Archive for novembro, 2010

Década perdida na Europa: semelhanças com a da América Latina

Corretamente, após a quebra do banco Lehman Brothers em setembro de 2008, os países desenvolvidos adotaram ações para evitar o colapso do seu sistema financeiro, que teria consequencias econômicas e sociais desastrosas para todo o mundo. Os bancos centrais baixaram os juros para as proximidades do zero e injetaram liquidez abundante nos mercados. Do lado fiscal, o dinheiro público foi usado para resgatar instituições financeiras da falência, ao mesmo tempo que apoiavam gastos públicos para contrabalançar a contração do consumo e do investimento privados. Evitou-se o pior, mas o legado foi um aumento expressivo do endividamento público, que passou de 100% do PIB em países da Europa e se aproximou dessa marca nos Estados Unidos. Nada parecido acontecera desde a Segunda Guerra.

A conta desse processo chegou. Grécia e Irlanda são apenas a face visível de um problema grave. Ambos estão quebrados. Precisam reduzir o endividamento a níveis saudáveis, o que exige cortar gastos, aumentar impostos ou uma combinação dos dois. Cedo ou tarde, situação semelhante emergirá em outros países da região. Os candidatos mais óbvios são Portugal, Espanha e Itália. Por mais que neguem, vão terminar recebendo o socorro financeiro dos europeus mais ricos e do FMI. O ajuste fiscal se impõe em todos. Reduções de verbas para certos programas já foram anunciadas em vários países. Cortes de gastos, incluindo redução de salários de servidores públicos e de aposentados, se tornam lugar comum. A reação da opinião pública e de segmentos mais organizados já está nas ruas. Passeatas, quebra-quebras, protestos de toda ordem.

Já vimos esse filme na América Latina, nos anos 1980. A origem é semelhante. Nos anos 1970, a quase totalidade dos países da região ignorou os efeitos das crises do petróleo e da elevação dos juros americanos. Com acesso a crédito internacional fácil e abundante – resultante da reciclagem dos petrodólares pelos bancos americanos, europeus e japoneses – o Brasil e seus vizinhos mantiveram níveis de consumo insustentáveis, geradores de endividamento interno e externo igualmente insustentáveis. Como sempre acontece nesses casos, geram-se desequilíbrios que desaguam em tragédia. A moratória do México de 1982 revelou o drama que se mantiveram oculto por anos a fio. O pânico tomou conta dos bancos, que interromperam o suprimento de crédito à região. O ajuste à nova situação, que demandou desvalorizações cambiais e ajustes fiscais, trouxe uma recessão profunda e longa. A região voltou a respirar somente no final da primeira metade dos anos 1990. Foi a chamada “década perdida”, caracterizada por longos anos de estagnação ou baixo crescimento.

A situação latino-americana poderia ter sido outra se os bancos credores tivessem concedido o perdão parcial das dívidas. A necessidade de ajuste teria sido menor. A recuperação chegaria mais cedo. Ocorre que isso era quase impossível. Não havia como coordenar ações nesse sentido, nem impor as perdas aos bancos. A via unilateral, como o Brasil aprendeu com a desastrosa moratória da dívida externa de 1987, não era a solução. O país perdia de vez o pouco acesso que ainda tinha aos mercados internacionais de crédito e de capitais e destruía sua credibilidade, o que afetava os negócios em geral e inibia o fluxo de investimento estrangeiro. E mesmo que os bancos fossem forçados a conceder o desconto, a maioria quebraria. O terremoto atingiria todos, inclusive os endividados países da América Latina. A saída da crise exigiu tempo, paciência e muitas negociações. Com o tempo, ajustes foram feitos (a elevados custos políticos e sociais) e os bancos se prepararam para perder parte de seu crédito, via constituição de provisões em seus balanços.

