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Conselhão: mais espuma do que animação da economia
Fala-se que Dilma vai reativar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), conhecido como Conselhão. O objetivo seria restabelecer o diálogo com a sociedade e buscar saídas para a crise. A presidente teria convidado pessoas de destaque – banqueiros, empresários, executivos e líderes sindicais – para integrar o CDES.
O Conselhão foi criado por Lula em 2003, no seu primeiro mandato. Chegou-se a falar, na época, em colher sugestões para negociar um pacto social nos moldes dos Pactos de Moncloa, que permitiram à Espanha enfrentar a crise do fim dos anos 1970 e completar a transição para a democracia.
Na realidade, o Conselhão tornou-se palco para o marketing político e para gerar a impressão de que o setor privado contribuía para formular propostas para resolver problemas do país.
O CDES se inspirou nos pactos sociais europeus posteriores à Segunda Guerra, que de fato contribuíram para lidar com os desafios da integração econômica. Acontece que eles refletiam condições sociais, culturais e institucionais inexistentes no Brasil. Ocorreram em sociedades caracterizadas por estruturas que asseguravam efetiva representatividade aos participantes e aceitação de suas cláusulas pelos representados.
A reativação do Conselhão vai gerar notícia. Será local para discursos oficiais que prometem uma inviável recuperação da economia no curto prazo. Dificilmente mudará para melhor as expectativas. Animar a economia depende mais de ações que restaurem a confiança de empresários e consumidores do que de aplausos e oportunidades para fotografias. Não veremos ideias com chances de se tornar realidade.
Ideias loucas para uso das reservas internacionais
A desinformação costuma ser fonte de propostas econômicas sem fundamento. A mais recente é a ideia de utilizar as reservas internacionais para ajudar Estados e municípios a enfrentar sua grave crise financeira ou para realizar investimentos de infraestrutura. Isso não faz o menor sentido. Está certo o ministro da Fazenda em rejeitar a proposta.
Há muitas razões para descartar a ideia, mas aqui vão as que me parecem as principais:
1) as reservas estão fora do país, em moeda estrangeira, aplicadas geralmente em títulos emitidos por governos ou organizações multilaterais. Os gastos seriam feitos em moeda local, isto é, em reais. Como resolver o problema?
2) o Banco Central teria que vender reservas no mercado local, recebendo reais em troca. Acontece que o BC não pode fazer empréstimos a instituições não-financeiras, como Estados, municípios ou concessionários de serviços de infraestrutura. Aí começa a complicar. Como fazer?
3) A solução seria o BC usar os recursos para comprar papéis do Tesouro no mercado secundário. A operação abriria espaço para o Tesouro emitir novos títulos no mercado primário. o Tesouro poderia entregar os recursos ao BNDES, para que este os emprestasse. Nova complicação: o Tesouro despejou R$ 500 bilhões no banco para a concessão de empréstimos subsidiados, o que criou muitos problemas. O governo se comprometeu a suspender essa operação. Recomeçaria tudo, arriscando-se a perder mais credibilidade? Como sair dessa?
4) Uma saída seria o governo propor ao Congresso a abertura de crédito adicional do Orçamento para ajudar Estados e municípios ou financiar obras de infraestrutura. A fonte de recursos seriam os recursos decorrentes da emissão de novos títulos. E como eles iriam para o setor público? Empréstimos a Estados e municípios ou simples dotação a fundo perdido? Mais complicação;
Se nada disso bastasse, a coisa mais louca seria a própria venda das reservas no mercado local. Isso criaria pelo menos três problemas:
a) a venda das reservas no mercado local acarretaria uma valorização da moeda nacional. O dólar ficaria relativamente mais barato, o que reduziria a competividade da indústria. O governo estaria destruindo uma das raras fontes de recuperação da economia nesta grave situação. Além disso, o dólar mais barato estimularia fugas de capital, inclusive porque a louca medida emitiria um mal sinal de política econômica. No segundo momento, a fuga provocaria desvalorização, gerando pressão inflacionária. A indústria ganharia, mas o mal sinal desestimularia as empresas a buscar mercados de exportação. Além da volatilidade, quem confiaria em um governo que adota medida tão louca?
c) as reservas constituem uma espécie de seguro neste momento de crise. Elas têm contribuído para evitar fugas de capitais. Sua redução, traria novas perdas de confiança e fugas de capital, com suas correspondentes consequências.
