A Grécia não fugirá do calote
A dívida pública da Grécia se aproxima de 150% do PIB. É uma situação de insolvência. Servir uma dívida dessa magnitude em ambiente de estagnação econômica não é sustentável política, social nem financeiramente. Em algum momento, será preciso perdoar uma parte substancial. O calote é inevitável e virá mais cedo que se imagina.
A Grécia vive uma situação semelhante à da América Latina dos anos 1980. Também naquela época, taxas de juros relativamente baixas e facilidades de financiamento externo permitiram que os países da região embarcassem em amplos programas de investimento (e às vezes de consumo puro e simples), financiando-os com dívida externa. Com a parada brusca dos empréstimos externos em 1982, esses países ficaram insolventes. Precisavam se ajustar, mediante cortes de gastos e outras medidas. Os bancos também tinham que pagar o preço pela ressaca da festa de empréstimos, mas não estavam preparados para o perdão de parte de seus créditos. Era preciso tempo para os dois lados. No caso dos países, para promover dolorosas reformas. No caso dos bancos, para acumular reservas e provisões e assim conceder o desconto sem risco de quebrar. Quem acompanhou a saga das negociações e renegociações dos anos 1980 com os bancos e o FMI se lembrará do quanto foi difícil para todos. Em 1989, veio a solução com o Plano Brady. Os bancos concederam desconto de 35% (alguns tinham perdido muito mais, acima do dobro desse percentual, vendendo seus créditos no mercado secundário).
A crise grega é semelhante com duas fortes diferenças. Primeira, A Grécia é membro de um clube de ricos, que tem interesse em preservar o processo de integração econômica e evitar riscos de colapso da moeda única, o euro. A Grécia não teve, em momento algum, de suspender o pagamento de suas dívidas, como o fizeram os latino-americanos várias vezes. Um pacote de assistência costurado pela União Européia e pelo FMI supriu o país de recursos externos, na expectativa de que em algum momento os mercados voltariam a financiá-lo (o que não aconteceu). A segunda diferença está no campo político. Parece impossível sustentar anos de cortes de gastos e benefícios sociais, como ocorreu na América Latina. A Grécia é democrática, o que permite à sociedade organizada protestar contra as medidas e pressionar por soluções distintas das que vêm sendo adotadas. Na América Latina, praticamente todos os países estavam sob autoritarismo nos anos 1980, o que inibia esses movimentos. Na verdade, a crise acelerou a perda de legitimidade dos regimes militares.
Paolo Manasse mostrou enm artigo recente (www.voxeu.org/index.php?q=node/6553) como é inviável o ajuste prometido pela Grécia. Seria preciso que o país saísse de um déficit fiscal de 5% do PIB para um superávit de 7,5%, ou seja, um ajuste de 12,5% do PIB. Se feito em um ano, seria inviável politicamente. Se feito ao longo de anos, não resolveria o problema de insolvência. Se fosse concedido um desconto de 40% na dívida, a Grécia precisaria de um superávit primário de 4% do PIB, o que em tese seria viável, mas à custa de um monumental corte de gastos. A solução mágica seria a Grécia voltar a crescer. Esta seria, diz Manasse, a opção realista para evitar o calote. Se o crescimento fosse restabelecido, digamos à taxa anual de 1%, o superávit primário necessário cairia para 1,3% do PIB. Ninguém acredita nisso. Assim, a saída inevitável parece ser a do desconto, que se calcula precise ser de pelo menos 50% para a dívida se tornar sustentável e a Grécia renovar esperanças de voltar a crescer.
A taxa de juros dos papéis gregos bateu em 16,8% na semana passada, mais de duas vezes o nível de um ano atrás. Não há saída fora do desconto, mas, como na América Latina, os credores não estariam preparados para registrar as perdas, por não disporem de provisões e reservas em seus balanços. Haveria o risco de quebras. Assim, para obviar o problema, os bancos teriam que ser capitalizados pelos governos de seus respectivos países, que passariam a ser seus sócios. Em vez de desembolsar recursos para rolar as dívidas da Grécia, comprariam ações dessas instituições financeiras. Não vai ser fácil. Aqui e acolá a situação grega, pela qual também passarão Portugal e Irlanda (e talvez, teme-se, a Espanha e a Itália), ainda pode causar muitos sustos e turbulências nos mercados. Cedo ou tarde, contudo, o calote se imporá.