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Política

7 de dez de 2011 , 16h02

Recessão é uma política ou o efeito?

Recessão é uma política ou o efeito?

A esquerda brasileira desenvolveu um estranho raciocínio: a recessão seria o objetivo de certas políticas governamentais, não o seu efeito. Isso começou nos anos 1980, quando sobreveio uma severa crise econômica e tal raciocínio era usado para criticar o regime militar. A ideia deitou raízes.

A recessão se caracteriza por queda de produção, do emprego, da renda, do consumo e do investimento. Nos Estados Unidos, ela se define como “um declínio significativo de atividade por toda a economia, com duração de alguns meses e percebido no PIB, na renda real, no emprego, na produção industrial e nas vendas no atacado e no varejo”. Embora não seja oficial, diz-se que a recessão se instala quando o declínio ocorre por dois trimestres consecutivos.
A recessão tem várias causas. Um exemplo é o estouro de uma bolha imobiliária, que deprime os preços dos imóveis, diminui a riqueza das famílias e as torna menos propensas a consumir. Outro é a inflação alta, que corrói a renda dos trabalhadores e seu poder de consumo. A causa mais comum é a ação do governo para ajustar o ritmo de atividade econômica e assim resolver problemas de crescimento excessivo, alta perigosa de inflação, endividamento público insustentável, crise no balanço de pagamentos ou parada súbita do crédito externo. Nem sempre isso acarreta recessão. Quando tal ação é bem calibrada e adotada oportunamente, apenas reduz o ritmo de crescimento, como aconteceu na economia brasileira este ano.

A teoria econômica evoluiu muito desde 1776, quando Adam Smith, em célebre obra, investigou as causas da riqueza das nações. A teoria mostrou como funcionam os mercados, o papel da produtividade, as formas de aumentá-la e a função das instituições. Contribuiu, assim, para a formulação de políticas que trouxeram mais desenvolvimento e bem-estar. Apesar disso, a economia é tida como a “ciência sinistra” (dismal science). O epíteto foi criado pelo historiador escocês Thomas Carlyle (1795-1881), em resposta às ideias de Thomas Malthus (1766-1834). Malthus previa fome a inanição para a humanidade, pois a população cresceria mais rapidamente do que a produção de alimentos. Ele estava errado, mas a expressão ficou.

No Brasil, os economistas também contribuíram para o desenvolvimento. As ideias de Persio Arida e André Lara Resende ajudaram a vencer o entranhado processo inflacionário. Acontece que se defenderem reformas em favor das maiorias, que causam perdas a minorias, os economistas são rotulados de socialmente insensíveis, contra os aposentados ou inimigos do desenvolvimento.

Quando o médico prescreve um tratamento, o objetivo é o bem estar do paciente. Ninguém dirá que ele planeja o sofrimento. Mas se os economistas sugerem medidas de austeridade para resolver desequilíbrios e restabelecer o crescimento sustentável, diz-se que eles propugnam ações para promover a recessão, o desemprego e a destruição de conquistas sociais.

Para o filósofo Renato Janine Ribeiro, o receituário dos economistas, “salvo os keynesianos e os (poucos) marxistas”, é conservador. Esse receituário, diz ele, “propõe corte de gastos públicos, redução de direitos sociais, até mini recessões”. A presidente Dilma, talvez prisioneira do raciocínio de outros tempos, não cansa de repisá-lo. “O que nós temos visto na América Latina é uma espécie de repetição das nossas duas décadas perdidas, nas quais a recessão foi imposta como a saída para a crise”.

O receituário do médico incorpora esperança e simpatia, pois se sabe que o objetivo dele é a cura da doença. Sua ação é mais bem percebida por todos. A expectativa maior é de êxito. O diagnóstico é mais preciso, especialmente com os avanços da tecnologia. O economista não tem essas vantagens. No tratamento de crises, lida com incertezas, complexidades e situações inéditas. Nessas ocasiões, seu trabalho envolve questões difíceis de entender: juros, câmbio, riscos, déficit público, superávit primário. Os políticos e pessoas menos informadas podem associar o trabalho deles à desventura. Os economistas tendem a errar mais do que os médicos, mas seu foco jamais será a recessão pela recessão ou a austeridade sem propósito.

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