Custa a crer que ainda tem gente capaz de abraçar ideia tão estapafúrdia como a venda de reservas internacionais para financiar gastos em reais.
Limite para a carga tributária: poucas chances de passar
Segundo o jornal Valor de hoje, a CCJ da Câmara aprovou a admissibilidade, sob o ponto de vista constitucional, de proposta, atribuída a Eduardo Cunha, de limitar a carga tributária do país (União, Estados e municípios) a 25% do PIB. A ideia, equivocada, ecoa visões muito comuns entre empresários, de que a queda da carga tributária impulsionaria o crescimento da economia, pois reduziria o “custo Brasil”. Há três erros elementares na proposta;
1) O custo da carga tributária para as empresas tem a ver essencialmente com as obrigações derivadas do confuso regime tributário brasileiro. Empresa, uma ficção jurídica, não paga imposto. Serve para cobrá-los de consumidores, sócios e acionistas e detentores de riqueza. No Brasil, impostos se incorporam ao custo de produção pela impossibilidade de sua desoneração nas exportações ou de transferência aos preços. Reduzir a carga tributária não resolve esse problema;
2) Os países nórdicos da Europa, que costumam ser campeões nos rankings de competitividade, têm carga tributária variando entre 40% e 50% do PIB. O que importa é o desenho da carga e não o seu nível, que pode ser elevado quando interfere pouco na eficiência da economia;
3) É impossível ajustar as despesas ao limite de 25% do PIB em dez anos, como diz o projeto. Três grupos de despesas obrigatórias – Previdência, pessoal e encargos financeiros da dívida – superam o limite proposto para a carga tributária. Não há como reduzi-los nas próximas décadas. Vale lembrar que outras despesas igualmente obrigatórias – educação e saúde – levam facilmente o total dos gastos a superar os 30% do PIB.
Diante de tudo isso, são baixas as chances de aprovação final da proposta de estabelecer o limite para a carga tributária. A CCJ da Câmara não entrou no mérito, limitando-se a examinar se o projeto fere dispositivos da Constituição. Não fere. Tudo indica, todavia, que a proposta será arquivada no exame do mérito em outras comissões, quando devem prevalecer argumentos racionais determinantes de seu arquivamento. enhum país estabeleceu teto para a carga tributária. Simplesmente porque não faz nenhum sentido.
Prossegue o retrocesso nas instituições das finanças federais
O Ministério da Fazenda continua a piorar a qualidade institucional das finanças públicas federais e a desmontar os avanços realizados entre 1986 e 2000, cujo valor foi reconhecido por organizações internacionais. Esses avanços puseram fim a atrasos como a “conta de movimento” do Banco do Brasil (pela qual o banco era suprido automaticamente de recursos públicos, sem trânsito pelo Orçamento da União), o exercício de funções de fomento pelo Banco Central e a realização de gastos sem autorização legislativa. A Lei de Responsabilidade Fiscal coroou o processo.
A partir do segundo mandato do presidente Lula, o Ministério da Fazenda restaurou na prática a “conta de movimento”, inclusive a concessão de subsídios creditícios sem autorização legislativa e sem trânsito pelo Orçamento da União. O MF descobriu o mapa da mina: a edição de medidas provisórias pelas quais se eleva o endividamento do governo federal e se destina os respectivos recursos para o BNDES, a taxas de juros inferiores aos pagos pelo Tesouro, benefício transferido pelo banco aos tomadores de seus empréstimos.
O grave desse processo é a realização de gasto público implícito (a diferença entre o que o Tesouro paga aos detentores de seus títulos e o que recebe do BNDES). Trata-se de uma despesa pública efetiva que não é registrada em lugar nenhum. Ela fica oculta na expansão da dívida pública federal. Com isso, foge-se da fiscalização do Tribunal de Contas da União e do monitoramento da opinião pública. Pior, o Congresso aprova mansamente as medidas provisórias, que a rigor violam suas atribuições. E a transparência vai para o ralo.
