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Ministro da Fazenda não fala sobre câmbio e juros. Age
Dois preços básicos da economia – a taxa de câmbio e a taxa de juros – não podem ser influenciados por declarações inconsequentes de autoridades, menos ainda do ministro da Fazenda. Ou o governo tem medidas a anunciar ou fica calado. Se ameaçar tomar medidas e não adotá-las, o ministro perde credibilidade. Pior, pode provocar movimentos especulativos e produzir ganhos para uns poucos, em detrimento de muitos.
Pois foi exatamente o que fez ontem o ministro Guido Mantega. Falou sem ter o que anunciar. Começou com o incrível anúncio, por sua assessoria, de que daria um entrevista para falar de câmbio. Não me recordo de ter visto algo parecido na história do Ministério da Fazenda. Antes de começar a falar platitudes sobre o assunto, a taxa de câmbio já tinha subido 1%. Antes de terminar sua entrevista, quando já estava claro que nada anunciaria, o câmbio se valorizou 0,8%. Quem apostou que a entrevista seria um blá-blá-blá, ganhou uma boa nota.
Não é assim que deveria funcionar. Ao falar à toa o ministro da Fazenda provoca volatilidade no mercado cambial, promove a transferência de renda entre agentes do mercado e se desmoraliza. Melhor seria ficar calado ou falar apenas quando tivesse que anunciar alguma coisa. Mesmo que provocado pela imprensa, deveria furtar-se de comentar sobre câmbio e juros.
Equipe de Dilma começa desafinada e no palanque
Duas declarações no entusiasmo da posse de novos ministros mostraram que o seu discurso ainda carece de afinamento e que os palanques, típicos da era Lula, continuam em funcionamento. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior declarou que Mantega, o da Fazenda, é quem coordena a equipe econômica. Se ele quis dizer, como parece, que isso inclui o Banco Central, estará externando um desejo indisfarçável de Mantega, mas incompatível com a autonomia operacional da instituição, assegurado pela nova presidente. Sua visão confirma a dualidade que vai continuar na equipe, com a Fazenda de um lado e o Banco Central de outro. Como para não haver dúvida, Pimentel disse que não fala de juros e câmbio, a seu ver responsabilidade da Fazenda. Pelo que se sabe, ministro da Fazenda não fala de juros. Taampouco deveria falar de câmbio.
Já a nova ministra do Planejamento, Miriam Belchior, recorreu a um mito da esquerda brasileira, o de que teria havido um desmonte do Estado. Disso foram acusados os ex-presidentes Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, que longe de merecerem a pecha contribuíram na verdade para reduzir o tamanho do Estado e sua presença injustificável na produção de bens e serviços. A prova é que Lula não desfez nenhum dos supostos desmontes. Essa é uma das razões por que a esquerda condena a privatização e o governo Lula com ela fez coro, seja para se afastar de ideias de venda de estatais, por mais corretas que fossem, seja para evitar a concessão de estradas e outros serviços públicos à iniciativa privada. A ministra confundiu o aumento dos salários e do número de servidores públicos, promovido no governo Lula, como indicador de remonte do Estado. A ação está mais para desperdício, ainda que em muitos casos as contratações tenham sido justificadas.
Dilma reconhece o passado
Os destaques do discurso de posse de Dilma foram tantos que não sobrou espaço para assinalar uma passagem relevante, a do seu reconhecimento de que existiu vida antes da chegada de Lula ao poder. Para ela, “um governo se alicerça no acúmulo de conquistas realidadas ao longo da história. Ele sempre será, ao seu tempo, mudança e continuidade. Por isso, ao saudar os extraordinários avanços recentes, é justo lembrar que muitos, a seu tempo e a seu modo, deram grandes contribuições às conquistas do Brasil de hoje”. Viva!
Assim, o “nunca antes na história deste país”, cede lugar a um novo discurso presidencial. Agora se reconhece que o Brasil não foi descoberto em 2003 nem deve suas conquistas exclusivamente a Lula. A desfaçatez é substituída pelo realismo.
A experiência dos últimos séculos mostrou que períodos de rápido crescimento devem muito a mudanças institucionais e à gestão de governos anteriores. Cabe a cada governante preservar as conquistas e promover novos avanços. Lula destoou duplamente desse padrão: nunca reconheceu o papel de seus antecessores na construção do Brasil de seu tempo e descuidou do plantio das sementes que deveriam frutificar na administração de seus sucessores.
