BC não terá vida fácil no governo Dilma

Se alguém tinha dúvida, pode eliminá-la: o Banco Central vai operar sob ambiente hostil no governo Dilma e os ataques virão, como ocorreu depois da saída de Palocci, de onde não deveriam vir, isto é, do Ministério da Fazenda. A dualidade vai continuar e isso não sinaliza coisa boa.

Hoje, Mantega reagiu explicitamente ao Relatório de Inflação ontem divulgado pelo Banco Central. O BC tinha ficado incomodado com as interpretações da ata da última reunião do Copom, que manteve a taxa Selic em 10,75%. Apesar de a maioria esperar sinais claros de que ele reagiria em janeiro à alta da inflação e à deterioração das expectativas, a ata pareceu a muitos um texto ambíguo, sem uma mensagem clara a ser captada pelos especialistas. Daí por que o relatório foi duro, como nunca havia sido: será preciso aumentar os juros para se contrapor à alta dos preços. O balanço de riscos pendeu definitivamente para a inflação. Recado mais claro impossível: a Selic subirá em janeiro próximo.

Tudo bem? Não. Mantega tem sua própria ideia da situação. Para ele, a inflação de alimentos não é estrutural. Os preços vão cair assim que as cotações das commodities caírem. Fantástico, não? E o que dizer dos preços dos serviços, que estão rodando acima de 7% em bases anuais? Não fosse isso, a inflação de alimentos é, sim, estrutural. Decorre em grande parte da demanda da China, que se mantém elevada, e da desvalorização do dólar, que tende a continuar e aumenta as cotações. A não ser por uma baita crise, essa situação não vai mudar.

Mesmo que não fosse estrutural, a alta dos alimentos teria que ser enfrentada pelo BC, ao contrário do que sugere o ministro. Isso porque ela tende a contaminar outros preços, como qualquer economista deveria saber. E isso é mais verdadeiro no Brasil, onde ainda vigora uma forte cultura de indexação. Em outras palavras, as altas de alimentos aumentam a inércia inflacionária.

Mas por que diabos o ministro da Fazenda se expõe dessa maneira? Não é difícil explicar. Tem sido assim desde que ele chegou ao cargo. Ele diverge publicamente do BC e seus assessores vazam informações negativas contra a política monetária.

Em resumo, o BC não terá vida fácil no governo Dilma. O perigo é ela não ter o pragmatismo de Lula e decidir ouvir Mantega. Pode cometer o grave erro de emitir uma ordem para o BC baixar os juros. Contentaria muitos, mas poderia disparar uma desastrosa crise de confiança. Resta confiar na sensatez e nos conhecimentos de economia do futuro chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, e nos conselhos que pode dar à nova presidente, neutralizando as investidas da Fazenda.

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