Sexta-feira passada, o país tomou conhecimento da extensão desse atrasado mecanismo à Caixa Econômica e ao Banco do Brasil. Pela medida provisória nº 581 a, CEF receberá o crédito de R$ 13 bilhões, enquanto ao BB caberão R$ 8,1 bilhões. Como no caso do BNDES, as duas instituições concederão empréstimos a taxas inferiores às dos títulos federais, reproduzindo o mecanismo de geração do subsídio implícito. Repete-se a condenável prática de atribuição de subsídios pela burocracia, de forma disfarçada, sem trânsito pelo Orçamento da União e, assim, sem a necessária autorização legislativa para os respectivos gastos.
Não bastasse mais esse retrocesso, o anúncio da medida foi feito em confusa nota do Ministério da Fazenda. O documento começa informando que a CEF e o BB receberão empréstimos da União, sob remuneração a ser definida, mas termina assinalando que a operação “objetiva elevar o capital das mencionadas instituições financeiras”, preservar o capital regulatório e, consequentemente, aumentar os limites operacionais”. Se for aumento de capital, a medida não poderia ser adotada para o BBB, pois representaria diluição de capital dos acionistas minoritários, em operação não autorizada pela Comissão de Valores Mobiliários.
O poderoso ministro da Fazenda
O ministro da Fazenda não tem mais os poderes de rei medieval de que gozava no passado. Autorizava despesas públicas sem autorização legislativa, controlava preços, proibia exportações de alimentos e por aí afora. Tais poderes acabaram com reformas institucionais como as que extinguiram a “conta de movimento” do Banco do Brasil, eliminaram as funções de fomento do Banco Central e aboliram o Orçamento Monetário, unificando as peças orçamentárias do governo federal. Por incrível que pareça, todavia, o atual ministro da Fazenda age como nos tempos da ditadura militar, quando o titular da pasta era todo-poderoso.
Já se sabe da visão de mundo de Guida Mantega há muito tempo, mas nos três últimos dias S.Exa. não deixou qualquer dúvida sobre o modo como pensa a política econômica. A primeira prova veio no seminário promovido pela revista Exame, sexta-feira passada, em que ele foi um dos expositores. Indagado sobre o já longo controle do preço da gasolina, que cria um panorama sombrio para a indústria do etanol brasileiro, Mantega recorreu ao populismo latino-americano e disse que sua preocupação é com os consumidores de gasolina e não com os produtores de etanol. Ou seja, quem acreditou em regras e investiu no setor pode-se preparar para o pior. Não haverá reajuste da gasolina. De lambugem, o ministro enviou um recado à Petrobrás e aos seus acionistas: “se a Petrobrás e continuar perdendo dinheiro, pior para eles.”
No domingo, veio a entrevista ao Estadão. Recado: quem manda na política monetária não é o Banco Central, que continua submisso desde o início do governo Dilma. “Não ha necessidade de alta de juros. A inflação está sob controle”, disse ele, referindo-se aos riscos inflacionários. Tradução: o BC vao seguir a orientação do ministro. Sobre a seca americana, que fez subir os preços de alimentos, Mantega foi taxativo: “não adianta subir juro para diminuir preço nos Estados Unidos”. Não deu para entender. Talvez seja uma nova teoria.
No mesmo estilo autoritário, ameaçou os bancos, aludindo aos juros altos cobrados nos cartões de crédito. “Estamos preocupados com os cartões de crédito. E, se nós estamos preocupados, é bom que eles (os bancos) também se preocupem”. Ou seja, os bancos devem saber quem manda. O ministro crê possível ditar o nível da taxa de juros cobradas pelos cartões de crédito. É um absurdo, mas é também popular. O povo não gosta de banco. A rigor, não há provimento legal para a concretização da ameaça, mas se não houver o poder de intervir, mude-se a lei. Medida provisória está aí para isso, como já vimos recentemente.
Outra pérola da entrevista foi a afirmação de que temos um regime de câmbio flutuante. Como se sabe, o governo adotou um regime informal de bandas cambiais, com características de câmbio fixo, com piso de R$ 2,00 e teto de R$ 2,10 por dólar norte-americano. Às vezes, o BC dá a impressão que o teto é de R$ 2,05/USD. Mais interessante, o ministro inventou uma nova forma de câmbio flutuante, aquele que varia apenas para cima. “O câmbio vai continuar flutuando, mas esperamos que flutue apenas para o lado oposto (o da desvalorização)”. Deve ser outra nova teoria. O ministro comemora o apoio à sua política cambial. “Temos visto reações positivas, principalmente da indústria a esse patamar de câmbio mais favorável”. Imagina se poderia ser diferente!.
