssima para as contas da Previdência.

Com o fator, o brasileiro pode continuar a se aposentar por tempo de contribuição, mas receberá um valor menor do que receberia antes da sua instituição. Se quiser receber mais, terá que ficar mais tempo trabalhando (nem tanto quanto os europeus, japoneses, americanos, argentinos, mexicanos, etc, que se submetem à regra da idade mínima).

Mesmo que adotada a idade mínima no Brasil, o fator previdenciário teria que continuar (como na Suécia). Não há que falar em injustiça, pois a opçao de se aposentar cedo é do indivíduo. Como é natural, os aposentados não gostam da regra, pois ela lhe retira o que consideram um direito. Afinal, dizem, contribuíram “a vida toda”. Acontece que a regra visa a proteger a comunidade contra os efeitos sociais e econômicos negativos do déficit previdenciário (embora tenha gente pensante que diz não existir o déficit, um despautério).

O senador Paulo Paim (PT-RS), que acaba de renovar o mandato por mais oito anos, é o campeão da ideia de extinguir o fator previdenciário. Tem sempre um projeto de lei pronto para arrasar as contas da Previdência e um deles foi aprovado pelo Senado (ainda não pela Câmara). Os aposentados e familiares são a grande fonte de votos de Paim. Todos os cálculos já mostraram que a medida seria uma hecatombe financeira de consequencias imprevisíveis (mas todas ruins). Lula, que antes de chegar ao governo criticava o fator, deu-se conta de sua utilidade e se posicionou contra a proposta. A nova presidente certamente também é contra. Como é, então, que o novo ministro da Previdência diz que vai estudar o fim do fator? Ademais, se conhecemos bem os nossos congressistas, a tendência seria a de aprovar o fim de fator e manter o sistema de aposentadoria por tempo de contribuição, ou seja, o pior dos mundos.

Garibaldi, um homem sensato, provavelmente vai desistir da ideia. E se conformar de que não pode descascar o abacaxi que recebeu (como ele próprio disse) agradando aposentados e políticos.

Política econômica: sobre o “cavalo de pau” de Dilma

Fontes ligadas à presidente eleita disseram que ela não dará um “cavalo de pau” na economia. A declaração veio a propósito de dúvidas que começam a surgir sobre a condução da política econômica, dadas a confirmação de Guido Mantega para a Fazenda (o responsável pela deterioração fiscal recente e por minar princípios sadios adotados nas finanças federais) e pela saída, a esta altura praticamente certa, de Meirelles da presidência do Banco Central. Para a fonte, o BC vai manter sua autonomia operacional, exatamente como no governo Lula.

A declaração é ótima, mas o problema não está nesse compromisso, que é óbvio quando se sabe que Dilma tem perfeita noção dos custos políticos da volta da inflação. A alta dos preços, percebida como permanente, destroi a popularidade do governo e do presidente. O problema é de outra ordem, qual seja a designação de alguém com visões de mundo distintas das de Meirelles, que é seguramente o integrante mais bem sucedido da administração de Lula, se julgado pelos resultados da política monetária. Se a nova diretoria do BC for liderada por um “desenvolvimentista” que desacredita do mercado, adora a intervenção estatal na economia e crê que os juros estão altos para agradar banqueiros, o risco é o do experimentalismo. Não será uma guinada, mas uma ação sistemática rumo ao desastre, com as melhores intenções.

Na verdade, estaria na hora de aumentar a Selic. Os dados da inflação corrente desmentem cada vez mais a tese do Copom, de que a taxa de juros neutra (real) já teria chegado aos 5%. Este ano, a inflação está caminhando para ficar longe da meta de 4,5% (talvez mais próxima de 5,5%). A deterioração das expectativas inflacionárias é crescente e inequívoca. A nova diretoria do BC aumentaria a Selic na partida? Ou vai manter a Selic? Vai reduzi-la, contra todas as indicações em contrário? Pode estar aí o grande teste. Não seria a derrogação da autonomia do BC, mas uma ação voluntarista e grave dos novos dirigentes do BC.

Esperemos que o bom senso prevaleça. Para valer, o Copom deveria aumentar a Selic em sua última reunião sob o comando de Meirelles. Seria a prova de que a responsabilidade monetária vai continuar.

Novas incógnitas sobre o futuro governo e a política econômica

Até aqui, a incógnita era a própria presidente eleita, ainda que já se saiba muito sobre ela. Sabe-se de sua trajetória pessoal. Sabe-se da promessa, no dia da vitória eleitoral, de conceder autonomia operacional às agências reguladores (o Banco Central é uma delas). Sabe-se da declaração de que não brincará com a inflação e de que o nível de gastos públicos será sustentável. Nos dias seguintes, ela admitiu aumento maior do que o previsto para o salário mínimo, reajustes do Bolsa Família acima da inflação e simpatia pela restauração de malsinada CPMF. A contradição pode ser um resquício da campanha eleitoral. Sejamos compreensivos.

