Mais gente desafinando no governo, agora na Previdência
Notas desafinadas na orquestra do governo são comuns em seu início. Muita gente chega sem tarimba de falar à imprensa, outros não dominam bem os assuntos de que vai cuidar e alguns tendem a externar suas próprias visões do mundo, sem levar em conta que agora fazem parte de um conjunto. Assim, devemos relevar os escorregões de ministros e outras autoridades neste começo. Já comentamos aqui as declarações do novo ministro do Desenvolvimento, que deitou falação sobre câmbio e juros, atribuindo equivocamente ao ministro da Fazenda a exclusividade para falar desses assuntos.
Agora foi a vez do novo ministro da Previdência, Garibaldi Alves. Como disse O Globo de hoje, ele anunciou estudo para substituir o fator previdenciário pela aposentadoria por idade mínima. O ministro ter-se-ia inspirado nas reclamações que recebeu, como parlamentar, contra o fator previdenciário, criado no governo FHC. A matéria acrescenta que gente do governo e especialistas dizem que o fator não cumpre mais seu objetivo inicial de retardar aposentadorias e pune quem começou a trabalhar mais cedo.
O fator previdenciário, como ensinam Fabio Giambiagi e Paulo Tafner em recente livro (Demografia: a ameaça invisível, Ed. Campus), “nada mais é do que o número resultante de uma fórmula que combina idade de aposentadoria, tempo de contribuição e a expectativa de sobrevida apontada pelo IBGE em função das tábuas de mortalidade atualizadas todos os anos”. Os cálculos atuariais da Previdência deveriam considerar o tempo de contribuição e a expectativa de vida pós aposentadoria, isto é, por quantos anos o índivíduo receberá o benefício. Se ele passar a viver mais do que o previsto, os cálculos ficam furados. Vai faltar dinheiro.
Como não é possível deixar de pagar a aposentadoria, existem quatro saídas para o problema. A primeira e mais racional seria aumentar o prazo de aposentadoria; a segunda, elevar as contribuições; a terceira (adotada no Brasil nos últimos anos), deixar o déficit aparecer e financiá-lo com dívida ou mais carga tributária incidente sobre todos e não apenas os aposentados; a quarta e mais desastrosa (adotada no Brasil por certo tempo) é conviver com a inflação, que corroi a valor das aposentadorias.
O fator previdenciário é um razoável substituto para a ampliação do prazo de aposentadoria. Foi inventado pelos suecos. Tem prestado enorme serviço ao Brasil, um dos pouquíssimos países onde sequer existe idade mínima para aposentadoria. O critério aqui é o de tempo de contribuição. O fator ajusta o valor das aposentadorias de acordo com a expectativa de vida pós aposentadoria, calculado com base nos estudos do IBGE. Essa expectativa tem aumentado muito nos últimos anos, o que é uma boa notícia para quem vive (um sinal de que o país melhora) e péssima para as contas da Previdência.
Com o fator, o brasileiro pode continuar a se aposentar por tempo de contribuição, mas receberá um valor menor do que receberia antes da sua instituição. Se quiser receber mais, terá que ficar mais tempo trabalhando (nem tanto quanto os europeus, japoneses, americanos, argentinos, mexicanos, etc, que se submetem à regra da idade mínima).
Mesmo que adotada a idade mínima no Brasil, o fator previdenciário teria que continuar (como na Suécia). Não há que falar em injustiça, pois a opçao de se aposentar cedo é do indivíduo. Como é natural, os aposentados não gostam da regra, pois ela lhe retira o que consideram um direito. Afinal, dizem, contribuíram “a vida toda”. Acontece que a regra visa a proteger a comunidade contra os efeitos sociais e econômicos negativos do déficit previdenciário (embora tenha gente pensante que diz não existir o déficit, um despautério).
O senador Paulo Paim (PT-RS), que acaba de renovar o mandato por mais oito anos, é o campeão da ideia de extinguir o fator previdenciário. Tem sempre um projeto de lei pronto para arrasar as contas da Previdência e um deles foi aprovado pelo Senado (ainda não pela Câmara). Os aposentados e familiares são a grande fonte de votos de Paim. Todos os cálculos já mostraram que a medida seria uma hecatombe financeira de consequencias imprevisíveis (mas todas ruins). Lula, que antes de chegar ao governo criticava o fator, deu-se conta de sua utilidade e se posicionou contra a proposta. A nova presidente certamente também é contra. Como é, então, que o novo ministro da Previdência diz que vai estudar o fim do fator? Ademais, se conhecemos bem os nossos congressistas, a tendência seria a de aprovar o fim de fator e manter o sistema de aposentadoria por tempo de contribuição, ou seja, o pior dos mundos.
Garibaldi, um homem sensato, provavelmente vai desistir da ideia. E se conformar de que não pode descascar o abacaxi que recebeu (como ele próprio disse) agradando aposentados e políticos.