As afirmações comprovam a existência de uma nova política econômica. Reconheçamos, Mantega tem apoio não apenas da indústria, mas de economistas influentes, ditos “desenvolvimentistas!”. A presidente Dilma tem legimitidade política para reorientar a política econômica, incluindo a reedição do velho protecionismo comercial e das políticas de subsídios, como na era Geisel. Resta saber se vai dar certo. Suspeito que vamos pagar um preço alto por estas e outras ações recentes do governo.
A demagogia de Dilma na privatização da infraestrutura
Foi muito positiva a decisão da presidente Dilma de atrair o setor privado para construir e operar a infraestrutura de transportes. Era evidente a incapacidade do setor público nessa área. Acontece que embora tenha tido a coragem de abandonar a ideologia estatista do PT, a presidente se sentiu obrigada a contentar politicamente as alas contrárias ao plano. Daí a manutenção da regra de menor tarifa de pedágio para definir o ganhador dos leilões das rodovias. Sabe-se que isso não funcionou.O melhor modelo é o da privatização das estradas paulistas, em que vence o maior lance pela concessão e se fixam compromissos com certo nível de investimento. Pode até ser que as novas regras melhorem o modelo do PT, mas dá para duvidar.
Dilma negou que o governo estaria privatizando tais serviços. Privatizou, sim, e o país ganhará com isso, tornando mais eficiente a operação da logística. Há duas formas de privatização: venda dos ativos ou sua exploração sob concessão. Na primeira, transfere-se a propriedade para o setor privado (casos da Vale, da Telebrás, da Embraer, da CSN e outros); na segunda, o governo retém a propriedade da infraestrutura e concede ao setor privado o direito de explorar os respectivos serviços. Em ambas, o serviço deixa de ser estatal.
“Nós não estamos desfazendo de patrimônio público para acumular caixa ou reduzir dívidas”, afirmou a presidente. Ela certamente quis se contrapor a FHC, em cujo governo os recursos arrrecadados pela venda das estatais foram aplicados na redução da dívida pública. Acontece que essa foi a melhor opção.
A dívida pública reflete déficits acumulados ao longo do tempo. Em algum momento, os investimentos nas estatais contribuíram para aumentar o endividamento dio Tesouro. Logo, o racional é que sua venda tenha servido para reduzir o endividamento. Isso era ainda mais justificável na época, quando a taxa de juros sobre os papéis públicos era muito elevada. O abatimento da dívida pública contribuiu para que a dívida líquida termine 2012 em 35% do PIB, uma invejável situação. Caso FHC tivesse utilizado os recursos para novos gastos, a dívida teria crescido em bola de neve.
Das duas uma, ou Dilma fez demagogia para agradar petistas insatisfeitos ou ainda crê que o melhor é não pagar as obrigações, isto é, dar o calote. Eu prefiro acreditar que ela agiu com uma demagoga.
A incrível recomendação de Mantega e Tombini aos bancos
O ministro da Fazenda convocou executivos de nove dos principais bancos para lhes passar uma orientação: emprestar mais. Para o Ministério da Fazenda, é preciso uma “ação proativa”, pois o crédito “não está crescendo a contento”. O governo reclamou que a taxa de juros caiu, mas o crédito não aumenta desde o fim do ano passado. O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, compareceu à reunião.
O governo acha que sabe mais do que os bancos. Os banqueiros seriam uns tolos, pois não perceberiam a necessidade de ampliar suas operações, ganhar dinheiro e impulsionar a economia. É como se seus departamentos técnicos não soubessem avaliar riscos e identificar oportunidades de empréstimos. Seria preciso chamar os banqueiros a Brasília para ouvirem um “empurrãozinho” do ministro e assim abrirem os olhos para o que precisam fazer.
Ministros de Fazenda e presidentes de bancos centrais conversam com banqueiros em todo o mundo, mas o objetivo deve ser o de trocar ideias, avaliar a conjuntura e ampliar reciprocamente os conhecimentos da situação. Nunca para dar e receber ordens. Isso é coisa de país atrasado ou de autoridades que julgam ter o poder de influenciar no grito decisões típicas do setor privado. Claro, o governo pode influenciar a concessão de crédito pelos bancos, mas o faz de forma transparente, impessoal e institucional, utilizando mecanismos de mercado. É o caso do manejo da taxa de juros, dos recolhimentos compulsórios e das operações de redesconto e de mercado aberto a cargo do Banco Central.