A Europa vive situação parecida. A saída para a Grécia e a Irlanda é os credores participarem do sacrifício para que esses países se livrem do excesso de endividamento. Não há, todavia, como fazer isso agora, pois não existem mecanismos de coordenação que levem o sistema financeiro a aceitar as perdas. Além do mais, os bancos europeus podem quebrar se tiverem que dar o desconto. A situação é percebida por todos e o financiamento da dívida desses países fica cada vez mais caro e escasso. Daí os progrmas bilionários de salvamento, que evitam o pior mas prolongam a agonia. A falta de solução para o problema joga os europeus no caminho da estagnação ou do baixo crescimento. Em algum momento no futuro, haverá uma renegociação para promover o desconto. Não se sabe quando isso acontecerá nem de quanto tempo os bancos precisam para se preparar. Enquanto isso, os pacotes de ajuda dos governos e do FMI vão se suceder. Exatamente como na América Latina dos anos 1980.

Claro, nem tudo ocorre como nos anos 1980. A Europa é democrática. A América Latina da época vivia o autoritarismo, ainda que em seus estertores. Os ajustes são mais difíceis em regimes políticos abertos. Por outro lado, a necessidade de evitar o colapso do euro gera incentivos para ações mais fortes dos europeus e a rápida montagem de robustos pacotes de salvamento. Na América Latina daquela época, o FMI era quase o único provedor de dinheiro novo, ao lado de tímidas contribuições dos bancos. Seja como for, o resultado tende a ser o mesmo: uma década perdida para boa parte dos países europeus. Como foi também o caso do Japão nos anos 1990. Infelizmente.

Por que Palocci será peça chave no governo Dilma

A escolha de Antonio Palocci para ministro-chefe da Casa Civil é uma boa notícia. Mesmo que se diga o contrário, ele será o mais poderoso ministro do governo Dilma. O poder de quem ocupa a posição deriva de duas circunstâncias. Primeira, passam pela Casa Civil todos os atos que requeiram a aprovação do presidente da República. Mesmo que um ministro obtenha a assinatura presidencial em ato de governo, seu encaminhamento ao Diário Oficla depende da Casa Civil. Assim, o titular da pasta é um filtro natural, que o guinda normalmente à condição de coordenador das ações institucionais mais importantes. Em segundo lugar, o chefe da Casa Civil estará a apenas um andar de distância da presidente. Terá mais de uma reunião diária com ela. A capacidade de influência, para o bem ou para o mal, é inequívoca. Dependerá apenas do ministro o grau de sua exposição à mídia. Mesmo que não o faça, será percebido como poderoso.

Palocci é um dos mais sensatos petistas e o que mais conhece economia. Poderá ter papel importante na neutralização das pressões que virão do Ministério da Fazenda contra a ação do Banco Central. Foi ele quem conseguiu, no inicio do primeiro mandato de Lula, submergir as críticas do diretório nacional do PT, sempre que este aprovava moções contra a política monetária. Poderá influenciar positivamente o governo na questão das reformas, particularmente das chamadas “reformas microeconômicas”.

Não acredite nessa história de “desidratar” a Casa Civil para diminuir seu status. O errado foi dar funções executivas à pasta, como a coordenação do PAC. A Casa Civil não tem estrutura para exercer funções executivas, nem jamais foi o seu papel. Isso aconteceu como parte da estratégia de Lula de dar visibilidade a Dilma. A eliminação dessas funções, se acontecer, liberará Palocci para atuar como deve, inclusive nas articulações intragoverno, com o Congresso e com o empresariado, no qual tem trânsito e credibilidade.

Lula e o caos aéreo: a inversão da lógica

Ninguém pode ter dúvida. O presidente Lula tem uma capacidade inacreditável de transformar o passado em fracasso e seu próprio fracasso em sucesso. Ao responder a uma pergunta sobre o mau funcionamento dos aeroportos, ele comemorou a confusão nos terminais em vez de desculpar-se ou prometer solução. Para ele, é melhor que os aeroportos estejam congestionados, sem atender bem os seus usuários do que quando estavam vazios e os aviões também partiam vazios. À parte o exagero, só faltou dizer que a culpa é dos governos anteriores, principalmente o de FHC.

