O governo opta por mais inflação, embora diga o contrário
Desde o segundo mandato do presidente Lula, o governo tem-se mostrado menos comprometido com uma inflação baixa. Parece concordar com certos economistas brasileiros, para os quais uma inflação entre 5% e 7% é conveniente para o funcionamento da economia, embora a tese esteja por ser provada. Essa visão – ou uma variante dela – se tornou aceita depois da saída do ministro da Fazenda Antonio Palocci, em 2007. A ideia não avançou porque o presidente do Banco Central Henrique Meirelles jamais a aceitou. Como Meirelles tinha reputação, credibilidade e prestígio perante Lula, foi possível resistir às tentativas do novo ministro da Fazenda de impor essa ideia. Mesmo assim, ele conseguiu bloquear propostas para reduzir a meta de 4,5% para a inflação. Versões não desmentidas informam que Guido Mantega tramou – sem sucesso, como se sabe – a demissão de Meirelles e sua substituição pelo economista Luiz Gonzaga Beluzzo, que supostamente mudaria a política monetária.
Agora, a tese ganhou mais robustez. Mantega continuou no posto e Meirelles foi substituído. Fala-se agora em harmonia entre a Fazenda e o BC. A percepção entre os observadores é a de que a nova diretoria do BC é mais condescente com a inflação. Pode não ser isso, mas é a impressão que se generaliza. A presidente Dilma parece ter aderido à tese. Ela tem repetido seu compromisso com a estabilidade, mas suas declarações recentes mostram que não é bem assim. A estabilidade é desejável, na visão da chefe do governo, se não “derrubar” o crescimento. Em entrevista semana passada a cinco jornalistas, Dilma declarou que “não queremos inflação sob controle com crescimento zero da economia”, para em seguida concluir: “”estamos fazendo o chamado pouso suave, com uma taxa de crescimento e de emprego adequadas”. Como se sabe, o certo é trabalhar com o chamado “balanço de riscos”. Se o risco for para a inflação, aumenta-se a taxa de juros. Faz-se o contrário se for para o crescimento.
O “pouso suave” deve ser o objetivo de qualquer governo depois que a economia passa por um nível de crescimento insustentável e isso resulta em subida perigosa da inflação. É o que aconteceu em 2010, quando razões político-eleitorais levaram o governo a patrocinar um aquecimento excessivo da economia, via gastos públicos, crédito oficial e uma interrupção prematura do ciclo de política monetária em setembro. O PIB cresceu 7,5%, acima de seu potencial, e Lula elegeu sua sucessora, mas o efeito inflacionário da festa logo se manifestou. O IPCA de 2010, de 5,9%, ficou muito acima do centro da meta, de 4,5%. Em tais circunstãncias, cabe “esticar” a trajetória de convergência da inflação para a meta. É natural que se faça isso em dois anos e não em um exercício apenas.
O problema é que o governo não se tem mostrado suficientemente vigoroso no sentido de trazer de volta a inflação para 4,5% em 2012. O superávit primário tem estado acima da meta, mas isso deve mais a um amento de arrecadação do que à redução de gastos. As receitas federais cresceram mais de 20% no primeiro semestre. As despesas continuam aumentando em ritmo superior ao da expansão da economia: cerca de 11% nos seis primeiros meses deste ano. São pouquíssimos os analistas que acreditam nas afirmações do BC, de que a inflação do próximo ano convergirá para os 4,5%. Nós da Tendências achamos que pode bater nos 6,6% em 2011, superando o limite superior da meta (6,5%). Para 2012, projetamos IPCA de 5,2%, com viés de alta.
A presidente e o ministro da Fazenda juram que não aceitarão inflação mais alta. Suas crenças, ações e declarações vão, todavia, em sentido contrário. Recentemente, vimos a manutenção, pelo nono ano consecutivo, da meta de 4,5% para 2013. O Brasil é um dos poucos países em desenvolvimento que adota esse nível. O mais comum é 3%. No Peru é 2%, semelhante à meta dos países desenvolvidos. A justificativa por aqui tem sido a de que uma meta mais baixa requer juros mais altos. A experiência mostra que os agentes econômicos adaptam suas expectativas à meta. Mantê-la em 4,5% pode requerer juros mais altos ao longo do tempo e não o contrário.
Em resumo, o governo assume o risco de produzir inflação mais alta do que pensa. O Banco Central pode minar a reputação que construiu duramente nas duas últimas décadas. Tudo indica que o BC, formado por gente racional e cioso de sua missão de manter uma inflação baixa e estável, agirá se seus prognósticos não se confirmarem. A dúvida é como reagirá a presidente e o ministro da Fazenda. Aceitarão que o Comitê de Política Monetária seja mais duro? Afinal, gente do governo acredita numa tolice, a de que o mercado financeiro superestima suas estimativas de inflação para forçar o BC a aumentar os juros. Isso foi dito claramente por um funcionário graduado do Ipea semana passada. Levantamento recente mostrou que ocorre o contrário, isto é, os bancos têm subestimado o comportamento da inflação. Além disso, para eles, ao contrário do senso comum, é melhor que juros sejam mais baixos. Como ganham o spread (diferença entre o que cobram dos tomadores de crédito e o que pagam aos investidores), seus lucros aumentam quando as taxas de juros baixam, pois emprestam mais com menores riscos de atraso e calote no pagamento dos empréstimos.
Felizmente, estamos longe do risco de perda de controle da inflação, mas poderemos pagar um preço mais alto por não atacarmos o mal como deveríamos. Se o governo estiver errado, será preciso elevar mais os juros, malgrado as resistências internas. A economia crescerá menos.