Tombini mostra que a racionalidade ainda habita o Banco Central
No seu discurso de ontem em Washington, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, disse que o ciclo de política monetária está no meio, reafirmando o compromisso de fazer a inflação convergir para a meta de 4,5% em 2012. A declaração vai reverter o sentimento de que o BC estaria assumindo, perigosamente, riscos inflacionários, o que começava a afetar sua credibilidade. Imaginava-se que Tombini estaria alinhado (ou até submetido) às visões “desenvolvimentistas” da Fazenda. A “nova política monetária” era festejada por economistas de esquerda. A ênfase, aparentemente excessiva, nas chamadas “medidas macroprudenciais” mereceu as boas vindas de respeitados analistas. Conhecidos economistas do mercado financeiro apoiavam a “nova postura” do BC. A maioria estava, todavia, do outro lado, temendo a destruição das conquistas institucionais dos últimos vinte anos, incluindo um sério abalo na imagem de responsabilidade e competência angariada pelo BC.
O sentimento negativo por parte dessa maioria se acentuou após a divulgação do último Relatório de Inflação, no qual o BC parecia adotar premissas polêmicas. Dizia que o choque de commodities seria passageiro, que a atividade econômica dava sinais de arrefecimento e que já havia adotado as medidas necessárias. Seria apenas uma questão de tempo e paciência. Este escriba e a maior parte dos analistas tinham visões opostas. O choque de commodities tende a durar, movido pela demanda da China; ainda não há sinais claros de desaceleração da atividade econômica; e seria preciso prosseguir o ciclo de política monetária.
O BC começou a perder a batalha das expectativas, fruto da dificuldade de leitura de seus sinais por muitos analistas. A impressão era a de que o comando das ações havia passado para a Fazenda. As confusas e diárias entrevistas do ministro Guido Mantega contribuíam para agravar a sensação de que a situação poderia desandar. A meta de inflação poderia ser perdida em 2011. Nesse ambiente, as projeções dos principais indicadores macroeconômicos, particularmente inflação e juros, começaram a exibir grande dispersão. A interpretação era a de que o BC interromperia prematuramente o ciclo de política monetária. Poderia no máximo aumentar a taxa de juros (Selic) mais uma vez, em 50 pontos base, na reunião do Comitê de Política Monetária da próxima semana.
Não precisava ser economista para constatar que a inflação se tornava uma ameaça. O assunto havia saído dos recintos especializados para a boca do povo. Óbvio, se o pior acontecesse, haveria uma reserva de racionalidade no BC e no governo, que os obrigaria a reagir, mas a um custo alto. A taxa de juros teria que subir muito. O governo Dilma poderia ter jogado fora seu capital inicial de credibilidade e terminar seu período enfrentando queda de popularidade e dificuldades políticas. Aumentariam as chances de a oposição se refazer de seu marasmo e buscar vencer as eleições de 2014.
As declarações de Tombini vão na direção contrária ao sentimento que se espalhava. Nesta segunda-feira, os mercados futuros devem sinalizar juros mais altos, enquanto os analistas tenderão a rever suas projeções de elevação da Selic. A meu ver, passarão a dizer é que a Selic vai aumentar 50 pontos na próxima semana e pelo menos mais 50 pontos na reunião seguinte. Tombini trouxe um alívio e pode começar a desfazer as impressões que já circulavam, de que não teria liderança para se contrapor às visões da Fazenda, como fizera Meirelles com o apoio de Lula. Melhor assim.
A estúpida ideia de tributar as exportações da Vale
A proposta de tributação das exportações de minério da Vale foi negada pelo ministro da Fazenda, mas, como lembrou Celso Ming, do Estadão, a notícia não foi inventada por jornalistas. A ideia nasceu dentro do governo, não importa o escalão. Ela é estúpida, independentemente de quem a tenha gerado. Seu pressuposto é inacreditável, qual seja o de que forçaria a Vale a investir na produção doméstica de aço, em um país que tem capacidade ociosa no produto.
