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20 de ago de 2014 , 18h29

Prêmio Ig Nobel de contabilidade criativa

Prêmio Ig Nobel de contabilidade criativa

O Prêmio Ig Nobel, concedido desde 1991 aos que realizam pesquisas científicas aparentemente ridículas, é uma sátira ao Prêmio Nobel levada a sério. A cerimônia de entrega acontece anualmente na Universidade Harvard, à qual comparecem laureados pelo Nobel verdadeiro. O título é uma troça com a palavra inglesa ignoble, ou ignóbil (reles, repugnante) em português. Quem elege os premiados é a revista Annals of Improbable Research (Anais das Pesquisas Improváveis).

São escolhidos estudos que soam absurdos mas podem gerar conhecimentos úteis. A lista dos laureados está na internet (www.improbable.com/ig). Por exemplo, o Prêmio Ig Nobel da Dinâmica dos Fluidos de 2012 foi concedido aos autores dos estudos sobre a dinâmica do esguicho de líquidos, cujo objetivo foi entender o que acontece quando uma pessoa carrega uma xícara cheia de café. Em 2013, o Ig Nobel de Física foi atribuído aos cientistas que mostraram ser fisicamente possível a um indivíduo correr sobre a superfície de uma lagoa, caso esteja na Lua. Os títulos não guardam necessariamente correspondência com os do Nobel.

No Brasil, alguém poderia sugerir a concessão do Prêmio Ig Nobel aos governos do PT por sua descoberta de que é possível extrair dividendos de uma operação que dá prejuízo. É o que tem acontecido com a transferência de recursos do Tesouro para o BNDES, cerca de 400 bilhões de reais nos últimos cinco anos. O Tesouro capta os recursos no mercado à taxa Selic, atualmente 11% ano, e cobra do banco a taxa de juros de longo prazo (TJLP), hoje 5%. Assim, perde 6% do valor transferido. O prejuízo fica oculto no aumento da dívida pública. O banco empresta esse dinheiro à TJLP mais alguma coisa, aufere lucros e pode pagar dividendos ao Tesouro.

O malabarismo tenta convencer a opinião pública, inutilmente, de que o governo cumpre as metas de superávit primário, que é o valor destacado para pagar juros da dívida pública. Em 2012 e 2013, as operações com o BNDES renderam dividendos de 12,9 bilhões e 7 bilhões de reais, respectivamente, contribuindo para o cumprimento da meta naqueles anos. Embora em quantia bem menor, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica também participam do esquema. Em 2013, os dividendos representaram 22,2% do superávit primário do governo federal.

Há outras manobras dignas do Ig Nobel. Uma delas soma certos investimentos e os desconta da meta, assim permitindo o seu artificial cumprimento. Suponha que a meta seja de 100 bilhões de reais. Ela pode virar 50 bilhões de reais com as deduções. O procedimento nasceu, de verdade, das crises da dívida externa latino-americana dos anos 1980, quando os países devedores obtiveram assistência financeira do FMI, condicionada a ajustes fiscais para evitar a repetição do problema. Ocorria que os cortes de gastos penalizavam os investimentos, menos sujeitos a pressões políticas. Isso reduzia o potencial de crescimento, piorando a situação.

Para evitar esse problema, o FMI resolveu admitir o desconto de certos investimentos públicos da meta de superávit primário. Nesse sentido, negociou um projeto piloto com o Brasil, pelo qual os respectivos projetos eram selecionados de comum acordo. O Banco Mundial acompanhava sua execução. Agora, é o governo quem escolhe discricionariamente os projetos, que incluem até mesmo residências privadas financiadas pelo programa Minha Casa Minha Vida.

O Brasil conquistou respeito e credibilidade por causa das instituições fiscais construídas entre 1986 (fim da “conta movimento” do Banco do Brasil) e 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que aumentaram a transparência e a previsibilidade das finanças públicas federais. Deixamos para trás o atraso, mas ele voltou nos braços da contabilidade criativa do Ministério da Fazenda.

A proposta de conceder o Ig Nobel aos governos do PT não seria aprovada. O prêmio homenageia “realizações que primeiro fazem rir, mas depois fazem pensar”, sinalizando que as pesquisas premiadas têm valor, ainda que risíveis. Pode-se aprender com elas. A contabilidade criativa não tem serventia. Até faz rir, mas é de chorar. Indica a necessidade de restaurar boas práticas de gestão fiscal.

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