Novas incógnitas sobre o futuro governo e a política econômica

Até aqui, a incógnita era a própria presidente eleita, ainda que já se saiba muito sobre ela. Sabe-se de sua trajetória pessoal. Sabe-se da promessa, no dia da vitória eleitoral, de conceder autonomia operacional às agências reguladores (o Banco Central é uma delas). Sabe-se da declaração de que não brincará com a inflação e de que o nível de gastos públicos será sustentável. Nos dias seguintes, ela admitiu aumento maior do que o previsto para o salário mínimo, reajustes do Bolsa Família acima da inflação e simpatia pela restauração de malsinada CPMF. A contradição pode ser um resquício da campanha eleitoral. Sejamos compreensivos.

Sabe-se pouco, infelizmente sobre sua capacidade de conduzir bem um país tão complexo, de imprimir uma orientação sensata à política econômica, de avançar nas reformas, enfim de criar as condições para manter ou ampliar o potencial de crescimento da economia. Dilma acaba de acrescentar uma nova incógnita, agora sobre a gestão macroeconômica. Cresce a incerteza quanto à manutenção da promessa de manter o tripé básico: câmbio flutuante, metas de inflação perseguidas por um banco central autônomo e superávits primários suficientes para manter ou reduzir a relação entre a dívida pública e o PIB.

Três dúvidas surgem dessa incerteza. A primeira vem de sua decisão de manter o ministro da Fazenda, que teria resultado de pressões de Lula em favor da continuidade de Guido Mantega. Nada contra, pois essa prerrogativa é sua e ela certamente tem boa impressão dele. Se, todavia, for procedente a informação de que ela cedeu às pressões, cabe indagar: por que a nova presidente não teve autonomia para escolher o titular do mais importante ministro da área econômica? É preocupante.

A segunda dúvida deriva da escolha do nome em si. Dilma manterá à frente da Fazenda o responsável por grave deterioração fiscal e por minar princípios fundamentais das finanças públicas, como os da transparência e da previsibilidade. O ministro usou à larga truques contábeis e contorções operacionais para tentar mostrar (sem sucesso) que havia cumprido a meta de superávit primário em 2010. Trouxe de volta, via operações do BNDES, o condenável método, largamente utilizado no regime militar, de fazer despesas sem autorização legislativa, mediante a concessão de subsídios implícitos a empresas escolhidas pela burocracia. Só faz sentido se ele tiver se comprometido a reverter tudo isso.

A terceira dúvida está nos jornais de hoje: Meirelles não continuaria na presidência do Banco Central. A presidente eleita não teria gostado de ele ter vazado o convite para ficar, condicionando a aceitação à preservação da autonomia de operação do BC, isto é, para decidir sobre a taxa de juros sem ligar para as pressões da Fazenda, de classe política, de empresários, de líderes sindicais e quejandos. Se for verdade, é mais outro motivo de preocupação. A nova presidente reage mal a certos acontecimentos típicos deste momento de definição dos nomes de sua equipe.

Em meio a tudo isso, cumpre ressaltar que o êxito da gestão macroeconômica do período 2003-2010, que foi determinante para a popularidade de Lula e para a eleição de Dilma, deveu-se essencialmente à competência na condução da política monetária, sob a liderança de Meirelles. Há quem diga que a Fazenda teria sido a origem do sucesso, sobretudo durante a crise recente, mas essa visão tem escassa correspondência na realidade.

Seja como for, é preciso dar a Dilma um voto de confiança. Afinal, ela pode ter escolhido Mantega sob a orientação de que ele refará o caminho de volta, restabelecendo a confiança em uma política fiscal responsável e a credibilidade das informações sobre o respectivo desempenho. E pode designar um bom nome para o Banco Central (se Meirelles não permancer), embora seja díficil que alguém de peso aceite assumir o cargo em um ambiente no qual se propaga que o BC do governo Dilma será “desenvolvimentista” e subordinado às visões do ministro da Fazenda. É desastre praticamente certo e destruição sem piedade da reputação de quem estiver lá e aceitar o jogo.

A manutenção do voto de confiança na nova presidente de todos os brasileiros implica ter um pé atrás.

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