Política
25 de fev de 2015 , 15h33Sobre o impeachment
Conversas e especulações sobre um eventual impeachment de Dilma aumentaram com a forte queda de sua popularidade, que se explica pelos desastres derivados de má gestão. Sobressaem o escândalo na Petrobras, o risco de racionamento de energia e os maus resultados na economia. Apesar disso, a menos que novos fatos venham a justificá-la, não parece boa a ideia de buscar a interrupção de seu mandato.
Em estudo de 2006, Kathryn Hochstetler examinou as tentativas de interrupção do mandato de presidentes eleitos na América do Sul após a redemocratização das décadas de 70 e 80 (“Rethinking presidentialism: challenges and presidential falls in South America”). Até 2003, dezesseis presidentes enfrentaram tentativas de impeachment e nove deixaram o governo antes do fim do mandato. Apenas um impeachment se concretizou, o do brasileiro Fernando Collor. Os demais fracassaram por outros motivos.
A autora lista três fatores que motivaram tentativas de impeachment na região: 1) insatisfação com a política econômica, 2) acusações de corrupção e 3) governo minoritário no Congresso. Adicionalmente, os protestos de rua representam um forte determinante. Na ausência de um desses fatores ou de movimentos de rua, os presidentes concluíram o mandato.
Foi assim no Brasil nas tentativas de impeachment de Getúlio Vargas e Fernando Henrique. O caso de Vargas (1954) teve por motivação o atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, que resultou na morte do major-aviador Rubens Vaz. O mandante do delito, Gregório Fortunato, era chefe da guarda pessoal de Vargas. O pedido de impeachment foi apresentado pelo deputado Afonso Arinos, mas Vargas era majoritário no Congresso. A proposta foi rejeitada por 136 votos a 35.
No caso de Fernando Henrique (1999), a iniciativa foi do PT, no início do segundo mandato do presidente. FHC enfrentava queda de popularidade com a desvalorização da moeda, que durante a campanha pela reeleição ele prometera não realizar. O PT mobilizou protestos de rua sob o lema “Fora FHC!”. Os movimentos, porém, não se encorparam. Havia insatisfação com a política econômica, mas inexistiam escândalos. O governo não era minoritário. Não houve processo de impeachment.
No escândalo do mensalão (2005), falou-se em impeachment de Lula, mas a oposição temeu a interrupção do mandato de um líder tão popular. Preferiu apostar numa agonia lenta, que acarretaria a derrota nas eleições do ano seguinte. Acontece que a expansão da economia, do emprego e da renda contribuiu para a recuperação da popularidade de Lula. O impeachment abortou.
Há quem, na oposição, se lembre do caso para defender a tese de que agora não se deveria contemporizar. A contínua deterioração da economia e os desdobramentos do petrolão disparariam protestos. Caberia à oposição atiçar os movimentos de rua que já se esboçam, desgastar a presidente mediante ações no Congresso e, assim, criar o ambiente para instaurar o processo.
O impeachment é um recurso legítimo e constitucionalmente válido para descontinuar más administrações. É um processo político. Não requer prova inequívoca, típica dos casos que envolvem crime. Indicações de que o dinheiro da corrupção na Petrobras serviu para financiar a campanha eleitoral de Dilma bastariam.
Ocorre que buscar o impeachment poderia não ser a estratégia mais conveniente. Mesmo que protestos de rua acontecessem em escala crescente, o governo ainda reuniria condições para manter a maioria no Congresso.
Embora improvável de acontecer, no decorrer do seu mandato normal a presidente ainda tem a oportunidade de reconhecer erros, reformular políticas, desenvolver habilidades no exercício do novo governo e melhorar a qualidade de sua equipe, recuperando a confiança na sua administração e na economia.
A eventual interrupção do mandato presidencial eliminaria as chances de reversão, pela própria Dilma, dos erros cometidos no primeiro governo. Permitiria, além disso, que os petistas utilizassem o processo de impeachment para posar de vítimas das elites, acusando-as de liderar um golpe contra o PT. Não se aproveitaria também o efeito pedagógico do julgamento de um fracasso pelos eleitores nas urnas.