Ao reconhecer o passado e sua contribuição para o presente, Dilma revela um estilo mais condizente com a seriedade e a liturgia do cargo. Vale comemorar.
BC não terá vida fácil no governo Dilma
Se alguém tinha dúvida, pode eliminá-la: o Banco Central vai operar sob ambiente hostil no governo Dilma e os ataques virão, como ocorreu depois da saída de Palocci, de onde não deveriam vir, isto é, do Ministério da Fazenda. A dualidade vai continuar e isso não sinaliza coisa boa.
Hoje, Mantega reagiu explicitamente ao Relatório de Inflação ontem divulgado pelo Banco Central. O BC tinha ficado incomodado com as interpretações da ata da última reunião do Copom, que manteve a taxa Selic em 10,75%. Apesar de a maioria esperar sinais claros de que ele reagiria em janeiro à alta da inflação e à deterioração das expectativas, a ata pareceu a muitos um texto ambíguo, sem uma mensagem clara a ser captada pelos especialistas. Daí por que o relatório foi duro, como nunca havia sido: será preciso aumentar os juros para se contrapor à alta dos preços. O balanço de riscos pendeu definitivamente para a inflação. Recado mais claro impossível: a Selic subirá em janeiro próximo.
Tudo bem? Não. Mantega tem sua própria ideia da situação. Para ele, a inflação de alimentos não é estrutural. Os preços vão cair assim que as cotações das commodities caírem. Fantástico, não? E o que dizer dos preços dos serviços, que estão rodando acima de 7% em bases anuais? Não fosse isso, a inflação de alimentos é, sim, estrutural. Decorre em grande parte da demanda da China, que se mantém elevada, e da desvalorização do dólar, que tende a continuar e aumenta as cotações. A não ser por uma baita crise, essa situação não vai mudar.
Mesmo que não fosse estrutural, a alta dos alimentos teria que ser enfrentada pelo BC, ao contrário do que sugere o ministro. Isso porque ela tende a contaminar outros preços, como qualquer economista deveria saber. E isso é mais verdadeiro no Brasil, onde ainda vigora uma forte cultura de indexação. Em outras palavras, as altas de alimentos aumentam a inércia inflacionária.
Mas por que diabos o ministro da Fazenda se expõe dessa maneira? Não é difícil explicar. Tem sido assim desde que ele chegou ao cargo. Ele diverge publicamente do BC e seus assessores vazam informações negativas contra a política monetária.
Em resumo, o BC não terá vida fácil no governo Dilma. O perigo é ela não ter o pragmatismo de Lula e decidir ouvir Mantega. Pode cometer o grave erro de emitir uma ordem para o BC baixar os juros. Contentaria muitos, mas poderia disparar uma desastrosa crise de confiança. Resta confiar na sensatez e nos conhecimentos de economia do futuro chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, e nos conselhos que pode dar à nova presidente, neutralizando as investidas da Fazenda.
Expectativas sobre governo Dilma podem ser problema futuro
Os brasileiros estão otimistas em relação ao governo Dilma. Segundo o Datafolha, 83% esperam que ela faça um governo igual ou melhor do que o de Lula. O futuro período será ótimo ou bom para 73%, nível superior a todos os observados no início de outros governos, exceto o que começou em 2003 (76% acreditavam que Lula faria um bom governo).
Dilma precisa encontrar formas de desinflar essas expectativas, pois dificilmente elas serão correspondidas. Seu governo não contará com o ambiente externo favorável que prevaleceu entre 2003 e 2008, o qual beneficiou tremendamente o Brasil. A demanda de commodities por parte da China nos deu inéditos ganhos nos termos de troca no comércio mundial. Lula se beneficiou dos efeitos retardados das reformas de FHC. Dilma, ao contrário, viverá anos influenciados pela ausência de reformas de Lula e pelas prováveis ineficiências derivadas do aparelhamento do Estado por militantes petistas e por afilhados políticos de outros partidos. Isso leva tempo para produzir más consequências.