Sabe-se pouco, infelizmente sobre sua capacidade de conduzir bem um país tão complexo, de imprimir uma orientação sensata à política econômica, de avançar nas reformas, enfim de criar as condições para manter ou ampliar o potencial de crescimento da economia. Dilma acaba de acrescentar uma nova incógnita, agora sobre a gestão macroeconômica. Cresce a incerteza quanto à manutenção da promessa de manter o tripé básico: câmbio flutuante, metas de inflação perseguidas por um banco central autônomo e superávits primários suficientes para manter ou reduzir a relação entre a dívida pública e o PIB.

Três dúvidas surgem dessa incerteza. A primeira vem de sua decisão de manter o ministro da Fazenda, que teria resultado de pressões de Lula em favor da continuidade de Guido Mantega. Nada contra, pois essa prerrogativa é sua e ela certamente tem boa impressão dele. Se, todavia, for procedente a informação de que ela cedeu às pressões, cabe indagar: por que a nova presidente não teve autonomia para escolher o titular do mais importante ministro da área econômica? É preocupante.

A segunda dúvida deriva da escolha do nome em si. Dilma manterá à frente da Fazenda o responsável por grave deterioração fiscal e por minar princípios fundamentais das finanças públicas, como os da transparência e da previsibilidade. O ministro usou à larga truques contábeis e contorções operacionais para tentar mostrar (sem sucesso) que havia cumprido a meta de superávit primário em 2010. Trouxe de volta, via operações do BNDES, o condenável método, largamente utilizado no regime militar, de fazer despesas sem autorização legislativa, mediante a concessão de subsídios implícitos a empresas escolhidas pela burocracia. Só faz sentido se ele tiver se comprometido a reverter tudo isso.

A terceira dúvida está nos jornais de hoje: Meirelles não continuaria na presidência do Banco Central. A presidente eleita não teria gostado de ele ter vazado o convite para ficar, condicionando a aceitação à preservação da autonomia de operação do BC, isto é, para decidir sobre a taxa de juros sem ligar para as pressões da Fazenda, de classe política, de empresários, de líderes sindicais e quejandos. Se for verdade, é mais outro motivo de preocupação. A nova presidente reage mal a certos acontecimentos típicos deste momento de definição dos nomes de sua equipe.

Em meio a tudo isso, cumpre ressaltar que o êxito da gestão macroeconômica do período 2003-2010, que foi determinante para a popularidade de Lula e para a eleição de Dilma, deveu-se essencialmente à competência na condução da política monetária, sob a liderança de Meirelles. Há quem diga que a Fazenda teria sido a origem do sucesso, sobretudo durante a crise recente, mas essa visão tem escassa correspondência na realidade.

Seja como for, é preciso dar a Dilma um voto de confiança. Afinal, ela pode ter escolhido Mantega sob a orientação de que ele refará o caminho de volta, restabelecendo a confiança em uma política fiscal responsável e a credibilidade das informações sobre o respectivo desempenho. E pode designar um bom nome para o Banco Central (se Meirelles não permancer), embora seja díficil que alguém de peso aceite assumir o cargo em um ambiente no qual se propaga que o BC do governo Dilma será “desenvolvimentista” e subordinado às visões do ministro da Fazenda. É desastre praticamente certo e destruição sem piedade da reputação de quem estiver lá e aceitar o jogo.

A manutenção do voto de confiança na nova presidente de todos os brasileiros implica ter um pé atrás.

Carga tributária vai subir: é garantido

O Globo de hoje mostra que os brasileiros pagarão mais Imposto de Renda em 2011. Explicação: a tabela do IR-pessoa física não será reajustada. Como praticamente todos terão ganhos nominais de renda, a mordida será maior. Para muitos será pior, pois haverá os que mudarão de faixa, passando para a alíquota de 27,5%.

A presidente eleita vai trabalhar duro para aumentar a carga tributária. Os riscos de a CPMF voltar são grandes, principalmente depois que ela disse que o dinheiro é para a saúde e que os governadores é que estão pedindo. A jogada é conhecida. Transfere-se para outrem a responsibilidade de nossos próprios atos. O governo federal é quem quer o monstrengo ressuscitado, pois já falou em aumento real do salário mínimo e do Bolsa Família. Injeção direta na veia dos gastos. A malsinada CPMF acrescentará 1,5 ponto percentual do PIB na carga tributária.

Mas não é só por esses dois motivos que a carga tributária tende a crescer. A abertura de capital das empresas eleva a arrecadação. Submetida a auditoria externa e ao crivo dos investidores, não pode mais sonegar, o que é bom, mas significa mais receita.

A marcha inexorável do aumento da carga tem outra origem poderosa: o ICMS. Os Estados se encantaram de vez com a substituição tributária, desta vez com a adesão entusiasmada do Estado de São Paulo. Até recentemente, o fisco paulista era uma fortaleza a resistir à guerra fiscal e a outras ações que minam a qualidade do tributo. Na atual administração, São Paulo caiu na gandaia. O objetivo é arrecadar. A eficiência da economia e a boa alocação dos recursos que se danem. Na substituição tributária, o ICMS é arrecadado inteiramente na fonte de produção. O governo fixa arbitrariamente o valor adicionado na cadeia tributária e embolsa todo o ICMS de uma só vez. O problema é que distintas formas de produzir a mesma mercadoria variam de empresa para empresa. Há muitos outros problemas que não vale aqui comentar. O método arrebenta a qualidade do ICMS, mas combate eficazmente a sonegação. Como se sabe, os piores tributos são os mais eficazes em arrecadar.