Por trás da proposta tresloucada estão duas ideias que fizeram sentido em outra época do Brasil, ainda que discutíveis. A primeira é a que atribui a burocratas iluminados a capacidade de escolher o que é melhor para o desenvolvimento do país. Foi nos tempos do modelo de substituição de importações, que contribuiu para a industrialização à custa de muita ineficiência e concentração de renda. A isso se acrescenta uma obsessão de certos “desenvolvimentistas”, de que devemos privilegiar a exportação de produtos de “elevado valor agregado”. Embora desejável, esse objetivo não pode ser alcançado à custa de novas distorções. E se ignora que as commodities brasileiras – minério de ferro e produtos do agronegócio – agregam altos níveis de tecnologia e, portanto, de valor. Como disse o Estadão em editorial de hoje, se forçar a Vale a produzir aço fosse uma ideia válida, seria o caso de tributar as exportações de aço para levar as empresas a produzir automóveis.
A segunda ideia do além é tributar exportações com objetivos de comércio exterior. Foi assim nos tempos do “confisco” do café, numa época em que a escassez aguda de divisas e o monopólio das operações de câmbio, no Banco do Brasil e depois no Banco Central, levavam o governo a tentar evitar que a alta competitividade da lavoura cafeeira resultasse em subfaturamento das exportações, transferindo divisas para contas ilegais no exterior. Foi assim também nos tempos de controle de preços, quando o governo tributava as exportações de produtos agrícolas ou limitava suas vendas externas para forçar os produtores a desviar os produtos para o consumo doméstico, provocando baixas de preços. Os produtores perdiam dos dois lados, nas exportações e nas vendas internas. Foi assim nos momentos de maxidesvalorizações, quando se criava uma situação de competitividade de produtos agrícolas semelhante à do café. Nada disso se justifica hoje, a não ser em mentes que não aprenderam a nova realidade brasileira e mundial.
Haveria uma terceira razão, a de tributar as exportações de minério para arrecadar mais. Aí seria uma proposta ainda mais estúpida.
É bom ou ruim uma diretoria puro sangue no Banco Central?
Entre as visões que comemoram um suposto alinhamento do Banco Central com as teses “desenvolvimentistas” da Fazenda, surgiu uma novidade. Conhecido comentarista escreveu artigo em que enxergou uma mudança positiva no BC, qual seja a ausência de pessoas oriundas do mercado financeiro em sua diretoria. O comentarista celebrou o novo BC. Será?
Há de fato sinais de que temos um novo BC, mais preocupado em preservar um nível mínimo de crescimento e da taxa de câmbio do que em enfrentar o ritmo da inflação. Muitos analistas, inclusive este escriba, temem que o BC esteja assumindo riscos excessivos. Reduziu a consideração do papel das expectativas para formar juízo sobre a ação da política monetária. Deu a entender que vai usar mais as chamadas “medidas macroprudenciais” em lugar de lançar mão da arma mais eficaz à sua disposição, isto é, a taxa de juros. Restrições macroprudenciais ao crédito têm pouca ou nenhuma influência na inflação de serviços, que está rodando a 8,5%. Seja como for, o BC tem o direito legítimo de tentar caminhos diferentes para cumprir a meta para a inflação. O futuro dirá se está certo. Ou então ele emite novos sinais que desmentem temores.
Independentemente do que vier a acontecer, soa ridícula a tese de que é melhor um BC “puro-sangue”, isto é, com uma diretoria composta exclusivamente por funcionários. Em primeiro lugar, lança uma desconfiança grave sobre as pessoas que saem do mercado financeiro para servir como diretores do BC. É como se fossem lá para defender interesses dos bancos para os quais trabalhavam ou voltarão a trabalhar. A rigor, a estúpida tese merecia ser levada à barra dos tribunais, pelas suspeitas levianas que levanta. É comum, nos países desenvolvidos, a participação desses especialistas na diretoria dos bancos centrais. Eles levam visões distintas da realidade e assim contribuem para o debate. A divergência não é um mal. Ao contrário. O Banco da Inglaterra tem um programa pelo qual seus funcionários estagiam em bancos, os quais mandam seus funcionários para ficar um período no banco central. Tudo transparente, sem suspeitas maliciosas. Todos ganham.
