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Economia

24 de ago de 2011 , 17h08

Somos todos especuladores

Somos todos especuladores

O intermediário e o especulador são componentes fundamentais do sistema capitalista. Entender o seu papel é essencial. Uma adequada regulação é necessária para minimizar seus defeitos (por exemplo, a especulação nociva) e maximizar seus muitos benefícios. Nas sociedades que chegaram tardiamente à moderna economia de mercado, como as da tradição latina, o intermediário e o especulador ainda são vistos de forma negativa, ao contrário do que ocorre na cultura anglo-saxônica.

Intermediário é aquele que atua entre a produção e o consumo. Na União Soviética, isso era crime. No Brasil, fruto do maior nível de informação, a aversão ao intermediário é cada vez menor. Poucos ainda o chamam de “atravessador”, o que busca lucro em detrimento do produtor e/ou do consumidor. A maioria aceita o supermercado, um tipo de intermediário que eleva a produtividade e transfere a maior parte dos respectivos ganhos ao consumidor.

Mais difícil é entender o especulador, talvez porque ele pertença ao complexo mundo financeiro, no qual muitos enxergam mistério e muita ganância. Os bancos são semelhantes aos supermercados. “Compram” recursos dos depositantes e investidores, e os “vendem” aos que precisam de crédito para produzir, comercializar e consumir. Não gozam, todavia, da mesma compreensão e simpatia.

É mais complicado quando o especulador atua em mercados futuros e derivativos, vistos como “cassino” e não como instrumento de gestão de riscos, que melhora o funcionamento da economia. Mercados futuros já existiam na Grécia antiga. No século XVI, pescadores holandeses vendiam arenques a serem capturados. Mercados futuros de outros produtos se espalharam pela Europa no século seguinte. Os contratos-padrão de grãos surgiram com a Bolsa de Chicago, em 1865, e desde então os mercados seguem regras formais e procedimentos que asseguram liquidez e reduzem custos de transação.

A definição maligna para o especulador não consta de dicionários da língua inglesa. No Oxford, especular é “investir em ações, propriedades e outros riscos, na expectativa de ganhar, sob o risco de perder”. No Merriam-Webster, é “comprar e vender com a expectativa de ganhar com as flutuações do mercado”. Em português, o Aurélio tem uma definição a mais para o especulador: o “indivíduo que age de má-fé, procurando tirar proveito de uma situação, de determinada coisa”.

O especulador é insubstituível em muitas situações. O exportador pode “travar” a taxa de câmbio. Sua receita será a mesma, independentemente da variação cambial. Quem deve em moeda estrangeira pode resgatar a dívida por um valor constante em reais. O risco é assumido pelo especulador, que sabe melhor calculá-lo e espera lucrar com a operação. Todos ganham.

O governo pode destruir os mercados quando desconhece seu funcionamento ou busca conquistar a parte menos informada da opinião pública. No fracassado Plano Cruzado (1986), proibiu-se a negociação de contratos de boi gordo na antiga “bolsinha” (Bolsa de Mercadorias de São Paulo), sob a ideia de que o sumiço da carne decorria da ação de especuladores e não das disfunções do plano.

Outro exemplo são as recentes medidas de intervenção nos mercados futuros (BM&F Bovespa), baseadas na suposição de que os derivativos são a fonte de valorização do real ante o dólar norte-americano. Na verdade, essa valorização tem muitas causas, mas surpreendentemente o governo elegeu os derivativos como vilões. Por isso, o ministro da Fazenda defende as medidas como uma necessidade de combater os especuladores. Além de ineficazes, tais medidas criam incertezas e podem transferir nosso mercado de futuros para Chicago, onde as regras são estáveis e não se teme atitude inconsequente do governo.

O leitor pode não se dar conta, mas especula ao comprar ações ou investir no mercado financeiro, inclusive na caderneta de poupança. Ou quando compra um bem a prazo, paga juros e usufrui o seu uso presente, especulando que o benefício do bem-estar é superior ao custo do financiamento. Ou quando antecipa a compra de uma passagem aérea na expectativa de alta de seu preço. E assim vai.

Somos todos especuladores. O difícil é separar o joio do trigo.

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