Tão lamentável quanto a pressão do ministro da Fazenda sobre um grupo de bancos foi a presença de Tombini na reunião. Um presidente de Banco Central não pode instar bancos a emprestar mais. Deveria saber que decisões de conceder crédito obedecem a critérios de prudência, que levam em conta os respectivos riscos. Imagine, por absurdo, que os banqueiros enlouquecessem e após voltarem de Brasília pisassem no acelerador de suas operações, para agradar autoridades. E se os bancos quebrassem por causa da imprudência induzida pelo governo?
Definitivamente, estamos diante de novos e preocupantes tempos. Já vimos a presidente da República falar mal dos bancos em cadeia nacional e forçar as instituições financeiras públicas a emprestar, mesmo sendo uma delas, o Banco do Brasil, uma sociedade de capital aberto, com acionistas privados. Já vimos o Banco Central curvar-se a pressões para baixar juros e ampliar o crédito da economia. Agora vemos o ministro da Fazenda e o presidente do BC convocando banqueiros a fugir de seus critérios operacionais e expandir seus empréstimos por orientação do governo. Falta o quê?
A proposta de Dilma é válida, mas o que mede para valer é o PIB
Provavelmente assustada com crescentes sinais de que estão furadas as previsões de seu ministro da Fazenda quanto ao crescimento do PIB, a presidente Dilma buscou, ontem, desviar a atenção sobre o medíocre desempenho da economia. “Uma grande nação deve ser medida por aquilo que faz para suas crianças e adolescentes, não é o PIB”, disse ela. Para a presidente, o importante é observar “a capacidade de o país, do governo e da sociedade de proteger o seu presente e seu futuro”. Perfeito. Acontece que não dá para medir tal ação. Não é possível desprezar o PIB, que mede o desempenho econômico de um país e permite compará-lo com o de outras nações. Por isso, todos adotam esse indicador.
Goste-se ou não, até hoje não apareceu medida melhor do que a do PIB, malgrado suas reconhecidas deficiências. Políticos e economistas têm buscado encontrar outras réguas, particularmente uma que meça o bem-estar social, que não faz parte da métrica do PIB. Quem mais próximo chegou de uma medida alternativa (ou paralela) foi o economista indiando e prêmio Nobel de Economia, Amartya Sen, autor do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) adotado pela ONU.
O IDH é calculado com base em dados (não há como fugir deles) de expectativa de vida ao nascer, educação e PIB per capita (olha o PIB aí de novo). Anualmente, a ONU divulga a lista dos países classificados de acordo com essas três medidas. O maior PIB do mundo, como se sabe, é o dos Estados Unidos. O maior IDH é o da Suécia.
Um pequeno país da Ásia, o Butão, criou uma medida adicional, o Índice de Felicidade Bruta (IFB), que pretende medir o desenvolvimento com base na felicidade das pessoas e de seus respectivos direitos sociais. O IFB do Butão leva em conta a satisfação pessoal medindo (não tem como evitar) os níveis de educação, saúde e cultura. O IFB é muito elogiado mundo afora, mas não passa disso. Ninguém, afora o Butão, se dispôs a adotar o tal índice.
Resta saber como se mediria objetivamente o desempenho do Brasil pelo que se faz em favor das crianças e adolescentes. Certamente seria possível construir um índice específico, a um custo elevado e com serventia limitada. Seja como for, a presidente tem razão. É preciso cuidar das crianças e adolescentes. Acontece que os governos do PT olham mais para os idosos do que para esse segmento da população.
De fato, os gastos públicos dos últimos dez anos cresceram mais em benefício dos aposentados e pensionistas do que das crianças e adolescentes. Os gastos sociais per capita em favor dos idosos pobres é trinta vezes maior do que os dedicados às crianças pobres. Na educação, os governos do PT deram mais atenção à universidade pública gratuita do que à das crianças e adolescentes. Tomara que o discurso da presidente esconda o desejo de mudar as próprias ênfases sociais dos governos do seu partido.