Ao contrário da visão do comentarista, não é bom para o BC que sua diretoria seja composta exclusivamente de funcionários. Quem conhece os membros da atual diretoria do BC sabe que se trata de pessoal altamente qualificado, experiente, grande parte com pós-graduação no exterior, inclusive a nível de Phd. Isso não se discute. A questão é outra. O BC tem uma cultura, em parte herdada do Banco do Brasil, de reverenciamento dos superiores. O sentimento de hierarquia é acentuado pela característica hiperpresidencialista da organização. Em nome da carreira e da lealdade à instituição, dificilmente se discorda frontalmente dos chefes. Não chega a ser subserviência, mas está longe de dar lugar a divergências, que são mais comuns quando pessoas fora da hierarquia do BC integram sua diretoria. Não por acaso, desde que restou apenas Henrique Meirelles como forasteiro na diretoria (e ele era o presidente, como se sabe), as decisões do Copom passaram a ser tomadas sistematicamente por unanimidade. A unanimidade continua com substituição por um funcionário, Alexandre Tombini. A unanimidade de votos nas decisões de política monetária não é uma situação comum em bancos centrais e provavelmente se explica por aqui por conta dessa cultura.
Há um mistério no ar. A imprensa noticiou que pessoas do mercado financeiro haviam sido convidadas para a diretoria do BC. A presidente Dilma Rousseff, em sua entrevista ao jornal Valor, disse que não haveria problema em ter pessoas do mercado financeiro na diretoria do BC. Mesmo assim, só se encaminha para o Senado nomes de funcionários do BC. As teorias conspiratórias começam a circular, incluindo a de que estaria havendo resistências à nomeação dessas pessoas, baseadas exclusivamente em sua origem, isto é, o mercado financeiro. Mais uma preocupação, que espero possa ser em breve desmentida por fatos.
Dilma promete piorar o Imposto de Renda
Em reunião com sindicalistas na última sexta-feira, a presidente Dilma Rousseff prometeu adicionar três faixas na tabela do Imposto de Renda da pessoa física, o que ampliaria seu número de 5 para 8. No governo Lula, ao que que tudo indica por proposta do ministro Guida Mantega, elas aumentaram de 2 para 5. A presidente parece estar convencida, talvez pelo mesmo ministro, de que a medida beneficia os trabalhadores. O mais provável é que haja apenas aumento da burocracia e fiquem mais complicados as normas e o trabalho dos contribuintes.
Até 1988, o Brasil tinha onze faixas do Imposto de Renda da pessoa física. A alíquota máxima era de 45%. Inspirado em experiências bem sucedidas de reestruturação do tributo em países desenvolvidos, particularmente nos Estados Unidos, o governo Sarney reduziu o número de faixas a duas, de 10% e 25%. A expectativa era que a simplificação e a redução das alíquotas máximas contribuiriam para desestimular a sonegação, particularmente por parte dos profissionais liberais. Isso foi confirmado plenamente, pois a arrecadação do tributo aumentou mais de 20% acima da inflação em 1989, primeiro ano de aplicação das novas regras.
No governo Collor, a alíquota de 10% foi aumentada para 15%. Tentou-se criar a alíquota de 35%, mas houve um recuo por conta da percepção de que contribuíria para estimular a sonegação. No governo FHC, diante da crise de 1998 (efeitos da crise Russa entre nós) e da necessidade de reforçar o ajuste fiscal pelo lado da receita, as alíquotas foram ampliadas em 10% de seu valor, para 16,5% e 27,5%.
Será uma pena se a presidente der mais um passo para piorar as regras do Imposto de Renda, na linha do que já fizera sem antecessor. Nessa pisada, em breve voltaremos À selva pré 1988.
O PIB de Lula e a tola comparação com o de FHC
A divulgação do crescimento do PIB de 2010, de 7,5%, foi comemorada por membros do governo, caso do ministro da Fazenda, como uma realização sem par. De fato, é a maior taxa de expansão da economia desde 1986. Trata-se de um excelente resultado. Acontece que as comemorações desconsideram duas circunstâncias que podem deslustrar um pouco tal desempenho. Primeiro, a comparação é feita com uma base deprimida. Em 2009, o PIB caiu 0,6%. Uma parte do crescimento representa, pois, mera recuperação. Não seria incorreto atribuir pelo menos metade do crescimento do PIB ao ano de 2009.
