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8 de abr de 2020 , 10h20

Reforma administrativa já

Reforma administrativa já

A reforma administrativa reduzirá gastos públicos e privilégios, mas seu foco precisa ser o fortalecimento do Estado para formular e executar políticas públicas e prestar serviços de qualidade à população.

O cientista político americano Francis Fukuyama analisou reformas que fortaleceram o Estado nos segmentos civil e militar. No livro Political Order and Political Decay (2014), vê-se que na China, dois séculos antes de Cristo, já havia a seleção de servidores por concurso público. “A burocracia era alfabetizada, bem-educada e organizada em hierarquia funcional.” Não à toa, a ascensão de impérios e de potências muito se deveu a um serviço público profissional guiado pelo critério do mérito.

O Estado moderno surgiu na Prússia. Entre suas reformas, a de 1770 introduziu o concurso público. Com o fim de privilégios da nobreza (1807), pessoas talentosas de todas as classes tornaram-se funcionários. Após a unificação alemã (1871), os servidores foram blindados contra interferência política.

Na França, a revolução (1789) foi a base para a reforma. Com a profissionalização e a seleção por concurso, o servidor tornou-se instrumento do poder público, e não um agente do rei. No Reino Unido, a reforma teve origem no Relatório de Northcote-Trevelyan (1854), que previa eliminar indicações políticas e instituir a admissão por concurso público. Ela inspirou os Estados Unidos e outros países herdeiros de tradições britânicas.

“A cara do clientelismo está nos mais de 22 000 cargos de indicação política nas repartições federais”

Essas reformas contribuíram para acabar com o clientelismo, que, no caso americano, atingiu o pico logo antes da Guerra Civil (1861-1865). Em 1849, o presidente Zachary Taylor substituiu 30% de todos os funcionários federais.

No Brasil, a primeira reforma (1938) criou o Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp). Seu objetivo era fornecer assessoria técnica ao presidente da República e elaborar a proposta orçamentária da União. Apesar de reformas posteriores, o país ainda não possui um amplo serviço público profissional.

No governo FHC, a criação da carreira de gestor, baseada no serviço público francês, formou quadros federais de melhor qualificação, mas depois pouco se avançou. Há hoje mais de 300 carreiras, muitas delas verdadeiras castas com elevadíssimos salários iniciais, que podem superar em 80% os percebidos no setor privado para funções e responsabilidades semelhantes. Apesar do concurso público, a cara do clientelismo está nos mais de 22 000 cargos de indicação política nas repartições públicas federais e muito mais do que isso nas dos estados e dos municípios.

Na atual crise, a reforma administrativa, ainda que se desconheça o projeto, merece ter prioridade. Pelo que se sabe de ideias que a inspiram, ela deverá fortalecer a capacidade operativa do Estado. Isso inclui a formação de quadros técnicos qualificados para prestar bons serviços, inclusive na área da saúde. Na Ásia, os êxitos no enfrentamento da pandemia da Covid-19 muito se explicam por uma burocracia profissional e competente.

Publicado em VEJA de 8 de abril de 2020, edição nº 2681

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