Política
2 de out de 2013 , 22h01Sobre a autonomia do Banco Central
Há sinais de interferência política no Banco Central, interrompendo a autonomia operacional que desfrutava nos governos FHC e Lula. Isso reduz tanto sua credibilidade quanto a capacidade de coordenar expectativas, o que é fundamental para o exercício de sua mais nobre função, a de preservar a estabilidade da moeda.
Até a primeira metade do século XX, era comum a adoção do padrão-ouro, no qual a moeda se expandia ou se reduzia conforme o estoque do metal. Eficaz no controle da inflação, esse regime não tinha a flexibilidade das atuais políticas monetárias. Por isso, alternavam-se momentos de crescimento com outros de forte contração do PIB. O desemprego aumentava, mas não havia proteção aos trabalhadores. O surgimento de sindicatos contribuiu para o fim do regime e da crença de que a recessão purgava distorções e preparava a reanimação da economia.
Com o abandono do padrão-ouro, a moeda e a taxa de juros passaram a depender do banco central. Havia o risco de irresponsabilidade na política monetária e de descontrole da inflação. Episódios de hiperinflação como o da Alemanha nos anos 1920 – que concorreu para formar o ambiente do qual emergiria Hitler – justificaram a atribuição, ao banco central, de autonomia para formular e conduzir a política monetária. Evitar-se-iam, assim, ações políticas para estimular artificialmente a economia com fins eleitorais, o que depois traria mais inflação e menos crescimento.
Na América Latina, a visão sobre o papel dos bancos centrais demorou a se enraizar. Eles surgiriam apenas a partir dos anos 1930. Antes, suas atribuições cabiam a outras organizações. Aqui, esse papel era do Banco do Brasil. De 1945 em diante, o BB dividiria responsabilidades com a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc). O Banco Central seria instalado em 1965.
Em 1990, a Nova Zelândia criou o regime de metas para a inflação, seguida de outros países, inclusive o Brasil (1999). Um governo eleito fixa as metas, e o banco central tem autonomia, prevista em lei, para persegui-las. Seus diretores têm mandato fixo. Via relatórios, o banco presta contas ao Executivo, ao Legislativo e à sociedade. Seu presidente comparece periodicamente ao Congresso.
Na América Latina, era comum a interferência política na ação do banco central, considerado instrumento conveniente à disposição dos governos. Daí a inflação crônica e elevada, que em muitos países acarretou desarranjos econômicos, tensões sociais e crises institucionais. Em alguns casos, sobrevieram regimes autoritários. Na década de 90, em meio à democratização e a esforços anti-inflacionários, a maioria desses países aprovou leis de autonomia operacional de seu banco central. As exceções são Brasil, República Dominicana e Guatemala.
Por razões políticas, a lei se tornou letra morta em muitos lugares, com destaque para a Argentina e a Venezuela. No Brasil, o êxito do Plano Real fez do BC, na prática, um dos mais autônomos bancos centrais da região. Esse status dependia, entretanto, da vontade pessoal de FHC e de Lula, em virtude da percepção de ambos sobre o valor da estabilidade e do papel do BC em preservá-la. Constituía uma dádiva de dois homens movidos por razões pragmáticas ou convicção, e não um imperativo da lei. Com Dilma, esse compromisso foi abandonado.
O atual governo parece professar a crença, típica da velha esquerda latino-americana, de que a autonomia é uma ideia neoliberal, contrária aos objetivos de impulsionar o desenvolvimento. Convenhamos, a crença é abraçada pela maioria da classe política e por boa parte do empresariado e de formadores de opinião, que apoiam a interferência política no BC.
A experiência internacional prova que a autonomia por lei amplia a capacidade do banco de ancorar expectativas, o que reduz os custos do combate à inflação. Mesmo quando a autonomia existe na prática, a confirmação em lei eleva essa capacidade. Foi o que ocorreu no Reino Unido, quando o primeiro-ministro trabalhista Tony Blair submeteu ao Parlamento, logo depois de eleito, em 1997, projeto de lei de autonomia ao Banco da Inglaterra. A taxa de juros caiu em seguida. Isso também precisa acontecer no Brasil.