É verdade que Dilma se beneficiará do ciclo de investimentos em curso e daqueles associados à Copa do Mundo e às Olimpíadas. Mas isso não lhe dará as condições de igualar ou superar os anos Lula. Corre, além disso, o risco de aventuras macroeconômicas, a julgar pelos rumores de que a política monetária será executada em sintonia com o Ministério da Fazenda, o que apontaria para um desastre. Pode não ser verdade. Palocci na Casa Civil pode bloquear o experimentalismo inconsequente. Mesmo assim, na melhor das hipóteses fica como está. E o que está não é bom, particularmente na área fiscal.
O velho Brasil desafia Dilma
O Brasil velho não esperou a nova presidente assumir. Atacou com sua velha arma: a vetusta aliança entre sindicatos poderosos e organizações empresariais mal acostumadas com o intervencionismo estatal. Sob a liderança da Força Sindical, sindicatos que representam trabalhadores do Estado de São Paulo querem que o novo governo adote medidas protecionistas para reverter o ritmo de importações. A proposta teria sido secundada pela Fiesp. Isso depois de negociações que garantiram ganhos reais de salários de 6% este ano.
Essa aliança funcionou nos tempos dos programas de substituição de importações do passado. Como se recorda, esses programas contribuíram para a industrialização do Brasil, mas de forma muito ineficiente. Criamos uma indústria pouco competitiva e oligopolizada. O controle de preços permitia o repasse de todos os seus custos, inclusive os salariais. Por isso, muitas empresas podiam conceder reajustes reais superiores aos ganhos de produtividade, os quais eram considerados nas planilhas de custos submetidas aos órgãos controladores de preços, que os aprovavam. Ganhavam as empresas e seus trabalhadores. Perdiam os consumidores e os trabalhadores de outros setores. Ao lado do descaso pela educação, esse esquema contribuiu substancialmente para os níveis de concentração de renda que ainda envergonham o Brasil.
A aliança pede também uma desvalorização cambial, como em outras épocas. Para fazê-la como solicitado, o governo teria que intervir no Banco Central, emitindo uma ordem para a baixa voluntarista da taxa de juros. Aliás, há empresários pedindo explicitamente essa medida. O resultado seria uma crise de confiança que teria graves efeitos inflacionários. Esse passado, do qual pensávamos estar livres, também voltaria.
Espera-se que a futura presidente possa receber conselhos melhores, que a habilitem a se fazer de surda diante do novo ataque do Brasil atrasado.
A carga tributária não vai cair. Pode subir
Quem tem esperança de ver o novo governo reduzir a carga tributária pode tirar o cavalo da chuva. O contrário pode acontecer. Basta ver as declarações da nova presidente, favoráveis à reinstituição da CPMF, e o discurso de hoje de Lula, para quem o novo ministro da Saúde deve lutar pela criação de um novo tributo para financiar a saúde. Além disso, mesmo que não haja redução das alíquotas dos tributos, a tendência é de aumento da carta tributária, por dois motivos. Primeiro, o crescimento da renda, que gera novos contribuintes do Imposto de Renda, ao mesmo tempo em que muitos mudam de faixa, isto é, passam a pagar mais. Segundo, a redução da informalidade, que reduz a evasão fiscal. Essa redução da informalidade virá do aumento da complexidade da economia e da abertura do capital das empresas, em ambos os casos dificultando a permanência na economia subterrânea.
O tamanho da carga tributária é a consequência óbvia do aumento de gastos, que dobraram como proporção do PIB desde a Constituição de 1988, basicamente por causa dos generosos benefícios que instituiu para servidores públicos, aposentados e pensionistas (ainda que estes reclamam que ganham pouco). A situação piorou com os aumentos sistemáticos do salário mínimo nos dois mandatos de Fernando Henrique e Lula. O salário mínimo reajusta dois de cada três benefícios previdenciários.
Além dessa irresponsabilidade fiscal, o gasto público tende a crescer nos termos da Lei de Wagner, proposta pelo economista alemão Adolph Wagner (1835-1917). Ele observou que o crescimento econômico era naturalmente acompanhado de uma elevação dos gastos públicos e, assim, da carga tributária. Segundo Wagner, o estado de bem-estar social, origem maior da elevação de gastos, evolui no sistema capitalista em virtude de demandas do eleitorado.