Lula inverte a lógica para dar a entender que o caos deve ser festejado, pois decorreria do crescimento da economia, que ele produziu (o Brasil teria ficado parado desde Pedro Álvares Cabral!). Na verdade, a situação dos aeroportos seria outra caso nos seus oito anos de governo ele tivesse recorrido a ações ousadas. Sequer precisaria privatizar, como fazem com sucesso outros países, já que o PT abomina a palavra, mas tão-somente dotar a Infraero de dirigentes qualificados e gastar menos em despesas correntes (o que abriria espaço no Orçamento para novos investimentos, inclusive na infraestrutura aeroportuária).

A China tem crescido mais do que o Brasil. Nos anos Lula, o tráfico de passageiros cresceu a um ritmo muito superior ao do Brasil. E mesmo assim não se vê caos aéreo por lá. Quem visitou Beijing e Xangai, mesmo antes das Olimpíadas, encontrou amplos, bonitos e confortáveis aeroportos, com serviços impecáveis. Aeroportos congestinados não são para celebrar, mas para lamentar. A incompetência e o viés ideológico do governo é que explicam o problema. O crescimento deve ser comemorado, mas não servir de álibi para a inépcia. É por isso que o presidente da IATA, a Associação Internacional de Transporte Aéreo , Giovanni Bisignani, disse que “a infraestrutura de transporte aéreo (do Brasil) é um desastre de proporções crescentes”. E quando vier a Copa? E as Olimpíadas?

Política econômica: sobre o “cavalo de pau” de Dilma

Fontes ligadas à presidente eleita disseram que ela não dará um “cavalo de pau” na economia. A declaração veio a propósito de dúvidas que começam a surgir sobre a condução da política econômica, dadas a confirmação de Guido Mantega para a Fazenda (o responsável pela deterioração fiscal recente e por minar princípios sadios adotados nas finanças federais) e pela saída, a esta altura praticamente certa, de Meirelles da presidência do Banco Central. Para a fonte, o BC vai manter sua autonomia operacional, exatamente como no governo Lula.

A declaração é ótima, mas o problema não está nesse compromisso, que é óbvio quando se sabe que Dilma tem perfeita noção dos custos políticos da volta da inflação. A alta dos preços, percebida como permanente, destroi a popularidade do governo e do presidente. O problema é de outra ordem, qual seja a designação de alguém com visões de mundo distintas das de Meirelles, que é seguramente o integrante mais bem sucedido da administração de Lula, se julgado pelos resultados da política monetária. Se a nova diretoria do BC for liderada por um “desenvolvimentista” que desacredita do mercado, adora a intervenção estatal na economia e crê que os juros estão altos para agradar banqueiros, o risco é o do experimentalismo. Não será uma guinada, mas uma ação sistemática rumo ao desastre, com as melhores intenções.

Na verdade, estaria na hora de aumentar a Selic. Os dados da inflação corrente desmentem cada vez mais a tese do Copom, de que a taxa de juros neutra (real) já teria chegado aos 5%. Este ano, a inflação está caminhando para ficar longe da meta de 4,5% (talvez mais próxima de 5,5%). A deterioração das expectativas inflacionárias é crescente e inequívoca. A nova diretoria do BC aumentaria a Selic na partida? Ou vai manter a Selic? Vai reduzi-la, contra todas as indicações em contrário? Pode estar aí o grande teste. Não seria a derrogação da autonomia do BC, mas uma ação voluntarista e grave dos novos dirigentes do BC.

Esperemos que o bom senso prevaleça. Para valer, o Copom deveria aumentar a Selic em sua última reunião sob o comando de Meirelles. Seria a prova de que a responsabilidade monetária vai continuar.

Novas incógnitas sobre o futuro governo e a política econômica

Até aqui, a incógnita era a própria presidente eleita, ainda que já se saiba muito sobre ela. Sabe-se de sua trajetória pessoal. Sabe-se da promessa, no dia da vitória eleitoral, de conceder autonomia operacional às agências reguladores (o Banco Central é uma delas). Sabe-se da declaração de que não brincará com a inflação e de que o nível de gastos públicos será sustentável. Nos dias seguintes, ela admitiu aumento maior do que o previsto para o salário mínimo, reajustes do Bolsa Família acima da inflação e simpatia pela restauração de malsinada CPMF. A contradição pode ser um resquício da campanha eleitoral. Sejamos compreensivos.

