Reforma agrária é passado
O futuro da agropecuária tem a ver com tecnologia
Ideias equivocadas ou que perderam relevância continuam vivas na esquerda brasileira, como é o caso da reforma agrária, que ressurgiu com novas invasões do MST. Para Lula, o movimento não ocupa terras produtivas. Por aí, propriedades não produtivas poderiam ser invadidas. O artigo 170 da Constituição, que estabelece os nove princípios da ordem econômica, diz que o primeiro deles é a soberania nacional; o segundo é a propriedade privada. Não existe a distinção sugerida pelo presidente.
Nos últimos cinquenta anos, o Brasil tornou-se um dos maiores produtores de alimentos do mundo, conforme excelente estudo de Zander Navarro e Maria Thereza Macedo Pedroso. Nossa agropecuária é provavelmente a única capaz de ampliar presença nos mercados globais. Hoje, o setor gera oitenta vezes mais riqueza do que há cinco décadas.
No agronegócio, os postos de trabalho não agrícola superaram, em 2015, o emprego direto criado pelo setor rural. A vida rural subordinou-se à influência de fatores urbanos, inclusive em seus aspectos sociais e culturais. No passado, a abundância de terras e de mão de obra rural movia a expansão da agropecuária via aumento da área plantada e da pecuária extensiva. A produtividade não fazia parte do jogo.
A situação mudou com a chegada da lógica capitalista no setor. Sob o impulso inicial da Embrapa, a tecnologia tornou-se o motor da produção rural, cuja essência passou a ser a produtividade. Mais de 90% do crédito rural se originava em bancos públicos, particularmente o Banco do Brasil. Agora, mais de 60% nasce no setor privado, incluindo sofisticados instrumentos financeiros. Essa grande revolução é pouco percebida pelo PT.
Mudaram as fontes do crescimento. No censo de 1996, a proporção dos fatores trabalho e terra era 0,26 e 0,15, respectivamente. No censo de 2015, a tecnologia cresceu exponencialmente, de 0,42 para 0,64, explicando quase dois terços da expansão do setor. Provou-se a irrelevância dos programas de distribuição de terras. A alocação de glebas para famílias pobres não mais significa uma oportunidade promissora rumo à prosperidade. Acabou a era da reforma agrária e a razão de ser do MST.
A tecnologia e a inovação implicaram o advento de uma nova geração de agricultores associada à produção de altos investimentos e elevada sofisticação. A lógica capitalista, que responde pelo espetacular sucesso da agropecuária, dificilmente está ao alcance dos seguidores desse movimento. Infelizmente, como aconteceu em processos como esse, a tecnologia se transformou em variável decisiva para promover a desigualdade social no campo.
A meu ver, a saída é melhorar o capital humano dos membros do MST, via educação, e titular as terras dos agricultores que já têm a sua posse, habilitando-os a acessar o crédito. Quando necessário, cabe o amparo do Bolsa Família, que provavelmente já beneficia muitos desses indivíduos. Sua redenção jamais será a velha reforma agrária.
Publicado em VEJA de 12 de abril de 2023, edição nº 2836
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