A tese foi refinada pelo economista americano Richard Musgrave (1910-2007), autor de um dos mais reputados livros-texto sobre finanças públicas. Segundo Musgrave, o aumento dos gastos públicos no processo de desenvolvimento decorre de três razões; (1) das atividades sociais do Estado, tais como o provimento de aposentadorias, de educação e de saúde; (2) de ações administrativas e de proteção, como segurança, políticas de meio-ambiente e intervenção do Estado na economia; e (3) da ampliação do estado de bem-estar social.
Por tudo isso, a tendência dos próximos anos está mais para elevação do que para queda da carga tributária.
Política econômica: a dualidade do governo Lula tende a continuar
A dualidade na área econômica foi a característica do governo Lula após a saída de Antonio Palocci e sua substituição por Guido Mantega. De um lado, o Banco Central conduzia uma política monetária responsável, que garantia a estabilidade da moeda e granjeava credibilidade aqui e lá fora. Do outro, um Ministério da Fazenda “desenvolvimentista”, que executava uma política fiscal expansiva, piorada nos dois últimos anos com a aceleração dos gastos correntes e a adoção de mágicas orçamentárias e contabilidade criativa para esconder a incapacidade de cumprir metas de superávit primário. A Fazenda se tornou um centro de vazamento de críticas à política monetária. Essa situação esquizofrênica não redundou em desastre pela capacidade de articulação política de Henrique Meirelles, presidente do BC, e pelo apoio que sempre teve de Lula. A percepção de que a volta da inflação seria mortal para sua popularidade estimulou o presidente a preservar a autonomia operacional do BC. Os mercados perceberam a dualidade, mas se convenceram de que o BC estaria blindado contra as investidas da Fazenda. Os vazamentos e as declarações explícitas do ministro e de auxiliares nunca foram levadas a sério.
No governo Dilma, a manutenção de Mantega indica que é alta a cchnace de preservação da dualidade. É verdade que ele tem dito que agora vai ser diferente, que haverá ajuste nas despesas correntes, que as metas de superávit primário vão ser cumpridas sem artifícios. Mesmo que se dê o benefício da dúvida e se acredite que a nova presidente vai fazer valer seus compromissos com o tripé da política econômica e a autonomia do BC, fatos recentes permitem supor que o ambiente hostil ao BC tende a continuar. Na última sexta-feira, a Agência Estado noticiou, com base em informações da Fazenda, que a elevação dos compulsórios dos bancos e outras exigências tinham sido determinadas por Dilma. Ela não concordaria com aumentos de juros, preferindo outras ações para lidar com ameaças inflacionárias. É pouco provável que tenha sido assim, mas as “fontes” da Fazenda certamente são as mesmas que plantaram informações desfavoráveis à política monetária durante o governo Lula. E tendem a fazer o mesmo no próximo governo.
Hoje, o diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea se saiu com uma novidade. Os juros são altos no Brasil e provocam a valorização cambial porque existe um problema cultural, tanto no BC quanto nos tomadores de crédito, estes porque não fazem conta dos juros. Além de ser uma afirmação grave, que se correta deveria justificar a substituição da diretoria do BC por pessoas de outra “cultura”, o homem do Ipea parece ignorar que não fazer conta de juros nada tem de cultural. O comportamento é melhor explicado pelas deficiências de educação, que fabricam uma maioria de analfabetos financeiros. Ao mesmo tempo, o senador Aluísio Mercadante, tido como futuro ministro da Ciência e Tecnologia, declarou que o problema das exportações é o câmbio. Embora não tenha enveredado pelos delírios do diretor do Ipea, Mercadante não deixou de dar a entender que é preciso fazer alguma coisa no câmbio.
Não precisaria muito mais para perceber que o ambiente hostil ao BC vai continuar e pode desaguar em coisa mais séria, a menos que Tombini construa com Dilma o prestígio que Meirelles obteve de Lula e Dilma se invista do pragmatismo do seu antecessor. Tombini faria bem se começasse a pensar em montar seus canais de comunicação interna para resistir aos muito prováveis ataques da Fazenda e de segmentos do governo que pensam do mesmo modo. A sala de Palocci na Casa Civil pode ser a melhor fonte de proteção.