Sabe-se pouco, infelizmente sobre sua capacidade de conduzir bem um país tão complexo, de imprimir uma orientação sensata à política econômica, de avançar nas reformas, enfim de criar as condições para manter ou ampliar o potencial de crescimento da economia. Dilma acaba de acrescentar uma nova incógnita, agora sobre a gestão macroeconômica. Cresce a incerteza quanto à manutenção da promessa de manter o tripé básico: câmbio flutuante, metas de inflação perseguidas por um banco central autônomo e superávits primários suficientes para manter ou reduzir a relação entre a dívida pública e o PIB.

Três dúvidas surgem dessa incerteza. A primeira vem de sua decisão de manter o ministro da Fazenda, que teria resultado de pressões de Lula em favor da continuidade de Guido Mantega. Nada contra, pois essa prerrogativa é sua e ela certamente tem boa impressão dele. Se, todavia, for procedente a informação de que ela cedeu às pressões, cabe indagar: por que a nova presidente não teve autonomia para escolher o titular do mais importante ministro da área econômica? É preocupante.

A segunda dúvida deriva da escolha do nome em si. Dilma manterá à frente da Fazenda o responsável por grave deterioração fiscal e por minar princípios fundamentais das finanças públicas, como os da transparência e da previsibilidade. O ministro usou à larga truques contábeis e contorções operacionais para tentar mostrar (sem sucesso) que havia cumprido a meta de superávit primário em 2010. Trouxe de volta, via operações do BNDES, o condenável método, largamente utilizado no regime militar, de fazer despesas sem autorização legislativa, mediante a concessão de subsídios implícitos a empresas escolhidas pela burocracia. Só faz sentido se ele tiver se comprometido a reverter tudo isso.

A terceira dúvida está nos jornais de hoje: Meirelles não continuaria na presidência do Banco Central. A presidente eleita não teria gostado de ele ter vazado o convite para ficar, condicionando a aceitação à preservação da autonomia de operação do BC, isto é, para decidir sobre a taxa de juros sem ligar para as pressões da Fazenda, de classe política, de empresários, de líderes sindicais e quejandos. Se for verdade, é mais outro motivo de preocupação. A nova presidente reage mal a certos acontecimentos típicos deste momento de definição dos nomes de sua equipe.

Em meio a tudo isso, cumpre ressaltar que o êxito da gestão macroeconômica do período 2003-2010, que foi determinante para a popularidade de Lula e para a eleição de Dilma, deveu-se essencialmente à competência na condução da política monetária, sob a liderança de Meirelles. Há quem diga que a Fazenda teria sido a origem do sucesso, sobretudo durante a crise recente, mas essa visão tem escassa correspondência na realidade.

Seja como for, é preciso dar a Dilma um voto de confiança. Afinal, ela pode ter escolhido Mantega sob a orientação de que ele refará o caminho de volta, restabelecendo a confiança em uma política fiscal responsável e a credibilidade das informações sobre o respectivo desempenho. E pode designar um bom nome para o Banco Central (se Meirelles não permancer), embora seja díficil que alguém de peso aceite assumir o cargo em um ambiente no qual se propaga que o BC do governo Dilma será “desenvolvimentista” e subordinado às visões do ministro da Fazenda. É desastre praticamente certo e destruição sem piedade da reputação de quem estiver lá e aceitar o jogo.

A manutenção do voto de confiança na nova presidente de todos os brasileiros implica ter um pé atrás.

Carga tributária vai subir: é garantido

O Globo de hoje mostra que os brasileiros pagarão mais Imposto de Renda em 2011. Explicação: a tabela do IR-pessoa física não será reajustada. Como praticamente todos terão ganhos nominais de renda, a mordida será maior. Para muitos será pior, pois haverá os que mudarão de faixa, passando para a alíquota de 27,5%.