Em segundo lugar, grande parte da expansão reflete a política fiscal imoderada dos dois anos do governo Lula, particularmente no ano de 2009. Os efeitos da crise financeira de 2008 já haviam desaparecido no Brasil, mas o Ministério da Fazenda continuou pisando no acelerador dos gastos e na concessão de vultosos recursos do Tesouro para o BNDES aplicar em crédito subsidiado. Maiores gastos e mais crédito do BNDES impulsionaram a atividade econômica, resultando em um crescimento do PIB acima do seu potencial, que anda em torno de 4,5% a 5% ao ano. Daí os graves desequilíbrios que Dilma Rousseff herdou de seu antecessor: deterioração fiscal, aceleração excessiva das importações e, pior, inflação. A conta chegou e agora é preciso cortar gastos e aumentar juros para evitar que a inflação fuja do controle. Resultado, uma forte desaceleração da economia, que este ano deve crescer, segundo estimativas da Tendências Consultoria, apenas 3,9%.
É compreensível que políticos aliados e membros do governo tenham feito loas ao crescimento do PIB, incluindo ufanistas projeções de ganhos de posição do Brasil na comparação com outros países. O que não faz o menor sentido é comparar o PIB da era Lula com a do PIB dos tempos de FHC, como fez uma consultoria de São Paulo, que se sabe integrada por economistas com capacidade de fazer analises sóbrias e bem fundamentadas. Pelos cálculos da consultoria, a média de crescimento anual do PIB de Lula foi de 4% enquanto a do PIB de FHC ficou em somente 2,3%. Ocorre que se comparou laranja com banana. São duas situações distintas, que ocorreram sob ambientes internacionais radicalmente diferentes. A era FHC foi a de plantio. A de Lula, a de colheita. Sob Lula, amadureceram os efeitos das reformas do período FHC, caracterizado por muitas crises, a maioria oriunda do exterior. No governo Lula, viveu-se a “great moderation”, como se classifica um dos períodos de maior crescimento da economia mundial. A comparação não passa, pois, de uma tolice.
Mudou a política econômica?
No anúncio dos corte de despesas de R$ 50 bilhões nesta segunda-feira, o ministro da Fazenda repetiu mais de uma vez que a política econômica não havia mudado. No dia anterior, em entrevista à Folha de S. Paulo, S.Exa. enfatizou a continuidade que a seu ver caracterizava o atual governo, que denominou incompreensivelmente de “Lula3”, seja lá o que isso signifique. Qual seria o sentido da ênfase à permanência da política econômica?
Não há como discordar do ministro. A política econômica tem sido a mesma desde 1999, quando se introduziu os regimes de câmbio flutuante e de metas para a inflação. A partir de então, firmou-se o chamado tripé da política econômica, caracterizado por câmbio flutuante, política fiscal centrada na geração de superávits primários e metas de inflação fixadas pelo governo e perseguidas de forma autônoma pelo Banco Central. Nesses doze anos, o êxito dessa combinação de políticas públicas é inquestionável. A estabilidade macroeconômica assegurada pelo tripé constituiu o principal fator explicativo da resistência do país aos efeitos da severa crise financeira mundial de 2008.
Quando Guido Mantega foi confirmado no cargo pela presidente Dilma, surgiram especulações de que ele teria condicionado a aceitação do convite à determinação para que o Banco Central se alinhasse às teses da Fazenda e às suas críticas, veladas ou explícitas, à política monetária. Por isso, ele teria exigido a substituição de Henrique Meirelles na presidência do BC. Verdadeiras ou não tais especulações (há quem afirme ter ouvido Mantega confirmando a versão), é certo que segmentos da imprensa compraram a tese. Muitas reportagens passaram a tratar do suposto “alinhamento” do BC à Fazenda.
