Economia
23 de fev de 2011 , 13h41Por que os juros são altos
O Brasil é campeão dos juros altos. Dizer isso é fácil. O difícil é baixá-los de forma responsável. Reduzi-los na marra para “níveis internacionais”, como alguns pedem, seria pura irresponsabilidade.
O jornalista americano H. L. Mencken (1880-1956) dizia que “para cada problema complexo existe uma solução clara, simples e errada.” É o que se vê na discussão sobre os juros no país.
O simplismo sobrevive até quando a realidade se impõe. Vejamos um exemplo. Em setembro passado, o BC interrompeu as altas da Selic, sob premissas que não se confirmaram. Não houve os esperados efeitos desinflacionários da recessão em países ricos e da desaceleração da atividade econômica doméstica.
Por isso, a inflação se acelerou. Em setembro, o IPCA dos doze meses anteriores estava em 4,7%, mas em janeiro saltou para mais de 6%. Assim, BC elevou a Selic, de 10,75% para 11,25%, e sinalizou que a taxa subirá mais. Apesar da realidade inflacionária, as críticas ao BC foram renovadas.
São múltiplas as causas dos juros altos, mas somente o Brasil reúne muitas ao mesmo tempo. Analisemos três das principais. Primeira, a despesa pública, de quase 40% do PIB, supera a dos demais países emergentes. Consequência: mais demanda na economia, mais dívida pública e mais pressão para aumentar juros.
Segunda, os consumidores pouco se influenciam pela taxa de juros. Olham mais quanto as prestações pesam na sua renda. Para se obter os efeitos observados em outros países, a taxa precisa ser mais alta. Isso se exacerbou com a ampliação da classe média e do acesso ao crédito, o que é bom mas pressiona a inflação.
Terceira, um terço do crédito não obedece a altas da Selic. São os casos de operações de bancos oficiais – em especial do BNDES –, do crédito imobiliário e de outras. Compare essa situação à de um sistema hidráulico de três canais em que um deles está entupido. A potência para fazer a água fluir (no caso os juros) tem que ser maior.
O uso da taxa de juros para combater a inflação, como se faz em países estáveis, é recente. Antes, se recorria a ações menos eficazes – embora compreensíveis para a época – como controle de preços, intervenções no comércio exterior e restrições de crédito, que criavam distorções. Estamos aprendendo a entender a novidade.
Aumentos da Selic são vistos como um mistério. Por que o próprio governo decide elevar sua despesa e causar outros estragos? Acontece que o BC não pode olhar o custo dos juros ao lidar com a inflação. Imagine um incêndio. Os bombeiros não medem o consumo de água nem se preocupam com danos nos móveis e instalações.
Para empresários, o mistério se acentua. Nos negócios, os juros representam custos, mas para o BC constituem instrumento de ação. Óbvio, os empresários preferem vender mais, sem considerar que há limites para a expansão do consumo. A inflação é ruim para os trabalhadores, mas também para eles.
Diz-se que o BC deveria imitar o Federal Reserve americano, que tem um olho na inflação e outro no crescimento. Ora, o BC age exatamente assim. Mira um balanço de riscos. Aumenta a Selic quando o risco é de inflação e a diminui quando a estabilidade está garantida e o risco pende para o crescimento. Vale ler suas atas.
Recentemente, se falou que uma causa importante da inflação é o aumento dos preços das commodities. Por isso, não é preciso elevar a Selic. Basta esperar que esses preços caiam naturalmente.
Ocorre que as commodities podem contaminar outros preços. O petróleo influencia a cadeia de produtos petroquímicos e a logística. Os alimentos sobem nos supermercados, mas também nos restaurantes. Cabe ao BC evitar esses efeitos secundários.
De oito anos para cá, a taxa real neutra de juros – que permite à economia crescer ao máximo sem pressões inflacionárias – se reduziu a menos da metade (hoje, perto de 6% ao ano). Explicações: a política econômica responsável, a correspondente redução da percepção de risco, a ampliação do crédito e avanços institucionais.
Novas quedas dependem de corte de gastos públicos e reformas para diminuir riscos, aumentar a segurança jurídica, melhorar a intermediação financeira e aprofundar o sistema de crédito. O tempo é fundamental.