Agora, o controle de preços da gasolina é oficial
Até os anos 1980, quando vigorava o controle de preços, a gasolina e o diesel eram dois dos principais itens sob vigilância do governo. No governo Geisel, os órgãos que autorizavam reajuste de preços públicos ou de bens fornecidos por empresas estatais perderam o poder para o Ministério da Fazenda, que passou a dar a última palavra sobre o assunto. Depois do Plano Real, todo esse processo foi revisto, reduzindo-se ou eliminando-se a interferência da Fazenda no controle de preços públicos.
No caso da gasolina e do diesel, a maior abertura da Petrobrás ao investimento estrangeiro exigiu a fixação de regras claras para o reajuste da gasolina e do diesel. No governo FHC, estabeleceu-se uma fórmula paramétrica, que levava em conta os preços praticados no Golfo do México e não a vontade da Fazenda. No governo Lula, a regra foi paulatinamente deixada de lado e a Petrobrás se submeteu a rigoroso controle de preços, que se acentuou nos anos finais da primeira administração petista.
No governo Dilma, o paulatino afrouxamento da política monetária começou a por sob risco o cumprimento da meta para a inflação. Em meados de 2011, as expectativas inflacionárias sinalizavam que o limite superior da meta seria ultrapassado. Isso coincidia com a elevação dos preços do petróleo, na esteira da piora da crise global, particularmente na Europa. Ficou clara a defasagem dos preços da gasolina e do diesel, mas o governo decidiu não revê-los. Era uma questão de honra cumprir a meta para a inflação e assim desmentir os prognósticos dos analistas de consultorias e de instituições financeiras.
As interferências do governo na Petrobrás, particularmente o controle de preços, provocaram forte queda de suas ações no mercado. Ao mesmo tempo, o controle impunha pesado ônus à indústria do etanol, cujos preços mantêm uma relação com os da gasolina. Foi então que o governo recorreu a um velho artifício dos tempos passados, qual seja o uso da tributação para atenuar os estragos do controle de preços. Autorizou-se a Petrobrás a reajustar os preços, mas sem impacto no consumidor, manobra que se tornou possível mediante renúncia do Tesouro à arrecadação da Cide, que incide sobre tais preços. Alivou-se a Petrobrás, sem aliviar os produtores de etanol.
Com essa e outras manobras, o governo conseguiu cumprir a meta para a inflação. O IPCA de 2011 variou precisos 6,5%, justamente o limite superior da meta. Em nenhum momento, o governo admitiu que manipulava os preços dos derivados de petróleo, pois isso seria confirmar a maquiagem do índice de inflação e reduzir ainda mais a já abalada credibilidade do Banco Central e do regime de metas.
O Estadão de ontem escancarou o controle de preços da Petrobrás. Em entrevista, o ministro de Minas e Energia reconheceu a manobra com a Cide. Mais grave ainda, informou que a empresa pediu o reajuste da gasolina, mas o governo não decidiu ainda se concordará. Para ele, embora a gasolina esteja há nove anos sem reajuste, “o governo tem suas responsabilidades também com o processo inflacionário. Tem de olhar a necessidade da Petrobrás, até para seus investimentos, mas olha também o interesse da economia”. E prosseguiu: “a balanço tem dois pratos. De um lado, o interesse legítimo da Petrobrás. De outro, o interesse legítimo de conter a inflação”.
É inacreditável, mas verdadeiro. O governo diz, com todas as letras, que interfere nos preços de uma empresa de capital aberto, com acionistas no Brasil e no exterior, que acreditaram na seriedade e no profissionalismo da gestão da empresa. E desmoraliza o regime de metas para a inflação ao explicitar que o Banco Central é auxiliado por controle direto de preços de produtos importantes na composição do índice de inflação. A rigor, caberia a abertura de um inquérito pela CVM. Ou uma ação dos acionistas minoritários contra o governo.