COLUNAS

Política

27 de dez de 2010 , 14h26

Uma ex-comunista na Presidência

Uma ex-comunista na Presidência

Vem aí a primeira presidente que acreditava no comunismo e teve participação na luta armada contra o regime militar. Outro ex-guerrilheiro comunista, José Mujica, tomou posse como presidente do Uruguai em 1º de março deste ano.

A utopia comunista encantou muitos jovens, inclusive este escriba, entre os anos 1950 e 1960. Prometia a sociedade sem classes e a todos atender segundo suas necessidades. Na época, o comunismo da União Soviética parecia superar o capitalismo.

Nikita Khruschev, o líder soviético, foi levado a sério quando em 1960 bateu o sapato na tribuna do ONU e depois anunciou que seu país suplantaria os Estados Unidos em 1980. O Sputnik, o primeiro satélite, fora lançado em 1957.

Em 1961, o russo Yuri Gagarin tornou-se o primeiro a ir ao espaço, ampliando o otimismo comunista. Acreditava-se que os países em desenvolvimento e até mesmo alguns desenvolvidos adotariam o socialismo soviético. Seria uma questão de tempo.

A coisa não era tão rósea assim. O governo soviético privilegiava a indústria pesada, em detrimento da indústria leve e da agricultura. Dizia que mais tarde o sacrifício seria recompensado por sólida base industrial e pelo acesso a bens de consumo.

Como a promessa não se cumpria, sinais de insatisfação apareceram já em 1953, nos distúrbios de Berlim. Em 1956 foi a vez da Hungria e da Polônia. Todos foram reprimidos. Novas promessas de mudança e melhoria não se concretizaram.

O descontentamento aumentava à medida que a prosperidade se firmava nas sociedades capitalistas. Nos países da Europa Ocidental, o rádio e a TV mostravam que o Leste ficava para trás. Até os cidadãos soviéticos, mais distantes, começavam a notar o fosso.

Os dois problemas estruturais do mundo comunista ficaram evidentes: a supercentralização e a ausência de incentivos, particularmente de recompensas pelo esforço individual. Inibia-se a inovação e os ganhos de produtividade, que são centrais no processo de desenvolvimento.

O crescimento comunista vinha do impulso da indústria pesada, que se esgotava. A União Soviética chegou a superar os Estados Unidos na produção de aço, mas isso resultava de ineficiências. Um trator soviético pesava oito vezes mais do que o americano. A agricultura se atrasava.

A eletrônica virou de vez o jogo em favor do capitalismo. O transistor e o laser transformaram produtos de consumo, processos industriais, os transportes e as telecomunicações. O computador se tornou dominante. O comunismo perdeu a corrida tecnológica por causa das falhas sistêmicas do planejamento central.

A esquerda européia percebeu a realidade. Aceitou a economia de mercado e a democracia como valores fundamentais, sobretudo depois da queda do Muro de Berlim. Entendeu que o capitalismo era também superior no respeito às liberdades individuais inerentes aos regimes democráticos.

Na América Latina, o aggiornamento começou no Chile. Aos poucos, em distintas velocidades, se espraiou por outros países. A madura esquerda chilena evitou o retorno da velha tradição intervencionista. O mesmo ocorreu no Uruguai. No discurso de posse, sem rodeios, Mojica prometeu uma política econômica ortodoxa. Institucionalmente, esses dois países são os mais avançados da região.

No Brasil, o governo de FHC foi exemplo dessa mudança. Reverteu retrocessos estatistas da Constituição de 1988 e lançou as bases de um novo período de desenvolvimento. Lula manteve a política econômica, mas não continuou as mudanças nem evitou que em seu governo sobressaísse um vetusto anticapitalismo.

O anticapitalismo, aliás, é a marca de muitos que abandonaram a utopia do socialismo real soviético. Sua conversão foi parcial. Defendem vigorosamente a democracia, mas desconfiam da economia de mercado. Recentemente, a preferência pelo estatatismo se nutriu de um equívoco, o de que a crise financeira teria devolvido o prestígio à ampla intervenção na economia.

Espera-se que a nova presidente, na linha de seu colega uruguaio, dispa-se dos últimos vestígios do anticapitalismo que professava. Isso não significaria abraçar o absoluto livre mercado, outra utopia, mas liderar o país para livrá-lo de conhecidas ineficiências do estado.

← Voltar