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2 de ago de 2024 , 18h58

Reforma: melhor para ricos

Reforma: melhor para ricos

As exceções beneficiarão sobretudo os mais favorecidos

A reforma tributária recentemente aprovada é o mais importante avanço estrutural dos últimos sessenta anos. Ela livrará o país do caos do sistema atual e de suas ineficiências, mas o Congresso rejeitou a alíquota única, uma das principais inovações da proposta e adotada nas modernas e melhores versões do imposto sobre valor agregado (IVA).

Os lobbies conseguiram enxertar grande número de exceções, com destaque para a alíquota reduzida nos serviços, consumidos essencialmente pelas classes mais favorecidas. Elas pagarão 40% da alíquota incidente sobre bens, que são adquiridos pelos mais pobres. Apesar disso, foram preservados os elementos mais relevantes da reforma, casos da uniformidade das regras em todo o território nacional, da não cumulatividade plena, da cobrança no destino e da isenção integral das exportações e dos investimentos.

O projeto de regulamentação na Câmara deu margem à criação de novos privilégios. O principal deles foi a ampliação da cesta básica para incorporar todos os tipos de carne, elevando em 0,53 ponto percentual a alíquota final. A medida beneficiará os segmentos mais ricos e seu custo recairá sobre os menos aquinhoados. Estudos comprovam que tais benefícios elevam os lucros das empresas, que retêm parte da redução tributária.

Sem justificativa aparente, aprovou-se alíquota reduzida para a aquisição de sêmen, embriões e matrizes animais. O benefício não se traduzirá em diminuição do imposto no consumo final, pois nas etapas posteriores se cobrará a diferença, mas teve o efeito simbólico de mostrar a influência do lobby do setor. Outro benefício foi a alíquota reduzida para farinha, sem especificar o tipo, o que exigirá esforço de interpretação do Executivo quando da implementação da reforma (e mais normas).

O excesso de exceções criará situações curiosas como a dos supermercados, cujas prateleiras exibirão produtos com diferentes alíquotas. Um prato cheio para quem quer pagar menos imposto: basta emitir a nota fiscal como se fosse de um produto sob alíquota zero. É provável que haja acumulação de saldos credores, já que vendas feitas majoritariamente por alíquotas reduzidas resultarão em débitos insuficientes para compensar os créditos sobre as compras. Os pedidos de ressarcimento exigirão fiscalização para que se comprove sua procedência.

Esses e outros exemplos reintroduziram complexidades que poderiam ser evitadas se a alíquota única tivesse prevalecido. As consequências serão mais controles e a abertura de caminho para que empresas se organizem para ter seus produtos entre os que pagarão menos impostos. A complexidade acarretará ineficiências e redução do potencial de crescimento da economia.

Há que comemorar os efeitos positivos da reforma na produtividade e ao mesmo tempo lamentar a perda da oportunidade de diminuir desigualdades sociais. É o custo decorrente do país dos privilégios. O Senado bem que poderia avaliar essas distorções.

Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2024, edição nº 2904

 

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