A presidente eleita vai trabalhar duro para aumentar a carga tributária. Os riscos de a CPMF voltar são grandes, principalmente depois que ela disse que o dinheiro é para a saúde e que os governadores é que estão pedindo. A jogada é conhecida. Transfere-se para outrem a responsibilidade de nossos próprios atos. O governo federal é quem quer o monstrengo ressuscitado, pois já falou em aumento real do salário mínimo e do Bolsa Família. Injeção direta na veia dos gastos. A malsinada CPMF acrescentará 1,5 ponto percentual do PIB na carga tributária.

Mas não é só por esses dois motivos que a carga tributária tende a crescer. A abertura de capital das empresas eleva a arrecadação. Submetida a auditoria externa e ao crivo dos investidores, não pode mais sonegar, o que é bom, mas significa mais receita.

A marcha inexorável do aumento da carga tem outra origem poderosa: o ICMS. Os Estados se encantaram de vez com a substituição tributária, desta vez com a adesão entusiasmada do Estado de São Paulo. Até recentemente, o fisco paulista era uma fortaleza a resistir à guerra fiscal e a outras ações que minam a qualidade do tributo. Na atual administração, São Paulo caiu na gandaia. O objetivo é arrecadar. A eficiência da economia e a boa alocação dos recursos que se danem. Na substituição tributária, o ICMS é arrecadado inteiramente na fonte de produção. O governo fixa arbitrariamente o valor adicionado na cadeia tributária e embolsa todo o ICMS de uma só vez. O problema é que distintas formas de produzir a mesma mercadoria variam de empresa para empresa. Há muitos outros problemas que não vale aqui comentar. O método arrebenta a qualidade do ICMS, mas combate eficazmente a sonegação. Como se sabe, os piores tributos são os mais eficazes em arrecadar.

E ainda tem gente acreditando que será possível uma reforma tributária no governo Dilma.

Desindustrialização: o equívoco é agora oficial

O jornal Valor de hoje publica com exclusividade um estudo “reservado” do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), que sustenta haver uma combinação de “desindustrialização negativa” com “reprimarização” da pauta de exportações. As duas teses são aceitas por segmentos da esquerda e por uma corrente de economistas que se autointitulam “desenvolvimentistas”. Essas ideias são no mínimo polêmicas e têm escassa sustentação na realidade.

Como falar em “desindustrialização” se o setor industrial opera perto de sua capacidade? A desindustrialização – medida pela participação do emprego industrial no total – é um processo natural na evolução da economia. No caminho de desenvolvimento, a agricultura perde participação para a indústria e esta passa depois o bastão aos serviços. Isso não quer dizer que esses setores encolhem, mas que os outros crescem mais rapidamente. E isso gera crescente bem-estar. Nos Estados Unidos, o emprego industrial está em torno de 9% e o país continuou crescendo (a estagnação atual tem outra origem, a crise financeira de 2008).

A tese de “reprimarização” se baseia mais na observação de uma planilha do que em estudos aprofundados. Segundo o MDIC, a participação dos produtos primários na pauta de exportações alcançou 43,4%, enquanto a dos industrializados ficou em 40,5%. Bingo! Estamos voltando à epoca do Jeca Tatu! Faltou ao MDIC dizer duas coisas: 1) que o aumento da participação dos primários é o resultado da maior demanda da China por nossos produtos agrícolas e pelo minério de ferro, nos quais somos altamente competitivos. O país deve comemorar e não lamentar. O México, que manda 80% de suas vendas externas para os Estados Unidos adoraria ter esse “desconforto”; 2) que a queda dos industrializados está influenciada pela baixa demanda e pela queda de preços nos países ricos, por causa da crise.

Um economista mediano poderia ensinar aos técnicos do MDIC como funciona a elasticidade nos produtos industriais. Eles reagem mais rapidamente do que os produtos primários a alterações na demanda. A queda nesta acarreta uma diminuição mais do que proporcional na venda de produtos industriais; uma subida faz os produtos industriais ganharem mais do que proporcionalmente. Esse economista poderia ainda dizer ainda que a ociosidade nos países ricos leva sua indústria a oferecer seus produtos a preços mais baixos, às vezes sem ganhar nada, apenas para se manter à tona. Essa desgraça alheia beneficia os consumidores brasileiros, principalmente os de bens de capital. A experiência mostra que a indústria brasileira se moderniza mais rapidamente em períodos como esses, pois a decorrente valorização cambial barateia o custo dos equipamentos e cria incentivos à sua importação. Claro, segmentos da indústria sofrem, mas o resultado líquido para o país, nesse campo, é positivo.

