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Economia

13 de jul de 2008 , 15h45

Sem medo do déficit externo

Sem medo do déficit externo

O reaparecimento do déficit em conta-corrente tem sido destaque na mídia, com alertas para o risco de crise como as do passado. Na verdade, o risco é outro, qual seja o de medidas inconsequentes para enfrentar o suposto problema.

Ideias inconsequentes para reverter o déficit não faltam no arsenal “desenvolvimentista”: controle de capitais, redução voluntarista da taxa de juros, desvalorização cambial forçada e controle quantitativo do crédito.

O déficit até maio, de US$ 14,7 bilhões, se explica pela queda no saldo comercial (US$ 8,1 bilhões) e pelo aumento das remessas de lucros e dividendos (US$ 7,6 bilhões). A conta de juros, o vilão do passado, está diminuindo (caiu US$ 1,3 bilhão, ficando em US$ 2,7 bilhões).

O saldo comercial e as remessas estão influenciados por dois fatores que não devem se repetir: a greve na Receita Federal – que estatisticamente afetou mais as exportações – e a crise nos EUA – que levou multinacionais americanas a intensificar as remessas. O Brasil, onde o crescimento elevou os lucros em geral, se tornou um óbvio candidato à repatriação de lucros e dividendos.

Não se pode projetar o déficit tomando-se o desempenho até maio, mas é certo que ele vai crescer. Pode alcançar US$ 22 bilhões este ano e US$ 34 bilhões em 2009, correspondentes a 1,3% e 1,8% do PIB, respectivamente.

Quem teme a crise certamente raciocina com o ambiente do passado, quando havia câmbio fixo, o Banco Central não controlava a demanda, a inflação era alta, a economia estava indexada e as reservas internacionais eram modestas. Como sabia que o ajuste no câmbio acelerava o ritmo da inflação, o governo resistia e assim levava o déficit a uma situação-limite, que gerava a ruptura da inevitável maxidesvalorização. A inflação explodia, a atividade se reduzia e o déficit caía. Terrível.

O Brasil mudou. O câmbio é flutuante. O BC tem autonomia para controlar a demanda via taxa de juros e assim cumprir metas de inflação. As reservas internacionais superam a dívida externa. Somos grau de investimento. A sociedade, intolerante à inflação, reduz o apoio ao Presidente se a inflação fugir do controle, o que reforça o papel do BC.

Hoje, o déficit é razoável. Foi de 7% do PIB em 1979 e de 4,5% do PIB no final dos anos 1990. Será coberto por investimentos estrangeiros diretos, que deverão passar de US$ 35 bilhões este ano. Antes, era financiado por dívida.

Atualmente, os investimentos diretos e de portfólio representam mais de 70% do passivo externo. Dois terços da dívida são do setor privado. Antes, era quase tudo do governo. Os investimentos geram remessas se houver lucros, mas a dívida obriga a pagar principal e juros.

Em situações externas adversas do passado, os compromissos obrigatórios da dívida podiam levar-nos à moratória. Agora, uma redução da atividade econômica diminui as remessas, que serão adicionalmente reduzidas se houver ajuste do câmbio, pois os reais desvalorizados comprarão menos dólares. Diferentemente do passado, a desaceleração da atividade é uma forma não desastrosa de ajuste.

Se, mesmo assim, o déficit externo ficar insustentável, o câmbio mudará naturalmente. Os exportadores terão ganhos reais permanentes, pois não haverá ruptura nem explosão inflacionária. O país crescerá menos, mas a estabilidade será preservada. É difícil, pois, imaginar a repetição de crises como as de antigamente.

Em nível razoável e bem financiado, o déficit alavancará o crescimento. A correspondente poupança externa poderá ampliar o investimento, que foi de apenas 17,6% do PIB em 2007, dada a limitação da poupança doméstica. Como o setor público dificilmente aumentará de forma relevante sua capacidade de poupar, a poupança externa é a saída, pois a estamos utilizando para investir. É o que mostra o crescimento de 42,7% nas importações de máquinas e equipamentos nos últimos 12 meses.

Um destaque final: se houver uma natural desvalorização cambial, o endividamento público melhorará, pois a dívida externa é apenas um terço das reservas internacionais. Estas se valorizarão, em reais, mais do que a dívida. Cairá a relação dívida pública/PIB, que é o principal indicador de solvência do setor público. Antes, essa relação explodia com a desvalorização.

É preciso não enxergar fantasmas do passado no déficit externo do presente.

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