COLUNAS

Política

25 de out de 2010 , 14h45

A velha Ibéria resiste no governo

A velha Ibéria resiste no governo

No alvorecer do século XIX, a renda per capita dos países da América Latina era igual ou maior do que a dos Estados Unidos. Em 1880, a nossa ainda era 92% da deles. Na virada do século XX, os americanos já eram a maior potência econômica mundial, enquanto os latino-americanos ficavam para trás. Por que isso aconteceu?

Parte da explicação está na cultura e nas instituições importadas da península ibérica, conforme estudos de Douglass North e Stephen Haber. As colônias inglesas da América do Norte – e não as espanholas e o Brasil – herdaram condições mais propícias à expansão capitalista.

Como explicou Raymundo Faoro, em Portugal os bens do rei se confundiam com os do Tesouro (patrimonialismo). As rendas da corte podiam ser aplicadas nos gastos da família real ou nas obras e serviços públicos. O nobre português, ao contrário do inglês, nutria-se do emprego público.

No Brasil, há vestígios ibéricos no Orçamento e no emprego público. Como dizia Joaquim Nabuco no século XIX: “tomem-se, ao acaso, vinte ou trinta brasileiros em qualquer lugar onde se reúna a nossa sociedade mais culta: todos eles ou foram ou são, ou hão de ser, empregados públicos; se não eles, seus filhos”.

Na Inglaterra, o serviço público profissional surgiu no período de governo do primeiro-ministro William Gladstone (1868-1874). A base foi um relatório de 1854, preparado com a colaboração de Sir Charles Trevelyan, então famoso por investigar casos de corrupção na Índia.

Nasceu uma burocracia livre de indicações políticas. Hoje, a seleção para cargos equivalentes, no Brasil, a secretário da Receita Federal, membro do Comitê de Política Monetária do BC e outros é feita por consultorias (head hunters) ou sob a supervisão dos Civil Service Comissioners (www.civilservicecommissioners.org).

Aqui, o governo federal pode nomear, por indicação política, 25 mil titulares de cargos públicos (pouco mais de cem na Inglaterra, incluindo os ministros), nem sempre pelo critério de mérito. No governo Lula, as escolhas foram feitas, não raramente, com base na militância partidária e no afilhadismo político.

Como vimos, esse tipo de indicação se tornou grande fonte de corrupção e de degradação política, mais agora do que em outras oportunidades no passado. Nos estados e municípios, onde também se contam aos milhares as indicações políticas, não é diferente. Em alguns é manifestamente pior.

No campo orçamentário, o atraso institucional já foi dramaticamente reduzido com as reformas que aboliram o Orçamento Monetário e outras peças paralelas. Todas as receitas e despesas agora se submetem ao crivo do Congresso. A transparência permitiu o acompanhamento dos números pela imprensa e por organizações independentes.

Prevalece, todavia, uma ideia sem base histórica ou institucional, qual seja a de que o Orçamento é “autorizativo”. Salvo dotações como as destinadas a transferências constitucionais, pessoal, aposentadorias e encargos financeiros da União, o governo pode descumprir a lei orçamentária. O Ministério da Fazenda libera o que quiser.

Assim, depende do Executivo a liberação de recursos para emendas parlamentares. No regime militar, elas eram vedadas. Na democracia, se tornaram instrumento de barganha política. O governo as maneja para angariar apoios em votações críticas no Congresso ou as retarda para punir adversários.

O sistema político, a administração pública e os costumes ganhariam qualidade com reformas nessas duas áreas. Poder-se-ia limitar as escolhas políticas aos cargos de cúpula e a um número restrito de assessores. Os demais caberiam aos servidores de carreira. Head hunters seriam utilizados, inclusive para as estatais.

Adotar-se-ia o Orçamento “mandatório”, no qual as liberações seriam feitas automaticamente, na forma de cronograma preestabelecido. Para evitar a marotagem de inflar as receitas para caber mais emendas parlamentares, a estimativa da arrecadação seria feita por uma comissão de técnicos do Executivo e do Legislativo.

Neste momento, dadas a cultura e os interesses prevalecentes, essas medidas parecem sonho. Se um dia forem adotadas, por certo constituirão parte relevante da reforma política.

← Voltar