Pré-sal: dois desastres simultâneos
A Cãmara completou, na madrugada de hoje, a aprovação de dois desastres na exploração do petróleo do pré-sal. A primeira, praticamente já em vigor, é a mudança do regime, de concessão para partilha. O regime de concessão, vigora em países institucionalmente avançados, como os Estados Unidos, o Reino Unido, a Holanda e a Noruega. Os investidores têm segurança quanto a direitos de propriedade, respeito aos contratos e previsibilidade das regras do jogo. As mudanças institucionais dos últimos anos colocava o Brasil nesse grupo. O modelo de partilha, agora adotado pelo país, é típico de ambientes institucionais caracterizados pela incerteza, casos da Nigéria e do Iraque. No regime de concessão, funcionam as regras de mercado, sob regulação do Estado. No de partilha, as empresas preferem receber em óleo, menos sujeito a manipulações governamentais. Além dessa desastrosa mudança, a nova legislação dá à Petrobrás o direito de participar de todos os campos, com pelo menos 30%. É, na prática, a reinstituição do monopólio do petróleo. E se criou uma nova empresa estatal, a Petrosal (o nome final pouco importa) para gerenciar os interesses da União, inclusive a comercialização da parte do petróoleo que lhe cabe. Afora o potencial de ineficiências característico da ação empresarial do Estado, a Petrosal terá o poder de veto nos consórcios, o que significa um tremento potencial de corrupção.
O segundo desastre estará na distribuição dos royalties do petróleo. A regra aprovada distribui os respectivos recursos entre os 27 Estados e os quase 6 mil municípios, segundo as regras dos Fundos de Participação. É desperdício na certa, decorrente tanto da pulverização de recursos que seriam valiosos para atacar as muitas deficiências do setor público, quando da quase certa utilização de grande parte deles para gastos de pessoal e outros determinados por razões eleitorais. Os Estados produtores serão tremendamentes prejudicados, pois arcarão com o ônus dos investimentos e dos gastos correntes nas regiões de extração do petróleo. A solução encontrada pelo Congresso piora a situação, pois obriga a União a indenizá-los pelos respectivos dispêndios. De onde o governo federal extrairá essa bolada?
O presidente Lula merece ser apontado como o grande culpado pelos dois desastres. Primeiro, por ter cedido às pressões à esquerda de seu partido e de bolsões corporativistas da Petrobrás. Segundo, por não ter sido capaz de observar lições da história no encaminhamento dos projetos de lei ao Congresso. Estados e municípios são insaciáveis. Os parlamentares aproveitam qualquer brecha para posar de heróis e desviarem recursos federais para seus redutos eleitorais. A Constituição de 1988 e atos posteriores constituem fonte inesgotável dessas lições. Lula preferiu ignorá-las e agora paga pelo menos uma parte do preço político de suas ações equivocadas. Se aprovar a irresponsabilidade, pode deixar uma péssima herança para os seus sucessores e o país. Se vetar, compra uma briga com praticamente todos os Estados e municípios, cujos governadores e prefeitos já esfregam as mãos esperando o dinheiro chegar aos seus cofres. A ação de menor dano seria o veto.
Década perdida na Europa: semelhanças com a da América Latina
Corretamente, após a quebra do banco Lehman Brothers em setembro de 2008, os países desenvolvidos adotaram ações para evitar o colapso do seu sistema financeiro, que teria consequencias econômicas e sociais desastrosas para todo o mundo. Os bancos centrais baixaram os juros para as proximidades do zero e injetaram liquidez abundante nos mercados. Do lado fiscal, o dinheiro público foi usado para resgatar instituições financeiras da falência, ao mesmo tempo que apoiavam gastos públicos para contrabalançar a contração do consumo e do investimento privados. Evitou-se o pior, mas o legado foi um aumento expressivo do endividamento público, que passou de 100% do PIB em países da Europa e se aproximou dessa marca nos Estados Unidos. Nada parecido acontecera desde a Segunda Guerra.
