Economia
13 de jun de 2012 , 18h24Sobre a autonomia do Banco Central
Pode até não ser, mas parece que o Banco Central (BC) perdeu a autonomia operacional conquistada no governo FHC. Ministros falam abertamente sobre a taxa de juros e há sinais de interferência política no BC. A experiência mundial diz que a autonomia dos bancos centrais é necessária ante o descompasso entre os ciclos político-eleitorais e os da política monetária. Ações voluntaristas para reduzir a taxa de juros ou promover a expansão inconsequente do crédito produzem dividendos eleitorais imediatos. Aquecem a economia, aumentam o emprego e assim agradam os eleitores. Os respectivos e danosos efeitos inflacionários aparecem mais tarde. A autonomia permite resistir a pressões para estimular a economia de forma insustentável.
A perda de autonomia do BC não é estranha se consideradas as circunstâncias que retardaram a sua criação. O Brasil foi um dos últimos países da América Latina a ter seu banco central (1964), trinta anos depois da Argentina. Por mais de quarenta anos, suas funções foram exercidas pelo Banco do Brasil (BB), incluindo o monopólio cambial, o recebimento de depósitos dos bancos e a fiscalização do sistema financeiro. Nesse período, o BB respondia por mais da metade da oferta de crédito. Era o quase único financiador da agricultura. Com acesso privilegiado ao redesconto (que ele mesmo operava), era enorme sua capacidade de expansão. Daí seu grande prestígio político, que utilizou por muitos anos para neutralizar tentativas de criação do BC.
A lei que criou o BC fixou mandato para seus diretores, que é a característica essencial da autonomia. Acontece que a ideia de que o BC é um órgão de estado e não do governo não estava firmada no Brasil (e ainda não se firmou). Assim, o mandato foi extinto no governo Costa e Silva (1967-1969). No governo Geisel (1974-1979), os diretores passaram a ser demitidos ad nutun, isto é, sem necessidade de justificativa. O BC se tornou fonte oficial de financiamento da agricultura, da agroindústria e das exportações. Um programa de redesconto seletivo financiava vários setores. O BC possuía equipes de análise de projetos de investimento. Era, sem tirar nem por, um banco de fomento. O BC e o BB se relacionavam por uma conta de movimento, pela qual o primeiro supria o segundo de recursos sem limites. A brutal inflação dos anos 1980 nasceu em parte desse atrasado arranjo institucional. A conta de movimento foi extinta em 1986. O BC perdeu as funções de fomento em 1987. Com a criação do Comitê de Política Monetária (Copom) em 1996, institucionalizou-se a decisão colegiada sobre a taxa de juros. Em 1999, o regime de metas para a inflação consolidou a autonomia operacional do BC, preservada no governo Lula.
Apesar da ampla evidência empírica de que bancos centrais autônomos asseguram inflação baixa – fundamental para o crescimento e a geração de emprego –, a resistência a essa autonomia continua forte no Brasil. Recentemente, falou-se na morte da ideia. A crise financeira teria levado os bancos centrais dos países ricos a se entender com seus governos. Ocorre que isso nada tem de incomum. Aos bancos centrais cabe auxiliar a gestão da dívida pública. Seus presidentes acompanham os ministros da Fazenda em reuniões internacionais. Sem perder autonomia, articulam-se com o governo em momentos de crise. Não se viu o presidente Obama, a chanceler Angela Merkel ou outros líderes dando ordens aos seus bancos centrais. Eles receberam críticas, mas não à sua autonomia e sim por não terem percebido as bolhas e a excessiva alavancagem financeira, que contribuíram para a atual crise.
A autonomia não pode transformar os bancos centrais em um quarto poder. Cumpre-lhes prestar contas, via depoimentos no Congresso e amplo acesso às suas informações e atividades. A aprovação de uma lei de autonomia do BC, como acontece nos países bem-sucedidos, criaria tal obrigação e evitaria sua submissão a interesses políticos. Torná-lo-ia mais transparente aos olhos da sociedade. Por ora, infelizmente, a ideia dificilmente vingará. Prevalece é a corrente de opinião que vê o BC como ferramenta desenvolvimentista, incluindo gente do governo. Uma pena.