COLUNAS

29 de jul de 2023 , 16h27

Privilégios na reforma tributária

Privilégios na reforma tributária

Exceções confirmam o poder de grupos organizados

A reforma tributária aprovada pela Câmara concedeu tratamento favorecido às classes mais abastadas. O consumo de serviços como os de educação, saúde e atividades artísticas e culturais, que é relativamente alto nesses segmentos, pagará apenas 40% da alíquota do imposto. Restaurantes e parques de diversão terão um regime especial. O consumo dos pobres, à exceção da cesta básica, arcará com o imposto cheio. Provou-se o poder de lobbies para obter ou ampliar privilégios.

O projeto original previa alíquota única para bens e serviços, em linha com as versões mais modernas do método do valor agregado (IVA), como a da Nova Zelândia. A experiência constatou que alíquotas múltiplas causam ineficiências, reduzem o potencial de crescimento e beneficiam os mais ricos. A União Europeia, que no início adotou três a cinco alíquotas, não conseguiu, depois, aprovar a alíquota única. Erros na partida tendem a ser perenizados.

O Brasil adotou o IVA em 1965, antes de países desenvolvidos, mas o dividiu em três partes: a União tributava produtos industrializados; os estados, a circulação de mercadorias; e os municípios, os serviços (ISS) com alíquota de 2% a 5%, em substituição ao imposto sobre indústrias e profissões. Acidentalmente, criou-se um privilégio. A alíquota de serviços favorece os ricos. Os pobres pagam alíquotas mais elevadas quando consomem alimentos ou eletricidade. Um escândalo.

Somos o país da meia entrada e dos “direitos adquiridos”. Divulgada a PEC 45, tributaristas e associações comerciais e de classe se mobilizaram contra a reforma. Falou-se no “absurdo” de aumentar tributos na educação, o que não tem a menor procedência. Os ricos é que seriam tributados. A educação gratuita continua como tal. Argumentou-se que “os serviços são o setor que mais emprega”. Puro papo furado. Isso ocorre apenas porque ele representa, quando incluído o setor público, mais de 70% do PIB. Ademais, cerca de 90% das empresas de serviços estão no Simples, não alcançado pela reforma. No modelo do IVA, seus lucros tendem a ser mantidos.

A redução na alíquota de alguns serviços implicará aumento de carga para os demais setores, incluindo os produtos consumidos pelos pobres, o que poderá manter a má distribuição de renda e a desigualdade social.

No livro The Crisis of Democratic Capitalism, Martin Wolf defendeu profunda reforma do capitalismo para salvar a democracia dos países ricos dos efeitos da desigualdade social e da estagnação da renda da classe média. Particularmente grave é a emergência de uma classe de plutocratas que se beneficiam de certas regras tributárias. Para tanto, Wolf lista cinco metas. Uma delas é “abolir privilégios para poucos”.

A reforma livrará o Brasil do manicômio tributário que contribuiu para a desindustrialização precoce e para a armadilha do baixo crescimento que nos afligem. Comemoremos, mas ao mesmo tempo lamentemos a prevalência dos privilégios de quem consome serviços.

Por Maílson da Nóbrega Atualizado em 28 jul 2023, 12h02 – Publicado em 29 jul 2023, 08h00

Leia mais em: https://veja.abril.com.br/coluna/mailson-da-nobrega/privilegios-na-reforma-tributaria/

Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2023, edição nº 2852

 

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