A conta desse processo chegou. Grécia e Irlanda são apenas a face visível de um problema grave. Ambos estão quebrados. Precisam reduzir o endividamento a níveis saudáveis, o que exige cortar gastos, aumentar impostos ou uma combinação dos dois. Cedo ou tarde, situação semelhante emergirá em outros países da região. Os candidatos mais óbvios são Portugal, Espanha e Itália. Por mais que neguem, vão terminar recebendo o socorro financeiro dos europeus mais ricos e do FMI. O ajuste fiscal se impõe em todos. Reduções de verbas para certos programas já foram anunciadas em vários países. Cortes de gastos, incluindo redução de salários de servidores públicos e de aposentados, se tornam lugar comum. A reação da opinião pública e de segmentos mais organizados já está nas ruas. Passeatas, quebra-quebras, protestos de toda ordem.
Já vimos esse filme na América Latina, nos anos 1980. A origem é semelhante. Nos anos 1970, a quase totalidade dos países da região ignorou os efeitos das crises do petróleo e da elevação dos juros americanos. Com acesso a crédito internacional fácil e abundante – resultante da reciclagem dos petrodólares pelos bancos americanos, europeus e japoneses – o Brasil e seus vizinhos mantiveram níveis de consumo insustentáveis, geradores de endividamento interno e externo igualmente insustentáveis. Como sempre acontece nesses casos, geram-se desequilíbrios que desaguam em tragédia. A moratória do México de 1982 revelou o drama que se mantiveram oculto por anos a fio. O pânico tomou conta dos bancos, que interromperam o suprimento de crédito à região. O ajuste à nova situação, que demandou desvalorizações cambiais e ajustes fiscais, trouxe uma recessão profunda e longa. A região voltou a respirar somente no final da primeira metade dos anos 1990. Foi a chamada “década perdida”, caracterizada por longos anos de estagnação ou baixo crescimento.
A situação latino-americana poderia ter sido outra se os bancos credores tivessem concedido o perdão parcial das dívidas. A necessidade de ajuste teria sido menor. A recuperação chegaria mais cedo. Ocorre que isso era quase impossível. Não havia como coordenar ações nesse sentido, nem impor as perdas aos bancos. A via unilateral, como o Brasil aprendeu com a desastrosa moratória da dívida externa de 1987, não era a solução. O país perdia de vez o pouco acesso que ainda tinha aos mercados internacionais de crédito e de capitais e destruía sua credibilidade, o que afetava os negócios em geral e inibia o fluxo de investimento estrangeiro. E mesmo que os bancos fossem forçados a conceder o desconto, a maioria quebraria. O terremoto atingiria todos, inclusive os endividados países da América Latina. A saída da crise exigiu tempo, paciência e muitas negociações. Com o tempo, ajustes foram feitos (a elevados custos políticos e sociais) e os bancos se prepararam para perder parte de seu crédito, via constituição de provisões em seus balanços.
A Europa vive situação parecida. A saída para a Grécia e a Irlanda é os credores participarem do sacrifício para que esses países se livrem do excesso de endividamento. Não há, todavia, como fazer isso agora, pois não existem mecanismos de coordenação que levem o sistema financeiro a aceitar as perdas. Além do mais, os bancos europeus podem quebrar se tiverem que dar o desconto. A situação é percebida por todos e o financiamento da dívida desses países fica cada vez mais caro e escasso. Daí os progrmas bilionários de salvamento, que evitam o pior mas prolongam a agonia. A falta de solução para o problema joga os europeus no caminho da estagnação ou do baixo crescimento. Em algum momento no futuro, haverá uma renegociação para promover o desconto. Não se sabe quando isso acontecerá nem de quanto tempo os bancos precisam para se preparar. Enquanto isso, os pacotes de ajuda dos governos e do FMI vão se suceder. Exatamente como na América Latina dos anos 1980.
Claro, nem tudo ocorre como nos anos 1980. A Europa é democrática. A América Latina da época vivia o autoritarismo, ainda que em seus estertores. Os ajustes são mais difíceis em regimes políticos abertos. Por outro lado, a necessidade de evitar o colapso do euro gera incentivos para ações mais fortes dos europeus e a rápida montagem de robustos pacotes de salvamento. Na América Latina daquela época, o FMI era quase o único provedor de dinheiro novo, ao lado de tímidas contribuições dos bancos. Seja como for, o resultado tende a ser o mesmo: uma década perdida para boa parte dos países europeus. Como foi também o caso do Japão nos anos 1990. Infelizmente.