Analistas críticos da atuação do Banco Central festejaram a “mudança”. Um deles publicou mais de um artigo em cujos títulos incorporava a ideia de que estaria em curso uma nova política econômica, agora na linha da Fazenda. Houve quem, sem razão, enxergasse nas medidas macroprudenciais adotadas no final de 2010, isto é, o aumento dos depósitos compulsórios dos bancos no BC e de mais capital para certas operações de crédito ao consumidor, como uma prova da “mudança”. Em vez de juros, restrições ao crédito. A tese foi desmentida com o início de um novo ciclo de alevação dos juros a partir de janeiro deste ano, mas seus adeptos continuaram a divulgá-la.
Na verdade, a prática veio mostrar que foi a Fazenda que se alinhou e não o contrário. O BC conseguiu, via documentos que publica periodicamente ou por interlucução no governo, mostrar a necessidade do corte de despesas. Antes, a Fazenda justificava a excessiva expansão dos gastos, menosprezava os críticos e sustentava que o forte aumento das despesas não era causa de inflação. Mesmo que se duvide do cumprimento da meta de corte (que muito dependerá da execução orçamentária e da firmeza das autoridades da Fazenda), é fato que o anúncio do programa pelos ministros da Fazenda e do Planejamento representa uma inflexão nos rumos da política fiscal praticada em 2009 e 2010.
Embora a política econômica não tenha mudado desde 1999, sua qualidade piorou muito nos dois últimos anos. Isso incluiu grave perda da credibilidade da política fiscal, por conta do uso de subterfúgios e de contabilidade criativa para esconder o descumprimenmto da meta de superávit primário.
Repetindo, o ministro da Fazenda tem razão quando diz que a política econômica não mudou, mas ao curvar-se à necessidade dos cortes (e promovê-los efetivamente) S.Exa. pode estar contribuindo para restaurar a credibilidade da política fiscal e para melhorar a qualidade da política econômica.
Como entender o ceticismo sobre o ajuste fiscal
Sem exceção, todos os analistas consideram positiva a decisão da presidente Dilma de autorizar um corte de gastos de R$ 50 bilhões. Na campanha eleitoral, ela negava a necessidade do ajuste. Foi uma corajosa mudança. Ao mesmo tempo, duvida-se da capacidade do seu governo de cumprir a meta. Em 1997, viveu-se situação semelhante, quando do anúncio das 51 medidas para enfrentar os efeitos da Crise Asiática (logo apelidadas jocosamente de “Pacote 51, uma boa ideia”). Naquela época, julgou-se o conjunto insuficiente. Agora não se acredita nos cortes prometidos.
A meu ver, a contradição atual se explica por dois motivos. Primeiro, o ministro da Fazenda encarregado de executar o programa de cortes é o mesmo que permitiu a expansão imoderada dos gastos nos últimos dois anos, particularmente durante o período eleitoral. Segundo, o ministro e seus auxiliares mais imediatos – o secretário executivo e o secretário do Tesouro Nacional – desconsideravam as críticas sobre a expansão fiscal. Alegavam que gastos públicos não causam inflação. Como esperar cortes de quem não acredita na medida?
Essa pergunta é mais relevante quando se considera que a realização do ajuste depende fundamentalmente da capacidade de resistir a pressões, por parte do ministro e daqueles seus auxiliares. Cabe lembrar que cortes de gastos no Brasil não são realizados mediante a revisão do Orçamento pelo Congresso, ao contrário do que aconteceu recentemente no Reino Unido, na Grécia, na Irlanda, em Portugal e na Espanha, onde os parlamentos aprovaram uma nova peça orçamentária. Por exemplo, uma dotação de um bilhão de euros é reduzida, digamos, para quinhentos milhões de euros. No Brasil, o Ministério do Planejamento prepara e o (a) chefe do governo aprova um “decreto de programação”, que estabelece limites para liberação das dotações orçamentárias. Assim, por exemplo, em uma dotação de um bilhão de reais o Tesouro somente liberará a metade. Adicionalmente, o Tesouro restringe liberações mediante o que se denomina “controle na boca do caixa”. Tudo isso gera distorções, mas costuma ser eficaz para seus objetivos, caso as autoridades não cedam a pressões. Os Ministérios e outros órgãos beneficiários das dotações sabem que elas continuam no Orçamento pelo mesmo valor. Basta descontingenciá-las e o dinheiro fluirá.
