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Política

17 de set de 2014 , 18h26

Presidente: líder ou gerente?

Presidente: líder ou gerente?

A ascensão de Marina Silva nas pesquisas suscitou uma discussão sobre as características do presidente da República. Deve ser líder ou gerente? Muitos preferem a segunda qualidade, na linha de nossas tradições centralistas, mas tentarei demonstrar o que considero certo.

Marina adota a primeira opinião. Afirmou recentemente que o presidente precisa ter visão estratégica. A atual presidente alia-se à segunda, conforme sua reação à declaração de Marina: “Quem diz isso nunca teve experiência administrativa”. Para ela, o presidente tem de “dar conta de tudo”, ou seja, “obra de aeroporto, rodovia, ferrovia, porto, Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida”.

A meu ver, o tempo do presidente – valioso – deve ser investido na articulação política, na interlocução com segmentos da sociedade e na orientação da equipe. Isso é fundamental para construir e ampliar o apoio ao seu programa. Ele (ou ela) é o líder que sabe escolher pessoas, delegar atribuições e confiar a outros as tarefas do dia a dia do governo.

No livro Leadership without Easy Answers, Ronald A. Heifetz diz que a teoria sobre liderança política teria surgido, no século XIX, da ideia de que a história é feita por grandes homens e por seu respectivo impacto na sociedade (as mulheres não eram consideradas, então, candidatas à grandeza política). Thomas Carlyle (1795-1881) consagrou a teoria em livro sobre heróis políticos (1840). A ascensão ao poder requereria um conjunto “heroico” de talentos pessoais, habilidades e características físicas.

A teoria foi contestada na segunda metade do século XX sob o argumento de que a história depende também de ingredientes além da ação de grandes homens, ainda que estes sejam imprescindíveis. Não se negou o papel do líder nem a ideia de que indivíduos fazem história, mas se reconheceu que diferentes situações requerem distintas habilidades.

A meu juízo, o Brasil precisa de líderes políticos transformadores, capazes de empreender reformas e assim ampliar o potencial de crescimento e bem estar. São pessoas aptas a mobilizar a sociedade e a classe política para enfrentar e resolver problemas, o que implica motivar, seduzir, agregar, organizar, orientar, focalizar. O líder virtuoso precisa ter visão de futuro, habilidades para construir maiorias no Congresso e capacidade para identificar e atacar os problemas mais relevantes de sua época.

Rever opiniões, reconhecer erros e considerar novas realidades são igualmente atributos do líder sensato e verdadeiro. Fluência verbal, carisma e capacidade de se comunicar são características requeridas nas modernas democracias de massas, pois é assim que o líder transmite mensagens, ideias e estímulos.

Valorizar a experiência administrativa para o exercício do cargo de presidente é menosprezar a boa política. O gerente não responde aos desafios da liderança em países democráticos. Abraham Lincoln e John F. Kennedy, grandes presidentes americanos, não haviam exercido cargos públicos de administração antes de eleitos. Winston Churchill e Margaret Thatcher, os mais importantes primeiros-ministros da Inglaterra no século XX, haviam sido apenas ministros. No Brasil, a experiência de Fernando Henrique em cargo executivo foi a de ministro de Estado por cerca de dois anos. Lula, nem isso. Marina foi ministra por mais tempo do que FHC.

O presidente precisa ter qualidades de gestor, mas estas diferem radicalmente das associadas ao cotidiano da administração pública. Cuidar diretamente de obras, programas e outras atividades governamentais não é, definitivamente, a característica esperada de quem exerce o maior cargo do país. Essa é a responsabilidade de seus ministros e, na maioria dos casos, das pessoas escolhidas para gerir os órgãos da administração direta e indireta da União.

Não se sabe se Marina possui todas ou as principais qualidades de liderança aqui resumidas. Duvida-se de sua capacidade de formar e manter a maioria parlamentar indispensável à aprovação das medidas previstas em seu programa de governo. Isso ela terá de provar caso se eleja e, depois, assuma o desafiante cargo de presidente da República. Marina não precisa mostrar que é gerente.

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