PT: o desafio da modernização
É preciso mirar-se na evolução da esquerda europeia
“Foram dois anos de sabotagem do bolsonarista Campos Neto, a serviço de quem o colocou lá”. Assim falou a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, em uma de suas diatribes contra o atual presidente do Banco Central (BC). É provável que não seja maldade, mas pura desinformação, o que pode gerar crenças em ideias econômicas equivocadas. O PT tem mostrado que pensa como sua líder. Desde que nasceu (1980), professa visões anticapitalistas. Acusa o BC de estar a serviço de bancos. Acredita que o gasto público é a fonte básica do crescimento (é a produtividade!). “Gasto é vida”, disse a ex-presidente Dilma Rousseff.
O PT poderia estudar com interesse a evolução do pensamento dos partidos de esquerda europeus. No seu início, entre o fim do século XIX e começo do século XX, eles defendiam a ditadura do proletariado e o controle estatal dos meios de produção. Começando na Alemanha, essas agremiações passaram a buscar o poder pelo voto e não por uma revolução comunista como a de 1917, que criou a União Soviética. Uns poucos partidos incluíram nos seus estatutos o objetivo de estatização total. Foram os casos de facções da Espanha e do Reino Unido.
No pós-guerra, as transformações econômicas e sociais da Europa, na esteira dos Trinta Anos Gloriosos, criaram o ambiente favorável à revisão das propostas e dos dogmas econômicos da esquerda. Uma delas foi o crescimento do setor serviços e a correspondente queda da participação do contingente de trabalhadores da indústria na força de trabalho, que eram a base de votos dos partidos de esquerda. Com o tempo e muitos debates internos, a nova realidade se impôs. A esquerda modernizou o pensamento econômico e consagrou, em seu ideário, a democracia e a economia de mercado sob regulação do Estado.
Na Espanha e na Grã-Bretanha, houve a influência de dois outros fatores. Na Espanha, a motivação foi o projeto de ingresso no Mercado Comum Europeu (atual União Europeia), a que se candidatara, que poderia torná-la um país rico. Havia que aprovar duras reformas para assegurar a estabilidade macroeconômica e o crescimento da produtividade. Na Grã-Bretanha, quatro derrotas consecutivas mantiveram os trabalhistas fora do poder por dezoito anos. Em ambos os países, a ascensão política implicava conquistar votos no eleitorado de centro. Líderes excepcionais – Felipe González, na Espanha, e Tony Blair, no Reino Unido – convenceram seus partidos a aceitar a revisão estatutária, chegaram ao poder, promoveram reformas, incluindo privatizações, e presidiram períodos de prosperidade.
O PT não se saiu muito bem nas eleições municipais. Isso pode sugerir que precisa renovar suas lideranças e abandonar ideias econômicas carcomidas. Nas cidades em que 40% dos eleitores são beneficiários do Bolsa Família – que eram fontes seguras de votos – o partido não elegeu um só prefeito. Pesquisas indicam que antigos apoiadores almejam empreender ou ter um emprego formal, e não depender do apoio direto do Estado.
Publicado em VEJA de 8 de novembro de 2024, edição nº 2918
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