Um outro exemplo da era FHC foi o ajuste de 1998, que se seguiu à Crise Russa e ao acordo com o FMI. O governo divulgou um programa de ajuste fiscal com detalhes críveis. O ministro da Fazenda era Pedro Malan. Na secretaria executiva estava Amaury Bier e na Secretaria do Tesouro Nacional, Joaquim Levy. Os três acreditavam no papel do ajuste e se declaravam adeptos de sua realização. A credibilidade do programa se firmou.
Mantega e equipe podem vir a cumprir a meta que a presidente lhes determinou. Já fazem declarações sobre sua necessidade, o que é uma mudança importante. É preciso conceder-lhes o benefício da dúvida, mas eles têm que provar sua capacidade de resistir a pressões e de apresentar um detalhamento minimamente crível das medidas e de sua execução. Esperemos.
No salário mínimo, o papelão da oposição
Quem diria? A oposição ao governo Lula agiu como a oposição de Lula quando o PSDB e o PFL formavam a aliança governante dos tempos de FHC. Oportunismo puro. Demagogia inequívoca. Quem ficou do lado da austeridade, da preocupação com o futuro, foi justamente Dilma Roussef, ao não transigir sobre o valor do salário mínimo proposto, de R$ 545,00. Enquanto isso, o PSDB insistiu no valor de R$ 600,00, anunciado por Serra durante a campanha eleitoral, em uma tentativa populista, extremada e mal sucedida de angariar votos entre os pobres e aposentados. E o PFL se uniu ao peleguismo dos tempos de Lula, a Força Sindical, para secundar a demanda de Paulinho por um mínimo maior. Que decepção! O patético foi ouvir o líder do PSDB justificando os R$ 600,00 com o aumento da arrecadação do INSS. Mesmo que fosse o caso, esse aumento deveria servir para minimizar o grave déficit de caixa da Previdência.
De 1994 para cá, o salário mínimo subiu mais de 120% acima da inflação e agravou a situação da Previdência. Nesse período, tais gastos cresceram perto de 3% do PIB. Nenhum sistema previdênciário agüenta esse impacto sem sofrer sérios desequilíbrios. Os aumentos reais do mínimo não seriam tão graves se seu valor fosse desvinculado do piso previdenciário. Como está, o mínimo reajusta dois de cada três benefícios e afeta 40% dos gastos previdenciários. Com a desvinculação, seus efeitos, quando houvesse, seriam no mercado de trabalho, provocando desemprego. Menos mal.
No início dessa trajetória fiscalmente suicida, havia certa justificativa para os ganhos reais do mínimo, inclusive por seu papel na redução dos níveis de probreza. Não é mais o caso. Os reajustes do mínimo beneficiam hoje essencialmente aposentados, pensionistas e servidores públicos dos Estados e municípios. Aumentos reais do salário mínimo têm, pois, influência diminuta na redução da pobreza. Quase ninguém desses grupos pertencem a famílias pobres.
Como que cara o PSDB e o DEM irão às urnas de 2014? Como manter o voto dos que acreditavam na responsabilidade de seus líderes? Irão para a disputa presidencial como a roupagem do velho populismo ou buscarão restaurar os valores que permeavam o governo de FHC? No mínimo, já decepcionaram legiões de fieis eleitores.
Mantega deveria preocupar-se com a inflação e não com o pessimismo sobre a inflação
O ministro da Fazenda reagiu de forma estranha diante da inflação de janeiro, medida pelo IPCA e divulgada ontem pelo IBGE. Os preços avançaram 0,83%, o pior resultado desde abril 2005. Mantega se disse preocupado com o pessimismo que daí poderia se instalar. Na verdade, o ministro deveria ser preocupar com a inflação e não com o pessimismo dela decorrente. Em vez de tentar acalmar o distinto público com exortações ao bom comportamento, S.Exa. deveria afirmar que o ritmo de subida de preços o preocupa e por isso adotará medidas para evitar que a inflação fuja do controle.
