Dilma fala sobre o FMI (e erra novamente)

Depois de falar sobre juros por aqui e dar conselhos aos europeus sobre como agir na crise, Dilma agora fala sobre o FMI. Mostrou-se desinformada e prisioneira de conceitos equivocados que a esquerda professava nos anos 1980, quando criticava os acordos do Brasil com o Fundo. Falando ontem em Curitiba, no anúncio de um investimento de R$ 1 bilhão para o metrô, a presidente deitou falação. Afirmou que o desembolso somente era possível porque o país conseguiu libertar-se da “supervisão” do FMI. “Nós sabemos o que é a supervisão do Fundo, sabemos o que é proibir que um país faça investimentos”, assinalou diante de uma plateia de 500 pessoas. Para Dilma, quando o Brasil estava sob a “gerência” do FMI, “investir do orçamento R$ 1 bilhão no metrô seria inimaginável”. Certamente agradou, pois a plateia provavelmente tinha connhecimento ainda menor do assunto

É inacreditável que alguém no posto dela possa errar tanto. Qualquer um pode falar mal do FMI, mas no caso dela isso deveria ser feito com base em informação segura e não em visões impressionistas. O FMI não proibe que um país faça investimentos, nem tem como fazê-lo. Quem recorre ao FMI é porque enfrenta problemas sérios de financiamento interno e externo. Por alguma razão, o país tem déficit insustentável na conta corrente do balanço de pagamentos e/ou um déficit público igualmente insustentável. Em tal situação, perde o acesso a fontes externas ou internas de financiamento desses déficits. Passa a ser visto como suscetível de dar calote em sua dívida interna ou externa. Nesse caso, o FMI socorre o país, condicionando a assistência financeira a ajustes que restaurem a sustentabilidade do endividamento e as condições para o retorno do crescimento.

Nos programas do FMI, como se vê agora na Europa, há quatro critérios de desempenho (condicionalidades), um dos quais tem a ver com finanças, qual seja o déficit público, do qual deriva a elevação do endividamento. O Fundo negocia com o país um determinado limite para o déficit, que equivale às necessidades de financiamento do setor público. O caminho para atingir a meta é de exclusiva responsabilidade do país. Ele pode conseguir isso privatizando empresas estatais, cortando gastos, demitindo funcionários, reduzindo investimentos ou elevando a carga tributária. O FMI não interfere nem pode interferir nessas questões, que dizem respeito à economia interna do país. Se Dilma tivesse consultado o representante brasileiro no FMI ou mesmo o presidente do Banco Central teria evitado fazer comparações destituídas de sentido.

Hoje, Dilma foi mais longe. Já em Porto Alegre, assegurou que o Brasil não concorda com a imposição de políticas restritivas pelo FMI a países em crise. “Jamais aceitaremos, como participantes, que certos critérios que nos impuseram sejam impostos a outros países”. E continuou: “hoje temos recursos aplicados no Fundo e possivelmente iremos ter maior participação”. Perdeu novamente a oportunidade de calar-se. O Brasil não tem a menor chance de impor sua vontade ao Fundo nem de direcionar a forma como negocia acordos de assistência financeira a países em dificuldades. Se Dilma mandar o representante do Brasil votar desse jeito, ele ficará falando sozinho, expondo-se ao ridículo. O FMI tem um corpo técnico de alta qualidade, que segue diretrizes aprovadas de há muito pelos países membros. Atua sob orientação de chefes de departamento escolhidos pelo critério de mérito. A autoridade máxima no campo técnico e administrativo é atualmente Cristine Lagarde, uma francesa. Os programas são aprovados por uma diretoria executiva composta de 24 membros.

A cota do Brasil no FMI corresponde a 1,71% dos votos. Considerada a “constituency” que o país lidera, isto é, o grupo de países que nós representamos, a participação sobre para 2,79%, número que seria atingido se todos votassem com o Brasil. Esse grupo inclui Colômbia, Filipinas e países da América Central e do Caribe. Somente os Estados Unidos têm poder de veto no FMI. Suas cotas passam de 17%. Como as decisões mais importantes do FMI exigem quórum de 85%, os americanos podem bloquear qualquer uma delas.

O Brasil certamente vai ter sua participação ampliada ao longo dos próximos anos, num processo natural de ajuste à nova realidade trazida pela ascensão de países emergentes. É provável, todavia, que jamais alcance a posição de vetar decisões, como garante a presidente Dilma. E se fosse possível, Dilma estaria patrocinando uma irresponsabilidade, isto é, países que chegaram a situações insustentáveis serem assistidos financeiramente para nada mudar. É como se um médico prescrevesse a bebedeira para um paciente que adquiriu o vício do alcoolismo. Ninguém de bom senso apoiaria.

Claro, o FMI pode errar, pois é feito de seres humanos. Sua história de mais de 60 anos prova, todavia, que acertou mais do que errou. Em certos casos, como é agora o da Grécia, os programas de ajuste não funcionam se não estiverem associados a um perdão parcial de sua dívida. Mas mesmo que o perdão venha para a Grécia, como é provável, isso não livrará o país de prosseguir em seu programa de ajuste, seja para reduzir substancialmente suas necessidades de endividamento adicional, seja para criar as condições para voltar a crescer.

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