O imbroglio do salário mínimo é uma das más heranças de Lula
As discussões sobre o novo salário mínimo têm de tudo: ameaças bobas do ministro da Fazenda ao Congresso, caso este aumente o valor decidido pelo governo; arrogância do deputado Paulinho, da Força Sindical, “exigindo” um valor de pelo menos R$ 580,00 (acima dos R$ 545,00 oficiais); e demagogia do PSDB, que é favorável a um mínimo de R$ 600,00, sem explicar de onde viria o dinheiro adicional para a Previdência.
Falta, no imbróglio, lembrar mais uma das más heranças de Lula para sua sucessora. Nessa questão, Lula criou a ideia de que o mínimo deve sempre ter reajustes reais generosos. É o que ele fez quando estava lá. A política adotada seria um mal menor se o mínimo afetasse apenas o mercado de trabalho. Acontece que seu valor é base para reajuste do piso previdenciário. De cada três benefícios, dois seguem o salário mínimo, que influencia 40% dos gastos previdenciários. No governo Lula, esses gastos cresceram 1% do PIB. Não há paralelo de tamanha generosidade com o dinheiro do contribuinte em apenas oito anos. O acréscimo de despesa é, em termos proporcionais, a metade dos gastos previdenciários totais da China (2% do PIB). Considere, além disso, que o PIB cresceu 37% no período e terá uma ideia do impacto da era Lula nas finanças da Previdência.
Além disso, Lula criou uma novidade, a negociação do mínimo com as centrais sindicais. Não tem lógica, a não ser a de prestigiar as centrais e cooptá-las para apoio ao governo. Negociações salariais se justificam entre empregados e empregadores e não entre o governo e sindicalistas para fixar o salário mínimo. Este deve ser calculado em bases técnicas, com metodologia transparente. Pior ainda é ver as centrais se arvorando o papel de representar os aposentados. Em lugar nenhum os aposentados precisam de líderes sindicais para negociar seus benefícios. Resultado: o governo sempre terá que ceder alguma coisa e aumentar ainda mais o salário mínimo em termos reais. É completamente suicida. Em 2010, o Brasil gastou 12% do PIB com aposentadorias e pensões, incluindo os servidores públicos. É o dobro da média mundial. Aproxima-se da situação de países europeus com participação elevada de idosos, geralmente duas vezes a do Brasil.
O leitor dificilmente encontrará um aposentado do INSS contente com o que recebe. Ele sempre dirá que contribuiu 35 anos ou mais e tem uma porcaria de aposentadoria. A única verdade é o número de anos de contribuição. Mas isso não pode garantir uma aposentadoria generosa, que deveria ser proporcional às contribuições, caso adotássemos o regime de capitalização. O método de repartição em vigor, pelo qual as gerações atuais pagam as aposentadorias das gerações passadas, dá menos razão ao reclamante. Como o brasileiro vive cada vez após a aposentadoria e nasce cada vez menos, estamos criando uma bomba a explodir no futuro. Os aumentos reais do salário mínimo amplificam o problema.
O mínimo que se deveria fazer para resolver esse efeito do salário mínimo nas contas públicas seria desvinculá-lo do piso previdenciário. No passado, seria uma negociação política com o Congresso, em que poderiam valer argumentos racionais. Agora, as centrais entrarão no jogo, com outros argumentos. O que já era difícil fica quase impossível. Que Deus nos proteja.