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Economia

24 de ago de 2011 , 16h58

Perigos previdenciários

Perigos previdenciários

O modelo ideal de um regime previdenciário é aquele que garanta aos segurados uma vida decente na velhice e os meios para financiá-lo ao longo do tempo. É preciso haver equilíbrio atuarial e financeiro, mas isso não é o que se vê mundo afora. A crescente elevação da expectativa de vida tem permitido às pessoas usufruir por mais tempo os benefícios, o que é socialmente auspicioso, mas insustentável.

Diante disso, os países ricos têm aumentado a idade para a aposentadoria e criado mecanismos de ajuste automático dos benefícios à maior expectativa de vida (o nosso fator previdenciário). A idade média de aposentadoria será de 65 anos em 2050, isto é, aumento de 2,5 anos para os homens e 4 anos para mulheres, em relação a 2010. Ocorre que a expectativa de vida pós aposentadoria aumentará a um ritmo superior. Novas reformas são inevitáveis.

A crise financeira de 2008 mostrou que o adiamento de reformas pode exigir ajustes súbitos e dolorosos, que deveriam acontecer de maneira gradual. Grécia e Irlanda tiveram que realizar duras reformas para receber a assistência financeira oficial que as livraria da derrocada econômica e social. Agora, as pessoas terão que tomar difíceis decisões: trabalhar mais, aposentar-se com menos ou poupar mais.

No Brasil, o desequilíbrio é mais sério. Nem sequer adotamos o critério de aposentadoria por idade. No INSS, a regra é a do tempo de contribuição, a qual foi instituída nos anos 1930, quando se vivia em média 40 anos. Hoje, a nossa expectativa de vida pós aposentadoria é semelhante à dos países ricos.

Há três agravantes. Primeiro, a Previdência virou instrumento de assistência social, garantindo aposentadorias para quem não contribui. Segundo, o salário mínimo, que reajusta dois de cada três benefícios e impacta 40% da folha do INSS, tem aumentado acima da inflação (130% nos últimos 17 anos). Terceiro, a pensão por morte assegura ao cônjuge 100% da aposentadoria do segurado. A lógica do sistema (benefícios compatíveis com as contribuições) tem sido violada há anos.

O Brasil está ficando velho antes de ficar rico. Nossos gastos previdenciários superam proporcionalmente os de nações desenvolvidas e estão muito à frente dos emergentes. Os gastos de todos os nossos regimes alcançam 11,4% do PIB. Alemanha, Suécia e Estados Unidos gastam 12,1%, 11,1% e 7,5%, respectivamente. A Argentina despende 6,2%, a China 2,7% e a Coréia do Sul 1,3%. Aqui, apenas as despesas com pensões por morte já chegam a 3% do PIB.

O sistema previdenciário direciona o grosso dos gastos sociais para os idosos. O certo seria priorizar as crianças. De fato, como mostram Paulo Tafner e Márcia de Carvalho no livro 2022, proposta para um Brasil melhor no ano do bicentenário, coordenado por Fabio Giambiagi e Cláudio Porto, “43% das crianças de até 14 anos são pobres e quase um quinto delas (18,4%) é extremamente pobre. Mas, para indivíduos de 70 anos ou mais, apenas 4,7% são pobres e menos de 1% é extremamente pobre”.

O sistema é financeiramente insustentável e socialmente mal focalizado. É preciso, pois, fazer reformas que, preservando direitos adquiridos, evitem o desastre nos próximos anos. Há que fixar idade mínima para aposentadoria e novas regras para as pensões por morte, que levem em conta a idade do cônjuge, o número de filhos e o tempo de contribuição do segurado.

Em vez disso, o governo quer revogar o fator previdenciário, que incomoda os políticos e os sindicatos. Seria uma contrarreforma. O fator dá ao segurado duas opções: trabalhar mais ou receber menos ao aposentar-se, o que evita desequilíbrios adicionais. A ideia é substituí-lo pela regra 85/95: as mulheres se aposentariam quando a soma de idade e tempo de contribuição atingisse 85; os homens, 95. Agora se fala numa regra mais dura, 95/105, que dificilmente será aceita pelas centrais sindicais.

Nos países ricos, a ação dos governos é aumentar a idade de aposentadoria. No Brasil, há inação. O desequilíbrio previdenciário se amplia e se tornará dramático caso o governo persista em conceder generosos aumentos reais do salário mínimo. Se o sistema não passar pelas reformas necessárias, nossos filhos e netos pagarão uma gravíssima conta.

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