Política
23 de ago de 2010 , 15h56Rumo ao passado (e além)
A transição brasileira, iniciada em 1985, é um processo naturalmente lento. Chegamos à democracia, que já é um valor para a maioria. O desafio agora é radicalizá-la com reformas para melhorar a qualidade das instituições políticas e da competição eleitoral, contribuindo para a harmonia entre política e desenvolvimento.
Na economia, vencemos o descontrole de preços. Falta conceder autonomia legal ao Banco Central para perseguir metas de inflação. Demos grandes passos para abrir a economia. Precisamos agora de reformas para aumentar a competitividade e realizar novos avanços.
No governo, começamos a migração do ativismo estatal excessivo para uma economia orientada pelo mercado, alicerçada em fortes instituições. Para acelerar, é necessário reforçar a regulação e suas agências, bem como a defesa da concorrência. E reforçar os programas sociais focalizados nos pobres.
Esse processo requer mudanças institucionais, mas também novas atitudes. Já caminhamos muito com a Constituição de 1988, a reforma do Judiciário, a modernização das finanças federais, a privatização de estatais, a concessão de serviços públicos e a nova lei de falências.
O governo Lula manteve as conquistas da estabilidade e dos bons programas sociais. No período de Antonio Palocci no Ministério da Fazenda, fez reformas que melhoraram o ambiente de negócios e ampliaram o acesso ao crédito, particularmente o financiamento da casa própria.
Depois, as reformas pararam. Voltamos, de forma assustadora, a um passado que parecia enterrado. A estatização renasceu. A tristemente célebre “conta de movimento” do Banco do Brasil ressurgiu no BNDES com os mesmos defeitos: subsídios sem transparência e fora do Orçamento.
Diante das críticas, o governo as considerou eleitoralmente motivadas. Tentou provar que o BNDES gera mais dividendos do que os subsídios e evitou perda de 7% do PIB. Apesar dessa roda da felicidade, o Tesouro não mais lhe fornecerá recursos. Se tudo é tão fantástico, por que parar?
O retorno ao passado alcançou o setor privado. Líderes de classe apoiaram a política do BNDES com críticas deselegantes aos que a questionaram. Pediu-se de volta o fechamento da economia e restrições ao investimento estrangeiro. Inacreditavelmente, duvidou-se se valia a pena importar.
Na defesa intransigente do BNDES, um professor invocou o exemplo das empresas sul-coreanas e chinesas, que disporiam de crédito a custo praticamente zero. Por aí, as operações do banco não conteriam subsídio. Inacreditável. E conclamou os críticos a reclamar dos juros altos, que transferem renda para os bancos e os rentistas.
“Rentista”, aqui, tem a conotação pejorativa das tolices anticapitalistas de Karl Marx, para quem a atividade de intermediação financeira era estéril. Pergunta-se: é pecado poupar e receber juros? Os fundos de pensão são “rentistas”? Eles aplicam 55% de seu patrimônio em títulos públicos. São os maiores investidores nesses papéis. É ruim?
O governo inovou. O Ministério da Fazenda, numa ação inédita em seus 202 anos, foi usado para propaganda eleitoral. Preparou um boletim com estatísticas desvirtuadas, que inflaram supostos feitos de Lula e subestimaram os resultados de Fernando Henrique. Quase instantaneamente, a candidata do PT incluiu o boletim em seu site na internet.
O Ipea perdeu sua independência intelectual. Tal qual na Fazenda, foi posto a serviço do projeto de poder de seu grupo partidário. Como mostrou Regina Alvarez (O Globo, 22/8/2010), virou “braço de articulação de uma política externa movida pela ideologia, deixando em segundo plano sua missão primordial”.
A diplomacia brasileira, respeitada internacionalmente e fonte de talentos na cultura, nas artes e na administração pública, pôs de lado a missão que exercera com proficiência – a defesa dos interesses nacionais – para servir a um projeto político de prestígio pessoal de Lula.
A associação de economia fechada e subsídios dos bancos oficiais com interesses empresariais pode reproduzir os efeitos da industrialização forçada: ineficiências, favorecimentos e concentração de renda. Quem a patrocina agora é um governo dito de esquerda e protetor dos pobres. Irônico, não?