E ainda tem gente acreditando que será possível uma reforma tributária no governo Dilma.

Desindustrialização: o equívoco é agora oficial

O jornal Valor de hoje publica com exclusividade um estudo “reservado” do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), que sustenta haver uma combinação de “desindustrialização negativa” com “reprimarização” da pauta de exportações. As duas teses são aceitas por segmentos da esquerda e por uma corrente de economistas que se autointitulam “desenvolvimentistas”. Essas ideias são no mínimo polêmicas e têm escassa sustentação na realidade.

Como falar em “desindustrialização” se o setor industrial opera perto de sua capacidade? A desindustrialização – medida pela participação do emprego industrial no total – é um processo natural na evolução da economia. No caminho de desenvolvimento, a agricultura perde participação para a indústria e esta passa depois o bastão aos serviços. Isso não quer dizer que esses setores encolhem, mas que os outros crescem mais rapidamente. E isso gera crescente bem-estar. Nos Estados Unidos, o emprego industrial está em torno de 9% e o país continuou crescendo (a estagnação atual tem outra origem, a crise financeira de 2008).

A tese de “reprimarização” se baseia mais na observação de uma planilha do que em estudos aprofundados. Segundo o MDIC, a participação dos produtos primários na pauta de exportações alcançou 43,4%, enquanto a dos industrializados ficou em 40,5%. Bingo! Estamos voltando à epoca do Jeca Tatu! Faltou ao MDIC dizer duas coisas: 1) que o aumento da participação dos primários é o resultado da maior demanda da China por nossos produtos agrícolas e pelo minério de ferro, nos quais somos altamente competitivos. O país deve comemorar e não lamentar. O México, que manda 80% de suas vendas externas para os Estados Unidos adoraria ter esse “desconforto”; 2) que a queda dos industrializados está influenciada pela baixa demanda e pela queda de preços nos países ricos, por causa da crise.

Um economista mediano poderia ensinar aos técnicos do MDIC como funciona a elasticidade nos produtos industriais. Eles reagem mais rapidamente do que os produtos primários a alterações na demanda. A queda nesta acarreta uma diminuição mais do que proporcional na venda de produtos industriais; uma subida faz os produtos industriais ganharem mais do que proporcionalmente. Esse economista poderia ainda dizer ainda que a ociosidade nos países ricos leva sua indústria a oferecer seus produtos a preços mais baixos, às vezes sem ganhar nada, apenas para se manter à tona. Essa desgraça alheia beneficia os consumidores brasileiros, principalmente os de bens de capital. A experiência mostra que a indústria brasileira se moderniza mais rapidamente em períodos como esses, pois a decorrente valorização cambial barateia o custo dos equipamentos e cria incentivos à sua importação. Claro, segmentos da indústria sofrem, mas o resultado líquido para o país, nesse campo, é positivo.

A indústria brasileira tem sofrido barbaridades com a perda de competitividade, mas atribuir isso exclusivamente ao câmbio, como tem sido o caso dos defensores da tese da “desindustrialização”, é um perigo. Pode levar o governo a adotar medidas extemporâneas e equivocadas para subir o câmbio e conceder subsídios aos exportadores. Um bom estudioso da evolução da economia brasileira mostrará facilmente que o custo desse “desenvolvimentismo” recai sobre os ombros das classes média e menos favorecidas. Aquela paga mais caro pelos produtos, estas enfrentam o custo muito amargo da perda de renda com a resultante inflação.

É preciso de vez entender que o problema da competitividade está nos custos sistêmicos que oneram os produtos brasileiros. O câmbio apenas amplifica o problema. E o caso da carga tributária excessiva e caótica. As empresas brasileiras gastam 2.600 horas por ano para cumprir obrigações tributárias, em comparação com 100 a 200 nos países ricos (até menos em alguns casos) e abaixo de 300 nos países emergentes com os quais competimos. A falta de investimentos em infraestrutura (que o PAC está a nos luz de resolver) dificulta a operação da logística, gerando ineficiências que prejudicam a indústria e a agricultura. Há produtos agrícolas que custam mais para transportar do que para produzir. A burocracia é infernal e tem piorado com o aparelhamento do Estado pelo governo do PT. O setor público tem sido povoado por pessoas cujas qualificações derivam mais de sua filiação partidária do que de competência para exercer os cargos.

Tentar resolver essas questões via câmbio e subsídios é o caminho para a repetição de erros do passado, que custaram caro à sociedade. Para quem quiser conhecer um pouco mais sobre a furada tese da “desindustrialização”, recomendo o estudo de Regis Bonelli e Samuel Pessoa, publicado pela FGV, encontrável no site da FGV.
http://portal.fgv.br.