A indústria brasileira tem sofrido barbaridades com a perda de competitividade, mas atribuir isso exclusivamente ao câmbio, como tem sido o caso dos defensores da tese da “desindustrialização”, é um perigo. Pode levar o governo a adotar medidas extemporâneas e equivocadas para subir o câmbio e conceder subsídios aos exportadores. Um bom estudioso da evolução da economia brasileira mostrará facilmente que o custo desse “desenvolvimentismo” recai sobre os ombros das classes média e menos favorecidas. Aquela paga mais caro pelos produtos, estas enfrentam o custo muito amargo da perda de renda com a resultante inflação.

É preciso de vez entender que o problema da competitividade está nos custos sistêmicos que oneram os produtos brasileiros. O câmbio apenas amplifica o problema. E o caso da carga tributária excessiva e caótica. As empresas brasileiras gastam 2.600 horas por ano para cumprir obrigações tributárias, em comparação com 100 a 200 nos países ricos (até menos em alguns casos) e abaixo de 300 nos países emergentes com os quais competimos. A falta de investimentos em infraestrutura (que o PAC está a nos luz de resolver) dificulta a operação da logística, gerando ineficiências que prejudicam a indústria e a agricultura. Há produtos agrícolas que custam mais para transportar do que para produzir. A burocracia é infernal e tem piorado com o aparelhamento do Estado pelo governo do PT. O setor público tem sido povoado por pessoas cujas qualificações derivam mais de sua filiação partidária do que de competência para exercer os cargos.

Tentar resolver essas questões via câmbio e subsídios é o caminho para a repetição de erros do passado, que custaram caro à sociedade. Para quem quiser conhecer um pouco mais sobre a furada tese da “desindustrialização”, recomendo o estudo de Regis Bonelli e Samuel Pessoa, publicado pela FGV, encontrável no site da FGV.
http://portal.fgv.br.

Economia mundial: turbulências à vista

A economia mundial corre o risco de novas turbulências. A crise mudou de natureza. Era financeira e agora é de crescimento. Menos grave, mas não menos preocupante. O desequilíbrio macroeconômico mundial persiste. Sua origem básica está na política cambial chinesa e no endividamento excessivo das famílias nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos como Reino Unido, propiciado por má regulação bancária e por alavancagem irresponsável de instituições financeiras. Ainda não é uma “guerra cambial”, mas pode chegar lá.

A ação dos países ricos para debelar a crise financeira resultou em excessivo endividamento, que em alguns casos já beira ao risco de insolvência, como se teme venha a ocorrer com a Irlanda. Na Grécia, que teve de ser resgatada por um forte pacote de ajuda financeira, a causa foi a euforia de consumo e o endividamento permitidos pela queda da taxa de juros, em decorrência de sua adesão ao euro.

Longos períodos de estagnação ou baixo crescimento, como periga ser o caso nos países desenvolvidos, costumam originar ações populistas, em resposta a demandas de solução fácil para o problema do desemprego e da piora das condições sociais. Medidas inconsequentes para contentar os eleitores podem ter efeitos colaterais como o de exportar a crise para outros países e provocar retaliações. Foi por aí que se formou a guerra comercial dos anos 1930, um dos fatores de agravamento da Grande Depressão.  Neste momento, uma fonte adicional de preocupação advém da ausência de lideranças com capacidade de coordenar ações para evitar que o mundo deslize para o pior. A reunião do G20 em Seul foi uma prova desse vazio.

A nova presidente do Brasil pode tomar posse sob o desafio de enfrentar um quadro internacional profundamente distinto daquele que caracterizou a quase totalidade dos dois períodos de governo de seu padrinho político. Oxalá se encontre uma saída para evitar o pior no mundo rico e a nova chefe do nosso governo tenha a capacidade de não se deixar levar por medidas insensatas para lidar com a eventual crise e atalhos para o crescimento, que costumam dar errado. Seria suicídio político.