Economia
13 de jan de 2013 , 17h10Quem manda no Banco Central?
Pode até não ser, mas há sinais de que o Banco Central recebe ordens de cima. A presidente Dilma dá a entender que a queda da taxa de juros foi decisão sua e não do Comitê de Política Monetária (Copom). Seus auxiliares na Fazenda repetem que a medida é parte de ações do governo, como a desvalorização forçada da taxa de câmbio e as desonerações tributárias. O senso comum apoia isso. Afinal, imagina-se, se ela foi eleita para governar, pode muito bem mandar diminuir os juros e, assim, impulsionar o investimento e o consumo. Artigos e editoriais elogiaram a decisão.
Acontece que não é correto submeter uma agência reguladora como o BC ao comando do governo da hora. Não existe na experiência internacional êxito duradouro de tal interferência. Nos países dotados de boas instituições, o banco central é organização do estado e não do governo. Seus dirigentes são escolhidos pelo critério de mérito e sujeitos a aprovação pelo Legislativo. Não podem ser demitidos antes do término do mandato, em geral não coincidente com o do chefe do governo. Submetem-se ao controle democrático, mediante ampla prestação de contas, principalmente ao Parlamento.
Nos anos 1870, os Estados Unidos e a Inglaterra criaram as primeiras agências reguladoras, para assegurar a competição em ferrovias e energia elétrica. Hoje, em todo o mundo, elas regulam atividades econômicas em que regras de mercado não funcionam adequadamente e em áreas sociais como educação, saúde e saneamento. Sua autonomia operacional – característica de instituições do estado – decorre da complexidade de suas funções. Isso assegura a estabilidade das regras e, assim, a segurança para o investimento de longo prazo, cujo retorno se dá no decorrer de muitos períodos de governo. Cabe também à agência defender interesses dos consumidores.
Entre o fim das guerras napoleônicas (1815) e o da Primeira Guerra (1918), o padrão-ouro assegurava o controle da inflação. A emissão de moeda dependia do estoque de metais preciosos e não do governo. Com o término do padrão-ouro, tornou-se necessário confiar a defesa da estabilidade da moeda a uma instituição autônoma, capaz de proteger a sociedade contra ações inconsequentes dos governos. Por gerarem efeitos defasados no tempo, emissões de moeda e mudanças nos juros não podem ser orientadas pelos ciclos eleitorais. Decisões pautadas pelo voluntarismo propiciam ganhos ilusórios e muitos aplausos hoje, mas podem redundar em inflação amanhã, em prejuízo das classes menos favorecidas e do desenvolvimento.
O Brasil começou a construir a autonomia do BC com os avanços institucionais dos anos 1980 e com o Plano Real, o que lhe granjeou inédita reputação interna e externa. A partir de 2006, com a saída de Antonio Palocci do Ministério da Fazenda, iniciou-se uma ação sistemática para reverter esse status, sem sucesso. Lula não o permitiu. Desta vez deu certo. A percepção de que o BC é submisso ao governo se espalhou aqui e no exterior.
Felizmente, a queda da taxa de juros, de início uma aposta altamente arriscada, foi corroborada por uma dura realidade econômica interna e externa, em relação à qual não havia, de antemão, como ter muita segurança. Menos mal. O dano se limitou à credibilidade do BC. Agora, no entanto, as pressões inflacionárias se tornaram mais preocupantes, apesar de ainda encobertas por controle dos preços da gasolina e por desonerações tributárias. Mudanças normais na estrutura do índice que mede a inflação oficial também ajudaram.
Ainda é tempo de restabelecer a credibilidade e a autonomia operacional do BC, mesmo porque isso será forçosamente necessário se a inflação ameaçar fugir do controle. Na ata de sua última reunião, o Copom se mostrou preocupado. Distanciou-se do diagnóstico do governo, apontando a insuficiência da oferta, e não da demanda, como causa do baixo crescimento econômico. Dilma poderia aproveitar para deixar de jactar-se da queda dos juros. Isso agrada correntes que criticam o BC, mas afunda a imagem do banco. O silêncio tem seu simbolismo. Seus auxiliares deveriam calar-se sobre o tema e parar de acusar de ter saudades dos juros altos quem deles diverge. Isso é, no mínimo, uma tolice.