Desindustrialização: o equívoco é agora oficial
O jornal Valor de hoje publica com exclusividade um estudo “reservado” do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), que sustenta haver uma combinação de “desindustrialização negativa” com “reprimarização” da pauta de exportações. As duas teses são aceitas por segmentos da esquerda e por uma corrente de economistas que se autointitulam “desenvolvimentistas”. Essas ideias são no mínimo polêmicas e têm escassa sustentação na realidade.
Como falar em “desindustrialização” se o setor industrial opera perto de sua capacidade? A desindustrialização – medida pela participação do emprego industrial no total – é um processo natural na evolução da economia. No caminho de desenvolvimento, a agricultura perde participação para a indústria e esta passa depois o bastão aos serviços. Isso não quer dizer que esses setores encolhem, mas que os outros crescem mais rapidamente. E isso gera crescente bem-estar. Nos Estados Unidos, o emprego industrial está em torno de 9% e o país continuou crescendo (a estagnação atual tem outra origem, a crise financeira de 2008).
A tese de “reprimarização” se baseia mais na observação de uma planilha do que em estudos aprofundados. Segundo o MDIC, a participação dos produtos primários na pauta de exportações alcançou 43,4%, enquanto a dos industrializados ficou em 40,5%. Bingo! Estamos voltando à epoca do Jeca Tatu! Faltou ao MDIC dizer duas coisas: 1) que o aumento da participação dos primários é o resultado da maior demanda da China por nossos produtos agrícolas e pelo minério de ferro, nos quais somos altamente competitivos. O país deve comemorar e não lamentar. O México, que manda 80% de suas vendas externas para os Estados Unidos adoraria ter esse “desconforto”; 2) que a queda dos industrializados está influenciada pela baixa demanda e pela queda de preços nos países ricos, por causa da crise.
Um economista mediano poderia ensinar aos técnicos do MDIC como funciona a elasticidade nos produtos industriais. Eles reagem mais rapidamente do que os produtos primários a alterações na demanda. A queda nesta acarreta uma diminuição mais do que proporcional na venda de produtos industriais; uma subida faz os produtos industriais ganharem mais do que proporcionalmente. Esse economista poderia ainda dizer ainda que a ociosidade nos países ricos leva sua indústria a oferecer seus produtos a preços mais baixos, às vezes sem ganhar nada, apenas para se manter à tona. Essa desgraça alheia beneficia os consumidores brasileiros, principalmente os de bens de capital. A experiência mostra que a indústria brasileira se moderniza mais rapidamente em períodos como esses, pois a decorrente valorização cambial barateia o custo dos equipamentos e cria incentivos à sua importação. Claro, segmentos da indústria sofrem, mas o resultado líquido para o país, nesse campo, é positivo.
A indústria brasileira tem sofrido barbaridades com a perda de competitividade, mas atribuir isso exclusivamente ao câmbio, como tem sido o caso dos defensores da tese da “desindustrialização”, é um perigo. Pode levar o governo a adotar medidas extemporâneas e equivocadas para subir o câmbio e conceder subsídios aos exportadores. Um bom estudioso da evolução da economia brasileira mostrará facilmente que o custo desse “desenvolvimentismo” recai sobre os ombros das classes média e menos favorecidas. Aquela paga mais caro pelos produtos, estas enfrentam o custo muito amargo da perda de renda com a resultante inflação.
É preciso de vez entender que o problema da competitividade está nos custos sistêmicos que oneram os produtos brasileiros. O câmbio apenas amplifica o problema. E o caso da carga tributária excessiva e caótica. As empresas brasileiras gastam 2.600 horas por ano para cumprir obrigações tributárias, em comparação com 100 a 200 nos países ricos (até menos em alguns casos) e abaixo de 300 nos países emergentes com os quais competimos. A falta de investimentos em infraestrutura (que o PAC está a nos luz de resolver) dificulta a operação da logística, gerando ineficiências que prejudicam a indústria e a agricultura. Há produtos agrícolas que custam mais para transportar do que para produzir. A burocracia é infernal e tem piorado com o aparelhamento do Estado pelo governo do PT. O setor público tem sido povoado por pessoas cujas qualificações derivam mais de sua filiação partidária do que de competência para exercer os cargos.
Tentar resolver essas questões via câmbio e subsídios é o caminho para a repetição de erros do passado, que custaram caro à sociedade. Para quem quiser conhecer um pouco mais sobre a furada tese da “desindustrialização”, recomendo o estudo de Regis Bonelli e Samuel Pessoa, publicado pela FGV, encontrável no site da FGV.
http://portal.fgv.br.
Muito bom este artigo; fácil de ler e de entender.