Política
11 de ago de 2010 , 16h10Obras e desenvolvimento
No imaginário brasileiro, o desenvolvimento tem a ver com obras públicas. “Governar é construir estradas”, dizia um ex-presidente. “Quebrei o estado, mas fiz o meu sucessor” confessou um ex-governador, indicando como os gastos em obras públicas alavancam candidaturas. E outras coisas mais.
Sem querer, o economista britânico John Maynard Keynes abençoou essa visão. Nas crises, dizia ele, se o consumo e o investimento privados se retraírem, o governo deve ampliar seus gastos com o objetivo de preencher a lacuna. Nossos políticos captaram outra mensagem: despesa pública sempre gera desenvolvimento.
Keynes afirmava que o governo deveria gastar, ainda que fosse para cavar buracos e depois para tapá-los. Quando a economia voltasse à normalidade, o estímulo fiscal deveria ser suspenso. Por isso, os gastos anticíclicos deveriam ter natureza temporária.
Lula levou ao exagero a suposta relação entre obras públicas e desenvolvimento. Nenhum outro foi tão longe no uso de inaugurações para dar a impressão de governar bem e conquistar popularidade. Vive a cortar fitas Brasil afora e a discursar. Inaugurou a mesma obra mais de uma vez. O PAC – mais propaganda do que realidade – é a fonte essencial da estratégia.
Obras contam, mas a aceleração do crescimento depende de inovação e de ganhos de produtividade. Educação é mais importante do que obras, mas seus resultados não são visíveis como nas inaugurações.
Para o ministro da Fazenda, “o PAC é a mola mestra da economia”. Teria sido por ele que saímos rapidamente da crise. Como o PAC representa apenas 0,6% do PIB, a conclusão do ministro equivale a dizer que o motor de um automóvel faz decolar um avião a jato.
Na verdade, as causas do desenvolvimento são mais complexas. O sucesso não decorre de realizações de um único governo, como faz crer Lula e seus companheiros. É um processo cumulativo, em cujas origens estão as instituições que alinham incentivos para o setor privado assumir riscos e investir.
O moderno sistema capitalista – que com seus defeitos se provou melhor do que o socialismo ainda alojado em mentes petistas – nasceu de longo processo de mudanças institucionais que eliminaram o absolutismo e a tirania. Na Inglaterra, começou com a Carta Magna (1215), que retirou do rei o poder de tributar.
Depois, a Revolução Gloriosa (1688) transferiu o poder supremo para o Parlamento. Valia mais a lei e do que a vontade do rei, que não mais podia demitir juízes ou gastar à vontade. Um Judiciário independente fazia cumprir contratos e direitos de propriedade, incluindo a expulsão de invasores. O MST não teria vez como aqui.
Um estado institucionalmente forte propiciou o surgimento do crédito às empresas, um dos impulsionadores da Revolução Industrial. Fruto dessas transformações, a Inglaterra ascenderia à condição de potência econômica e militar no século XIX. Outros fatores contribuíram o êxito inglês, mas as instituições foram um dos principais.
Os Estados Unidos, principal herdeiro das tradições culturais da Inglaterra, construiriam sua grandeza à base de boas instituições. Ainda no século XIX, a qualidade de sua educação se tornaria fonte de inovações tecnológicas. O crédito ao consumidor seria inventado por um lojista de Nova York, Coperthwite & Sons, em 1807.
Não há exemplo de país que tenha obtido êxito à base de obras públicas. Por isso, não se vê o presidente americano, o primeiro-ministro inglês ou qualquer outro líder do mundo desenvolvido cruzando céus e terras para inaugurar estradas, viadutos, escolas e outros empreendimentos públicos ou lançar pedras fundamentais.
O presidente Obama também viaja e discursa muito, mas não inaugura obras públicas. Participa de eventos de natureza institucional ou de repercussão nacional: a sanção de uma nova legislação financeira, o anúncio da estratégia para a saúde ou uma entrevista coletiva à imprensa.
Se tivesse se dedicado a trabalhar mais por reformas institucionais, Lula contribuiria mais pelo país do que fazendo comícios em inaugurações. Uma função nobre do líder é gerar transformações e não simplesmente fazer o que o eleitorado demanda, por razões culturais ou por informação deficiente.