Mantega continua a afirmar que os fatores determinantes da inflação são passageiros. Primeiro falou na alta de alimentos. Agora menciona transportes. Tudo isso é verdade, mas duas coisas deveriam chamar a atenção do ministro. Primeira, a alta de alimentos, que tudo indica vai perdurar por razões fora do controle do Brasil, pode contaminar outros preços. Segundo, há sinais inequívocos de inflação de demanda pelo lado dos serviços, que subiram 7,88% em doze meses, segundo a mesma divulgação do IBGE.
É correto buscar influenciar expectativas, mas não com declarações como as do ministro. Uma forma adequada de proceder, no seu caso, seria anunciar medidas críveis, que tornem inequívoca a reversão da deterioração fiscal dos últimos dois anos do governo Lula, quando Mantega estava no mesmo cargo. Assim, a política fiscal reforçaria o arsenal da política monetária. A taxa de juros poderia subir menos.
O governo promete divulgar cortes ainda hoje. Vamos dar o benefício da dúvida e esperar.
O imbroglio do salário mínimo é uma das más heranças de Lula
As discussões sobre o novo salário mínimo têm de tudo: ameaças bobas do ministro da Fazenda ao Congresso, caso este aumente o valor decidido pelo governo; arrogância do deputado Paulinho, da Força Sindical, “exigindo” um valor de pelo menos R$ 580,00 (acima dos R$ 545,00 oficiais); e demagogia do PSDB, que é favorável a um mínimo de R$ 600,00, sem explicar de onde viria o dinheiro adicional para a Previdência.
Falta, no imbróglio, lembrar mais uma das más heranças de Lula para sua sucessora. Nessa questão, Lula criou a ideia de que o mínimo deve sempre ter reajustes reais generosos. É o que ele fez quando estava lá. A política adotada seria um mal menor se o mínimo afetasse apenas o mercado de trabalho. Acontece que seu valor é base para reajuste do piso previdenciário. De cada três benefícios, dois seguem o salário mínimo, que influencia 40% dos gastos previdenciários. No governo Lula, esses gastos cresceram 1% do PIB. Não há paralelo de tamanha generosidade com o dinheiro do contribuinte em apenas oito anos. O acréscimo de despesa é, em termos proporcionais, a metade dos gastos previdenciários totais da China (2% do PIB). Considere, além disso, que o PIB cresceu 37% no período e terá uma ideia do impacto da era Lula nas finanças da Previdência.
Além disso, Lula criou uma novidade, a negociação do mínimo com as centrais sindicais. Não tem lógica, a não ser a de prestigiar as centrais e cooptá-las para apoio ao governo. Negociações salariais se justificam entre empregados e empregadores e não entre o governo e sindicalistas para fixar o salário mínimo. Este deve ser calculado em bases técnicas, com metodologia transparente. Pior ainda é ver as centrais se arvorando o papel de representar os aposentados. Em lugar nenhum os aposentados precisam de líderes sindicais para negociar seus benefícios. Resultado: o governo sempre terá que ceder alguma coisa e aumentar ainda mais o salário mínimo em termos reais. É completamente suicida. Em 2010, o Brasil gastou 12% do PIB com aposentadorias e pensões, incluindo os servidores públicos. É o dobro da média mundial. Aproxima-se da situação de países europeus com participação elevada de idosos, geralmente duas vezes a do Brasil.
O leitor dificilmente encontrará um aposentado do INSS contente com o que recebe. Ele sempre dirá que contribuiu 35 anos ou mais e tem uma porcaria de aposentadoria. A única verdade é o número de anos de contribuição. Mas isso não pode garantir uma aposentadoria generosa, que deveria ser proporcional às contribuições, caso adotássemos o regime de capitalização. O método de repartição em vigor, pelo qual as gerações atuais pagam as aposentadorias das gerações passadas, dá menos razão ao reclamante. Como o brasileiro vive cada vez após a aposentadoria e nasce cada vez menos, estamos criando uma bomba a explodir no futuro. Os aumentos reais do salário mínimo amplificam o problema.
O mínimo que se deveria fazer para resolver esse efeito do salário mínimo nas contas públicas seria desvinculá-lo do piso previdenciário. No passado, seria uma negociação política com o Congresso, em que poderiam valer argumentos racionais. Agora, as centrais entrarão no jogo, com outros argumentos. O que já era difícil fica quase impossível. Que Deus nos proteja.