Dilma distribui conselhos na Europa (e erra)
No seu períplo europeu desta semana, nossa presidente deu vários conselhos aos líderes da região. Invocou exemplos do Brasil e avançou reflexões sobre a crise, suas origens e formas de resolvê-la. Proclamou a Tarquia a trabalhar com o Brasil no G-20 para combater a “guerra cambial”. Com ar confiante em cada alocação, transmitia um ar de domínio dos assuntos, típico dos sábios. Começou fornecendo lições sobre política fiscal. Para ela, a experiência da América Latina teria mostrado que ajustes fiscais só pioram a crise. O certo, disse, é promover o consumo e o crescimento. Por certo, Dilma foi buscar suas impressões nos anos 1980, quando ouvia as críticas equivocadas da esquerda sobre as políticas de ajuste associadas aos acordos com o FMI.
Há duas razões para duvidar das conclusões da presidente. Primeira, não houve ajuste fiscal por aqui. O que se procurava, sobretudo depois da festa de gastos da Constituição de 1988, era reduzir o ritmo de crescimento das despesas. A diminuição era quase impossível, dada a rigidez orçamentária. Na verdade, os gastos públicos têm subido sistematicamente desde a segunda metada da década de 1980. Correspondiam a pouco mais de 20% do PIB e agora se aproximam dos 40% do PIB. A rigor, há apenas um episódio de ajuste fiscal com redução de despesas, que aconteceu no segundo mandato de FHC, como reação aos efeitos da crise russa (1998) e do colapso de nosso regime cambial (1999).
Em segundo lugar, os europeus não precisavam do conselhos nesse campo. Qualquer formador de opinião, jornalista de economia ou líder político sabe que o ajuste é inevitável. Sabe também que deve-se fazer o possível para que ele seja mais brando no curto prazo, para evitar que cortes excessivos de despesas agravem o já combalido ritmo de atividade econômica. O que se discute é algo distinto do pensamento dilmista, isto é, como fazer para aliviar o ajuste no curto prazo e sinalizar que, em prazo razoável, digamos dez anos, se reduza o déficit público e a dívida soberana a níveis prudentes e sustentáveis.
Além disso, quem não sabe que é desejável estimular o consumo e o crescimento? Os esforços europeus para debelar a crise se justificam exatamente por isso. Não é possível, todavia, por o carro à frente dos bois. Até porque não haveria como operar esse milagre, em uma conjuntura caracterizada por baixa ou nenhuma demanda de crédito para consumo e elevado desemprego. Dilma perdeu uma chance de calar-se nessa seara.
Dilma teria feito críticas ao sistema tributário europeu, que se caractizaria por “tributos restritivos”. É provável que tenha havido um problema de tradução, mas a crítica gerou reações entre iradas e jocosas, lá e aqui. O Estadão dedicou dois editoriais a esta e outras ideias da presidente. Na Veja desta semana, J. H. Guzzo usa sua coluna para uma bem humorada crítica aos conselhos de Dilma aos europeus. Uma blogueira do Financial Times, Samantha Pearson, disse que a presidente se portava como uma conselheira sentimental (“agony aunt”), daquele tipo que responde a questões e dúvidas existenciais de leitores de jornais. Para a jornalista, “o país que é classificado em 152º lugar pelo Banco Mundial, por seu complicado e pesado sistema tributário, está nos oferecendo assessoria sobre ‘tributos recessivos”. E aproveitou para dizer que “os políticos brasileiros têm recentemente tomado a si a tarefa de resolver a crise global, distribuindo conselhos aos países desenvolvidos”. Ela se referia ao ministro da Fazenda, que “depois de ter ganho fama com seu discurso de ‘guerra cambial’, propôs no mês passado um pacote de resgate dos BRICS para a Zona do Euro.”
Em seguida, nossa presidente deu sua versão sobre a origem da crise financeira de 2008, que para ela teria decorrido da “falta de regulação”. Ora, a crise resultou de um conjunto complexo de causas, das quais as deficiências de regulação (e não a falta dela) é apenas uma delas.
Na Turquia, Dilma conclamou o presidente do país e se juntar a ela no G-20, para que ambos busquem enfrentar a tal “guerra cambial”. Na verdade, se existe essa guerra (poucos acreditam) ela é praticada pela China, que manipula sua moeda. Mas o governo não dá um pio para reclamar dos chineses. O bom é falar mal de americano, um cacoete de nossa esquerda e da diplomacia petista. É verdade que os Estados Unidos têm promovido forte expansão da liquidez, mediante ações específicas do Federal Reserve, particularmente a chamada “quantitative easing”, pela qual o Fed compra papéis do Tesouro no mercado secundário e amplia a liquidez. Isso tem acarretado depreciação do dólar e apreciação de outras moedas, mas está longe de constutuir uma “guerra cambial”. Seu objetivo declarado é contribuir para a recuperação da economia americana. Se isso acontecer, o mundo inteiro ganhará, inclusive o Brasil. Dificilmente sairá algo relevante sobre “guerra cambial” na próxima reunião do G-20
Dilma desconheceu realidades, atropelou a história econômica e se mostrou arrogante nos seus conselhos. Mesmo que fosse diplomaticamente correto distribuir conselhos a outros países e avançar teorias, ela deveria ter estudado melhor os assuntos. Evitaria gozações explícitas, como a de Samantha Pearson, e provavelmente comentários pouco lisonjeiros dos líderes europeus, os quais, intramuros, provavelmente falaram mal sobre o que ouviram.