Paraguai: o verdadeiro golpe e o destino do Mercosul
Na semana passada, a Argentina, a Venezuela, o Equador e a Bolívia tacharam de golpe o impeachment do presidente paraguaio Fernando Lugo. O Brasil foi atrás e fez coro com os bolivarianos da velha esquerda populista latino-americana. O Itamaraty perdeu mais um pouco de seu glorioso brilho diplomático ao dar seu referendo técnico à proposta de suspensão do país como membro do Mercosul.
Nos meus comentários neste blog sustentei que não havia fundamento para a ideia de golpe no Paraguai, apesar da rapidez com que o impeachment foi votado. O Judiciário confirmou a decisão, as instituições do país (mesmo imperfeitas) continuam funcionando. Não há instabilidade política, protestos populares de monta ou tanques na rua.
Para mim, não fazia sentido os rumores de que haveria uma jogada maior da trinca Brasil-Argentina-Uruguai, que era a de incluir a Venezuela no Mercosul. É o que afirmei na minha última nota. Dizia-se que os três países aproveitariam a injusta suspensão do Paraguai para passar por cima do Congresso do país, que ainda não aprovara a adesão do país de Chávez. Ledo engano. Em poucos minutos, a Venezuela se transformou no novo membro do bloco. Embora ainda não tenha sido confirmada a notícia, falou-se que a decisão se baseou em parecer da Advocacia Geral da União, do Brasil. Que triste.
Não houve golpe no Paraguai, continuo afirmando. Mas a jogada que resultou na admissão definitiva da Venezuela no Mercosul é o verdadeiro golpe destes dias. Ouvi um professor da Faculdade Cândido Mendes carioca dizer, em entrevista de ontem na CBN, que a troca do Paraguai pela Venezuela era vantajosa, pois se trata de uma economia maior. Que bobagem. Na verdade, o ingresso da Venezuela pode ser o prego que faltava no caixão do Mercosul. Seria apenas uma questão de tempo.
Suspender o Paraguai do Mercosul é mais um erro da diplomacia petista
Os presidentes dos países membros do Mercosul devem confirmar, na reunião de hoje em Mendoza (Argentina), a proposta dos respectivos chanceleres, de suspender o Paraguai do bloco até as eleições presidenciais de 2013. Trata-se de um erro crasso, consequência de uma ação impulsiva, ao calor de emoções infantis e impróprias para uma diplomacia madura como era a brasileira antes de 2003.
A motivação para a equivocada decisão é a suposta ruptura política no Paraguai (“golpe”, na visão de argentinos, venezuelanos e quejandos), que violaria cláusula democrática do Mercosul. Como já comentei neste espaço, pode-se questionar a rapidez com que o presidente Lugo foi destituído, sem tempo razoável para defender-se no processo de seu impeachment, mas não a decisão em si. Esta foi adotada segundo as regras em vigor, gostemos ou não delas. Como muitos analisas têm enfatizado, dados o elevado desgaste de Lugo e sua evidente perda de apoio político, dificilmente o resultado teria sido outro caso lhe fosse dado mais tempo para defender-se.
Fala-se que a suspensão seria uma forma de permitir a entrada da Venezuela no Mercosul, que não foi aprovada pelo Congresso do Paraguai. Isso contentaria os amigos de Hugo Chávez no Brasil e na Argentina, países que viabilizaram politicamente a entrada dos venezuelanos no bloco. O mais lógico, todavia, é que aumente a resistência da classe política paraguaia. Sentimentos nacionalistas tenderão a se exacerbar com a suspensão do Mercosul, enquanto a posição contra a Venezuela pode aumentar. Lembre-se que Chávez determinou a suspensão das exportações de petróleo para o Paraguai e foi o primeiro a convocar o embaixador em Assunção. Dificilmente o Congresso do Paraguai vai agora decidir a favor da Venezuela.
A decisão a ser tomada hoje pelos presidentes dos países do Mercosul não terá efeitos econômicos práticos (teria sido rejeitada a adoção de sanções comerciais e financeiras contra o Paraguai), mas deixará negativos resquícios políticos, que dificultarão futuras negociações. O Mercosul pode ter iniciado seu declínio definitivo. É uma pena ver a diplomacia brasileira a reboque de visões populistas.