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Economia

9 de jul de 2014 , 18h49

Tolerância à inflação

Tolerância à inflação

A inflação, medida pelo IPCA, rompeu o teto da meta (6,5%). No acumulado em doze meses, atingiu 6,52% em junho. Não fosse a repressão aos preços de combustíveis, energia elétrica e outros, chegaria pelo menos a 8%. Entre os 26 países que adotam o regime de metas para a inflação, somente três exibem número pior: Gana, Indonésia e Turquia. Nos governos do PT, a característica tem sido a tolerância com a alta de preços, salvo quando Antonio Palocci era o ministro da Fazenda (2003-2006).

A partir dos anos 1950, o Brasil se notabilizou como o país mais tolerante à inflação. Preferimos conviver com seus efeitos a combater suas causas. Prevalecia a visão equivocada de que um pouco de inflação ajudaria o desenvolvimento. Renegavam-se as políticas de estabilização, alegando o custo, mesmo que temporário, da queda da produção e do emprego. A esquerda inventou a expressão “arrocho salarial” para definir o efeito da terapia. É como se fosse possível curar uma bebedeira com mais pileques.

A alta inflação promoveu naturais movimentos de defesa via indexação de preços e salários. Após breve redução entre 1965 e 1973, a alta dos preços retomou a marcha ascendente, somente interrompida pelo Plano Real. De tão entranhada, a indexação nos trouxe outra distinção: a economia na qual os remédios anti-inflacionários tradicionais – políticas monetárias e fiscais mais austeras – causavam custos sociais insuportáveis. Daí o recurso a meios não convencionais, como o congelamento de preços – que fracassou – e, depois, o brilhantismo da URV do Plano Real, que assegurou a transição para uma economia estável, e de indexação branda e de maior prazo, como ocorre onde se leva a estabilidade a sério.

De 2007 em diante, a tolerância à inflação voltou à cena. A meta foi mantida teimosamente em 4,5%. Mais, o teto fixado (6,5%) tornou-se a própria meta. Em vez de buscar os 3% característicos dos países emergentes (2% no Peru), retornamos à velha cantilena de que é possível crescer mais com mais inflação. Em maio, a presidente Dilma descartou veementemente os 3%. Para ela, essa meta elevaria o desemprego para 8,5% ou mais. Nos países vizinhos onde vigora tal meta, as taxas de desemprego e crescimento do PIB são melhores do que as nossas.

Por causa dessa renovada tolerância e da provável influência política nas decisões do Banco Central, a inflação do Brasil tem sido muito alta. Se o IPCA de 2014 ficar nos 6,5% (talvez mais), a inflação acumulada nos doze anos de governos petistas terá atingido cerca de 100%. Se a meta de 4,5% fosse cumprida, o acumulado seria 69,6%. Caso valesse a meta de 3%, o IPCA teria ficado em 42,6%. Não vale comparar com períodos anteriores, nos quais prevalecia uma situação completamente distinta da atual.

O Brasil comprova a tese de que taxas de inflação persistentemente altas estimulam a indexação, que, vale repetir, é uma natural estratégia defensiva. Tornou-se comum reivindicar reajustes salariais superiores a 10%, às vezes a 20% e até mais. Estudos da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) detectaram a volta do temido gatilho salarial em acordos e convenções entre empresas e trabalhadores. Como afirmou o professor Hélio Zylberstajn, “a expectativa sobre o nível de inflação futura está crescendo nas mesas de negociação. Já assistimos a esse filme nos anos 80/90. Uma reprise não seria agradável”.

O FMI examinou a inflação em 26 países que adotam o regime de metas e outros cinco. O Brasil é o que exibe a maior persistência de inflação. Nos países onde esse fenômeno acontece, o custo de trazer a inflação para a meta é mais alto. Tal custo, definido como “taxa de sacrifício”, significa mais desemprego e menos produção. Nessas circunstâncias, as expectativas quanto à inflação futura – e assim o ambiente para a indexação e os gatilhos – se tornam cada vez mais negativas. Fica mais difícil aumentar o potencial de crescimento econômico.

É chegada a hora de abandonar a tolerância à inflação. Nada diz que o Brasil não possa caminhar para uma meta anual de 3%. A experiência mundial prova que o desenvolvimento é mais factível com baixa inflação. Não o contrário, como o atual governo parece acreditar.

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